Com o retorno da sexta temporada de The Walking Dead, com os sobreviventes instalados de forma (relativamente) segura em Alexandria, a série da AMC começou a explorar um caminho que os fãs não estão acostumados a ver em pauta na trama – a formação do casal “Richonne” (Rick + Michonne), a “domesticação” ao menos parcial de Carol, e as dicas de um futuro envolvimento entre Abraham e Sasha são os elementos que criam uma dimensão antes quase inexplorada em The Walking Dead: o romance no mundo pós-apocalíptico.
Apesar do espanto (e, em alguns casos, desgosto) de alguns dos fãs, talvez a verdade seja que The Walking Dead até demorou a seguir por esse caminho. Desde algumas temporadas atrás a crítica reclamava que a série raramente nos dava uma dimensão de quem eram esses personagens que acompanhávamos semana após semana como seres humanos. O que os separa dos Walkers que aterrorizam o mundo pós-apocalíptico em que eles perambulam? Essencialmente, o que os faz seres humanos e não peões dos caprichos de uma trama ficcional?
Grande parte do motivo pelo qual essa sexta temporada está recebendo reviews cada vez mais positivos é que os roteiristas da série aos poucos estão mergulhando mais fundo nesses personagens e nas consequências psicológicas e emocionais das provações que eles vem passando já há seis anos. Parte da experiência humana é a forma como nos conectamos uns com os outros – seja em laços de amizade, de inimizade, de cortesia, de violência, ou de romance. Nenhum personagem é tridimensional sem outros personagens ao seu redor, e sem se relacionar com eles.
Parear Rick com Michonne não é só uma decisão interessante para a continuação da série, mas uma forma de humanizar Rick, o colocando na posição vulnerável de se abrir emocionalmente para uma pessoa que ele genuinamente quer ter ao lado (e não alguém que ele só sente uma obrigação moral de proteger). Colocar Carol para assar cookies e flertar com um vizinho particularmente bem-apessoado é nos lembrar do passado da personagem como dona-de-casa, e nos fazer comparar a forma como ela agia naquele passado com a forma como age agora, além de nos mostrar onde estão os cortes mais profundos e as cicatrizes mais visíveis de todos esses anos de violência que passamos junto dela.
Para muitos desses personagens, uma trama romântica não é só um respiro de ar fresco e uma chance para os atores exercitarem outro lado de seus talentos, mas uma análise de como o mundo brutal em que eles vivem afetou os fatores essenciais da sua humanidade. Se nunca formos capazes de vê-los explorando esse lado mais vulnerável, nunca veremos o custo humano da violência que presenciamos em tela. E mostrar violência de forma inconsequente para quem a comete ou sofre não é só pouco efetivo como narrativa: é anti-ético, anti-dramático, e é transformar The Walking Dead em puro torture porn (aquele gênero de filmes violentos que se apoia somente no choque de sua violência, à la Jogos Mortais).
Lembram de Hannibal, aquela série maravilhosa que a NBC cancelou na terceira temporada mas deixou voar alto por todos os três anos em que esteve no ar? O grande trunfo de Hannibal, se você me perguntar, era a forma como cada ato de violência e cada banho de sangue vinha com uma profunda meditação das consequências dele, da terrível ruptura que isso provocava na psique de muitos desses personagens, da forma como toda essa brutalidade nunca deixava de informar quem eles eram como personagens. Embora fosse protagonizada por um psicopata sem consciência, o coração de Hannibal estava em Will, cuja extraordinária empatia com assassinos e criminosos o fazia suscetível ao Dr. Lecter – o personagem de Hugh Dancy era alguém que sentiu o gosto de sangue, a beleza da violência, mas não pôde suportá-la.
Claro, The Walking Dead não é Hannibal, nem de longe. As ambições são diferentes, o tom é diferente, a realização é diferente. O que The Walking Dead pode ser, se seguir nesse rumo, é algo parecido com Game of Thrones: mesmo com toda a brutalidade que existe no mundo de Westeros, as opressões e perdas devastadoras pelas quais os personagens passaram nos últimos cinco anos de série, as relações entre os personagens são muitas vezes o que os define, e nenhum ato de violência passa batido na construção dessas personas em tela. Embora com muitos finais trágicos, romance é o que não falta na série da HBO – Ned e Catelyn, Robb e Talisa, Tyrion e Shae, Sam e Gilly, Renly e Loras, Jamie e Cersei… Ok, talvez não esse último, mas vocês entenderam meu ponto.
No seu sexto ano, The Walking Dead, a série mais popular da atualidade, parece finalmente ter percebido que as pessoas vivas em tela são infinitamente mais interessantes do que as semi-mortas que elas combatem. E a não ser que abracemos essa nova e bem-vinda The Walking Dead, as coisas podem voltar rapidamente para a estagnação completa em que estavam algumas temporadas atrás.