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American Gods | Crítica - Piloto

American Gods talvez seja a série mais esperada dessa temporada. A produção que ficou a cargo do canal Starz foi cada vez mais ganhando importância, desde o texto e o envolvimento de Neil Gaiman, o alto valor investido na série e até o caráter de urgência política que ganhou nos últimos tempos. American Gods é realmente uma grande aposta, sugerindo a criação de uma mitologia moderna, que alia os problemas de um mundo atual com a fantasia das antigas narrativas.

A série contará com oito episódios, que serão exibidos por aqui através do canal streaming da Amazon. American Gods acompanha Shadow Moon (Ricky Whittle), um presidiário que cumpre seus três anos de reclusão até que é liberado para acompanhar o funeral de sua esposa, morta num acidente de carro. Antes mesmo de receber a notícia, Shadow Moon tem uma série de sonhos estranhos com direito a caveiras e uma árvore desfolhada. Durante a viagem até sua cidade natal, o protagonista encontra-se com Wedsney (Ian McShane) um típico trapaceiro que logo oferece um emprego a Shadow, mas o que se percebe é que este senhor anda com companheiros com características totalmente incomuns.

O primeiro episódio de American Gods trabalha justamente na função de preparar o terreno para a criação desse mundo mitológico. A série deixa evidente habitar um mundo da fantasia, mesmo situando-se no tempo presente e em cenários reais. A produção deixa esse caráter bastante claro logo de início, com um prólogo ambientado no passado, que traz a chegada de navegadores, parecidos com Vikings, descobrindo uma terra que será amaldiçoada por anos e anos, e mesmo liberta continuará sofrendo através de trabalhos horríveis e da violência policial – como é dito no início do episódio. Além do tom crítico desse momento, ali já é demonstrado alguns momentos de extrema violência gráfica, uma chuva de sangue literalmente, e ações comprovantes de absurdos que serão vistos durante esta temporada, por exemplo, um braço decepado que degola um guerreiro.

Esse tom exagerado e escancarado é deixado em evidência no piloto de American Gods. O diretor David Slade tem a missão de ditar essa regra no primeiro episódio, com um abuso dessa violência gráfica, de momentos repletos de slow motion, cenas de ação bem coreografadas, uma iluminação totalmente chamativa e o uso de uma trilha musical bastante popular. American Gods tem um apelo muito forte, que, pelo menos nesse primeiro capítulo, surge de forma desmedida em algumas vezes. American Gods deve demonstrar cautela para que seus exageros audiovisuais não falem mais alto que a narrativa e a trajetória ali retratadas.

Se essa característica deve acender um sinal de alerta, também se constata que American Gods será uma série ligada no 220. A cada cena, a cada diálogo e a cada ação fica muito claro uma força presente na obra, sempre irônica, ácida e violenta, como uma mitologia moderna deveria ser. Isto é o mais interessante, como Neil Gaiman e os roteiristas/criadores de American Gods, Bryan Fuller e Michael Green, enxergam essa narrativa mitológica no mundo contemporâneo. Uma história que não pode se basear em maniqueísmos, romantismos e idealizações. O presente é inseguro, sujo e incerto e seus heróis mitológicos também devem ser dessa forma.

Nesse sentido, American Gods traz logo de cara figuras totalmente inusitadas, que unem essa fantasia mitológica com uma espécie de espírito do tempo presente. Personagens ambíguos que se utilizam de armas contemporâneas para conquistarem seus objetivos, como o próprio Wedsney e sua lábia, Mad Sweeney (Pablo Schreiber que interpreta um Duende cheio de truques de mágica) utilizando seu ilusionismo e a ainda enigmática Bilquis (Yetide Badaki) e o uso do sexo como fonte de seu poder. Isso apenas no primeiro episódio, prometendo que essas figuras multipliquem-se no decorrer da série.

Extremamente imaginativo, o piloto de American Gods cumpre este objetivo primeiro de construir e deixar bem claro as regras desse mundo fantástico. Os roteiristas desse episódio preparam o terreno e jogam diversas informações sem deixar as coisas muito claras, levantando o interesse naquele universo sem revelar muito do que vem a seguir. O episódio inaugural da série é como se trouxesse, realmente, as primeiras frases de uma história mitológica, estabelecendo parâmetros e descrevendo o universo de uma história que será acompanhada por muito tempo.

Se o piloto não chega a ser brilhante, ele revela que há um painel bastante interessante, passivo de aguçar a curiosidade de qualquer espectador. Com seus excessos, exageros e personagens peculiares, é certo que a mitologia contemporânea está em boas mãos. Que venham os próximos episódios de American Gods.

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