Nesta quinta-feira (14) estreia no Brasil um dos favoritos na corrida do Oscar, o drama de época Carol, dirigido pelo visionário cineasta americano Todd Haynes (Não Estou Lá) e estrelado pelas divas Cate Blanchett e Rooney Mara. As duas atrizes vivem um romance proibido no filme, passado nos anos 50 e adaptado de um livro de Patricia Highsmith (O Talentoso Ripley).
Aproveitando o tema polêmico do filme de Haynes, separamos 7 filmes, entre clássicos, preciosidades recentes e produções menores, que pintam um retrato bem completo de como o cinema lidou com romances e dramas gays até hoje. Confira:
Weekend (2011)
O diretor Andrew Haigh pode ter ganho mais notoriedade esse ano, com o drama de relacionamento 45 Anos, que pode render indicação ao Oscar para Charlotte Rampling. No entanto, foi com esse pequeno filme de 2011 que Haigh apresentou sua sensibilidade muito particular aos cinéfilos de plantão – na trama, Russell (Tom Cullen) encontra Glen (Chris New) em uma boate gay e os dois acabam passando a noite juntos no apartamento de Russell. Durante os 97 minutos que se seguem, Weekend é um entrelaçamento de diálogos e descobertas, enquanto esses dois personagens tentam entender se podem ser algo além de um caso passageiro um para o outro.
O estilo bem naturalista de Haigh faz bem ao filme, que tem insights bacanas quanto à indistinção entre o amor e a vida gay e o amor e a vida heterossexual, mas se concentra na intimidade entre esses dois personagens, não poupando cenas sensuais consideradas ousadas na época do lançamento do filme. Weekend é um drama sensível e importante, que precisa ser visto.
Eu Matei a Minha Mãe (2009)
A estreia do canadense Xavier Dolan na direção, aos 20 anos, é talvez seu filme mais autobiográfico até hoje. Já dando dicas da obsessão materna que permearia a filmografia do diretor, Eu Matei a Minha Mãe é um drama complexo e sutil, que mapeia os detalhes da relação entre o personagem de Dolan, um adolescente gay que ainda não se assumiu para a mãe, e a própria progenitora, feita de forma marcante por Anne Dorval. Em meio a essa história da relação mãe-e-filho, o namorado do protagonista, feito por Fraçois Arnaud, vive uma outra realidade, com os pais aceitando bem o relacionamento e a sexualidade do filho.
Cheio de diálogos e passagens marcantes, com um clima e uma direção que envolvem o espectador no mundo do protagonista, Eu Matei a Minha Mãe não é só a estreia promissora de um cineasta que ainda faria filmes muito interessantes na carreira (e continua fazendo, diga-se de passagem), mas também uma das obras que mais francamente toca na complexa questão da relação maternal/paternal para um jovem gay.
https://www.youtube.com/watch?v=_jDTlFFRNnE
Filadélfia (1993)
Talvez o filme de maior notoriedade a lidar com as questões da homofobia e da AIDS nos anos 90, Filadélfia se tornou um clássico por bons motivos: dirigido por Jonathan Demme, que havia acabado de levar o Oscar por O Silêncio dos Inocentes, o filme estrelado por Tom Hanks e Denzel Washington conta a história de um homem gay portador do HIV que é demitido de sua firma de advogados quando o chefe descobre a sua “condição” – rejeitado por todos os advogados da cidade, ele recorre ao homofóbico personagem de Washington como sua última esperança.
O filme foca na construção da amizade entre os dois, na desconstrução dos preconceitos de Washington, e na evolução da doença do personagem de Hanks, cujo namorado é interpretado por um jovem Antonio Banderas. É um belo e potente retrato da situação que a comunidade gay passou durante a epidemia da AIDS e a desinformação que veio junto com ela – e contem aquela que talvez seja a performance mais inspirada de Hanks, desafiadoramente humano e perseverante em um papel que poderia ser só uma coleção de tiques físicos escolhidos para mostrar a deterioração causada pela doença.
Clube de Compras Dallas (2013)
Talvez o mais célebre da nossa lista, Clube de Compras Dallas rendeu Oscar a seus dois protagonistas, Matthew McConaughey e Jared Leto, em 2014. A polêmica que se coloca quanto ao filme de Jean-Marc Vallée (A Jovem Rainha Vitória) desde então é a escalação de Leto, um ator do gênero masculino e cisgênero (ou seja, que se sente bem com o gênero que lhe foi designado ao nascimento), para interpretar a personagem transexual Rayon. Também localizado na época da AIDS, Clube de Compras Dallas é um belo filme, apesar de suas percebidas falhas frente às reinvindicações dos movimentos sociais que pretende representar.
McConaughey faz um caubói machão (e homofóbico) que contrai AIDS de uma prostituta, e logo se vê passando pelo mesmo processo de negação de tratamento que Rayon e tantas outras das pessoas gays contra as quais ele resmungava antes. A atuação de McConaughey, sensível e naturalista, carrega o filme com franqueza, dialogando com as injustiças da indústria farmacêutica, com a ignorância que cercava a epidemia de AIDS nos anos 80/90, e com a resiliência e a força de vontade que levou essas pessoas marginalizadas a lutarem contra o establishment.
https://www.youtube.com/watch?v=fvMPU0WaPcc
Direito de Amar (2009)
A estreia do estilista Tom Ford na direção em 2009, Direito de Amar é uma adaptação de um dos escritores gays mais celebrados da modernidade, Christopher Isherwood. Nas mãos desse refinado esteticista, o filme ganha uma produção tão elegante e “limpa” que, em alguns momentos, chega a incomodar. Funciona, no entanto, no âmbito cinematográfico e narrativo, com Colin Firth entregando uma atuação discreta e brilhante na pele do protagonista, um professor gay, recentemente viúvo, que se envolve estranhamente com um aluno sedutor.
Repleto de performances coadjuvantes excelentes, como uma intensa Julianne Moore na pele da melhor amiga apaixonada do protagonista, Direito de Amar é um drama psicológico de desenrolar simples e sutil, mas que não perde o poder de envolver e emocionar por isso. Ford deve voltar a direção, finalmente, esse ano, com o thriller Nocturnal Animals, estrelado por Jake Gyllenhaal. Mal podemos esperar.
https://www.youtube.com/watch?v=sC9Zm1UJ7zs
Canções de Amor (2007)
O ultra-moderno musical de Christophe Honoré (A Bela Junie) é muito mais uma história de superação do luto do que de qualquer coisa, mas o aspecto mais bacana do seu roteiro é a forma como se utiliza de toda uma caixa de ferramentas de novos modelos de relacionamento para contar sua trama. Louis Garrel interpreta Ismael, um terço de um casal-a-três de Paris, completado por Julie (Ludivine Sagnier) e Alice (Clotilde Hesme) – quando Julie é vítima de um acidente fatal, as outras duas pontas do casal se afastam, e a família da falecida se torna um problema na vida de Ismael, uma vez que ele morava no apartamento de Julie, que a família clama para si agora.
Ele acaba indo morar temporariamente na casa da irmã de Julie, a compreensiva Jeanne (Chiara Mastroianni), e é lá que conhece o jovem Erwann (Grégoire Leprince-Ringuet), por quem se apaixona. Canções de Amor é um filme em que paixões, sexualidade e estado de espírito são estados maleáveis, matérias fluídas que se escapam dos nossos dedos antes que possamos entendê-las. Expresso na forma das lindas músicas de Alex Beaupain, o filme é uma preciosidade sincera e charmosa que discorre com eloquência sobre a forma como conciliamos nossos desejos mais profundos com as nossas “obrigações” mais impositivas.
Hoje eu Quero Voltar Sozinho (2014)
Esse sensível drama brasileiro, originado de um curta-metragem de 2010, ganhou críticas muito positivas no mercado internacional. O diretor e roteirista Daniel Ribeiro não complica as coisas, mantendo a simplicidade e a honestidade do curta, lidando de forma suave com as questões da sexualidade de seus protagonistas e da deficiência visual de um deles. Esse casal doce e improvável que protagoniza Hoje eu Quero Voltar Sozinho é o estopim para uma exploração inteligente da questão da empatia, buscando em cada um dos personagens a jornada que eles fazem para tentar entender a preocupação e o ponto de vista do outro, e aprender a lidar com isso.
E que interessante é ver um filme sobre empatia feito para adolescentes, numa fase da vida em que ela parece tão difícil. Sem fugir do elemento da atração física que existe entre seus protagonistas (principal e memoravelmente na cena da qual a foto aí em cima foi tirada), Hoje eu Quero Voltar Sozinho localiza sua importância, e sua mensagem corajosamente otimista, no retrato de uma sexualidade e de uma deficiência física que não são contemplados frequentemente pelo cinema. É um trabalho delicado e interessante, que precisa ser visto sem preconceitos.