Quando Curtindo a Vida Adoidado foi lançado, em 1986, Matthew Broderick era só o garoto do filme Jogos de Guerra (1983), e tinha 24 anos, a mesma idade de mais ou menos todos os atores que interpretam colegiais em Hollywood. Já Alan Ruck, que interpretou o melhor amigo de Ferris Bueller, Cameron Frye, tinha 30. É difícil acreditar nisso assistindo o filme hoje em dia, porque Ruck habita a consciência deste garoto de menos de 20 anos com tanta vivacidade, e complexidade, e de forma tão absolutamente indelével para a cultura pop.
Todo mundo ama Ferris, mas pouca gente se lembra de Cameron. De muitas e muitas formas, Curtindo a Vida Adoidado é muito mais sobre o amigo mais tímido do personagem de Broderick do que é sobre ele próprio. Sim, o título original é (em tradução livre) O Dia de Folga de Ferris, mas é aí que está a beleza do roteiro de John Hughes, que fechou sua trilogia da juventude com o clássico (os filmes anteriores, Gatinhas e Gatões e O Clube dos Cinco, mereceriam suas próprias colunas): o dia visto no filme é só mais um na vida do popular, rebelde e carismático Ferris, mas é decisivo na vida de Cameron. O dia de folga de Ferris é um dia que Cameron nunca vai esquecer.
E é exatamente por isso que é tão interessante notar que Alan Ruck tinha 30 anos aqui. Se qualquer um de vocês, caros leitores, já chegou nessa idade, deve saber o que sente quando olha para seus anos colegiais: neles residem promessa e ansiedade, medo e excitação, tédio e aventura, repressão e liberdade. Quanto mais tempo entre você e seu ensino médio, mas ele parece uma contradição terrível, vergonhosa, amarga e, ao mesmo tempo, maravilhosa. Eu não tenho 30 anos ainda, mas sabe como eu sei de tudo isso? John Hughes e Alan Ruck me mostraram, e a cada ano que se passa eles fazem mais sentido.
Desde que eu assisti a trilogia da juventude de Hughes, me fascinou a forma como, mesmo sendo de 30 ou mais anos atrás, esses filmes persistiam como um retrato tão envolvente e identificável de uma fase da vida que certamente não é a mesma para quem a enfrenta hoje. Embora O Clube dos Cinco seja provavelmente a obra-prima do trio, Curtindo a Vida Adoidado sobreviveu no imaginário popular de forma mais concreta. Seus estereótipos podem ser datados, sua falta de diversidade étnica e sexual pode ser um pouco incômoda para os padrões atuais, mas há algo de durável e irresistível sobre esse filme.
Hoje, me parece que esse algo de durável e irresistível tem a ver com a forma como Hughes encapsulou em alguns diálogos e cenas inesquecíveis a forma como todos nós nos sentimos, e continuaremos nos sentindo, quando estamos naquele momento decisivo do final da adolescência. A vida passa muito rápido, como Ferris famosamente diz no final do filme, e até quem já passou dos 20 pode te dizer que não é exatamente assim – mas certamente parecia ser aos 17.
Os 16, 17 e 18 são aquela idade em que você passou pela maioria das mudanças físicas, fisiológicas e psicológicas da adolescência, mas mesmo assim é pego de surpresa quando o mundo começa a te pedir para pensar e agir como um jovem adulto. É quando as decisões e obrigações começam a se acumular, mas você ainda não faz a mínima ideia de como lidar com todas elas. Mais até do que isso, você não quer lidar com todas elas – há ainda dentro de você um espírito de liberdade que convive de forma tumultuosa com a noção cada vez mais imediata de que essa liberdade não vai durar.
Twist and Shout
Eu acho que é por tudo isso, por esse turbilhão de emoções e implícitas sensações que o filme provoca, que a cena em que Ferris canta “Twist and Shout” na parada de rua é tão marcante. Não só tão marcante, mas uma das imagens mais indeléveis dos últimos 50 anos de cinema. Matthew Broderick, apesar da próspera carreira que construiu, nunca conseguiu se livrar da marca desse único momento. Alan Ruck, que teve alguns outros papeis bacanas e é um excelente comediante, certamente também não.
A canção dos Beatles tem letra praticamente primária, falando de dança e diversão de uma forma que, se a música tivesse sido lançada hoje em dia, certamente seria acusada de “pop inócuo”. O ritmo famosamente contagiante, no entanto, não parece se prestar a esse tipo de reflexão pseudo-intelectual que subestima o poder de uma música pop simples e direta. A performance de Broderick completa o pacote com o mesmo carisma que ele infalivelmente demonstra durante o filme, vendendo até os aspectos menos “adoráveis” de Ferris.
Só aí, Curtindo a Vida Adoidado já ganhou a empolgação visceral do espectador, sua atenção, e muito provavelmente seu riso. É nos diálogos que coloca antes, durante e depois da “performance”, no entanto, que o filme ganha o jogo de uma forma mais profunda do que poderia parecer.
CAMERON: Eu não sei o que eu vou fazer.
SLOANE: Faculdade.
CAMERON: Sim, mas fazer o quê na faculdade?
SLOANE: O que te interessa?
CAMERON: Nada.
SLOANE: A mim também não! O que você acha que Ferris vai fazer?
CAMERON: Ele vai ser um cozinheiro em Vênus!
Não me levem a mal com toda a reflexão meio nostálgica e saudosa, porque Curtindo a Vida Adoidado também é espetacularmente engraçado e, talvez ainda mais do que isso, divertido. Há acidez no retrato do diretor da escola que persegue Ferris, há sátira na forma como seus pais simplesmente não são capazes de perceber que o filho está enganando-os, há uma participação hilária de Charlie Sheen perto do final, e há mais do que algumas peripécias deliciosas de Ferris, Cameron e Sloane no decorrer do “dia de folga” dos três.
Há algo de libertador e saboroso em Curtindo a Vida Adoidado, mas esse gosto só permanece na boca do espectador porque o filme de Hughes não é inteiramente hedonista. Ele é a história do amadurecimento de um garoto (Cameron) preso pelas regras, imposições e joguinhos sórdidos dos pais, e de fato a história sobre o crescimento de todos esses personagens que parecem invariavelmente estar dizendo adeus, lentamente, deliciosamente, a um sentimento agridoce que eles nunca mais vão sentir.
Histórias de fim da adolescência são tão adoradas por escritores de todas as mídias porque há algo de fundamental que perdemos (“Quando você cresce, seu coração morre”) e que ganhamos nessa transição. Crescer não é só perceber que o problema não é só você, e sim todo mundo, mas também aprender a aceitar essa terrível realidade e, de alguma forma, seguir parando de vez em quando para admirar a paisagem da bagunça que fazemos com a nossa vida.
O problema é que, quanto mais o tempo passa, menos tempo temos para isso. Menos tempo para refletir sobre para onde vamos a partir daqui. Menos tempo para mudar de rumo no meio do caminho. Menos tempo para cantar as virtudes daqueles deixados de lado. Por isso, se você for assistir Curtindo a Vida Adoidado nesse aniversário de 30 anos do filme, vale repetir com Ferris, baixinho, naquela cena inesquecível: “Cameron Frye, essa é para você”.