Nessa terça-feira (27), 2016 decidiu que ainda não tinha acabado conosco o suficiente. O ano que começou com a morte de David Bowie, um artista que empurrou a cultura a frente de forma mais decisiva que a imensa maioria dos mortais sonharia fazer, terminou com o falecimento de Carrie Fisher, que, de sua própria forma, fez quase a mesma coisa.
Estou falando, é claro, de seu papel como Princesa Leia nos filmes de Star Wars, começando por aquele que viria a ser conhecido como Uma Nova Esperança (1977), passando pelas continuações lançadas em 1980 (O Império Contra-Ataca) e 1983 (O Retorno de Jedi), e chegando até o retorno da saga, em O Despertar da Força (2015).
Na pele de Leia, Fisher foi uma heroína de ficção científica em um tempo em que elas não existiam. Sem Leia, esqueça um mundo de Tenente Ripley (Alien), Sarah Connor (O Exterminador do Futuro) e até Rey, a nova protagonista feminina da saga Star Wars. Como Leia, ela ousou seguir um caminho nunca seguido antes, enfrentou as deficiências e preconceitos de todos ao seu redor e nos introduziu a uma heroína sem remorso ou limite.
Fãs sabem, hoje em dia, que Fisher até mesmo teve uma mão nos diálogos do melhor filme da saga, O Império Contra-Ataca, conforme o Observatório do Cinema destacou apenas alguns dias atrás – veja aqui. Ao perder a Princesa Leia, o mundo perde a heroína mais importante do cinema, e temos certeza que isso vai doer do mesmo jeito no finalzinho do ano que vem, quando entrarmos em nossa sessão de Star Wars: Episódio VIII.
Ao perder Carrie Fisher, no entanto, o mundo perde muito mais do que isso.
Corajosamente Fisher
Fora dos sets de Star Wars, Fisher se mostrou tão gigantesca, e talvez ainda mais importante, do que sua personagem – o que não é uma missão fácil. Como se aceitando o desafio, Fisher viveu uma vida de extravagâncias durante os anos 80 e 90, passando por problemas com drogas e bebida, e finalmente sendo diagnosticada com transtorno bipolar. Ela colocou essa vida intensa em palavras, que sempre foram seu primeiro grande dom.
Ao escrever Memórias de Hollywood, contando todas as suas aventuras ao lado da mãe, a lendária atriz Debbie Reynolds, Fisher completou o ciclo: trouxe de volta à ficção a personagem que criou para si mesma, e expressou com ela uma verdade universal, empoderadora e marcantemente cínica ao mesmo tempo. Esse sempre foi o forte de Fisher – ela celebrava a si mesma enquanto nos fazia rir de sua auto-depreciação.
Nos cinemas e na TV, engatou uma sequência espetacular de personagens coadjuvantes em comédias celebradas, incluindo (é claro) Hannah e Suas Irmãs (1986), Harry & Sally – Feitos Um Para o Outro (1989), Family Guy (2005-2016) e 30 Rock (2007). Nas estantes, voltou a contar de forma deliciosa sobre a própria vida em Wishful Drinking (que virou monólogo de teatro e especial da HBO) e no recente The Princess Diarist.
Como personalidade pública, sua sábia franqueza e particularíssimo humor deixaram uma marca indelével não só em quem a conheceu, como também em quem a acompanhou, especialmente pela forma como abriu diálogo público sobre doenças mentais e abuso de drogas. De forma nem um pouco espalhafatosa (embora sempre muito divertida), Fisher continuou abrindo caminhos importantes para mulheres muito depois de deixar o papel de Leia.
Quando ela retornou, por sua vez, Leia não era mais Princesa – era General. E sua aparição em O Despertar da Força é ainda mais tocante, e ainda mais simbólica, porque foi Fisher quem ajudou a representação feminina em Hollywood a chegar a um ponto em que heroínas de ação não precisam de uma coroa, e sim de uma continência.
Descanse em paz, General. Vamos sentir sua falta nessa luta.