Ao longo desta última década, a televisão e o cinema perceberam o enorme interesse do público por uma certa nostalgia dos anos 70 e 80 (ainda que os elementos desta nostalgia sejam muito mais relacionados aos americanos do que ao público brasileiro). Com tal interesse, não demoraram muito para se voltarem à uma das grandes figuras destes tempos, o escritor Stephen King, cujas histórias já foram levadas para fora das páginas em diversas ocasiões, algumas com muito mais sucesso do que outras. “IT – A Coisa” foi um grande marco da bilheteria de 2017, outras duas adaptações cinematográficas chegaram no mesmo ano, e a televisão recentemente trouxe séries como Mr. Mercedes e Under The Dome, ambas baseadas em obras de King. Agora, o universo do escritor é explorado com uma abordagem diferenciada em Castle Rock, quee exibe grandes altos e baixos ao longo de sua primeira temporada.
Castle Rock acompanha o advogado Henry Deaver (André Holland), que se vê compelido a voltar para sua cidade natal após seu nome ter sido invocado por “um jovem rapaz com um problema jurídico incomum” ( esta é a tradução de como o personagem de Bill Skarsgard é curiosamente chamado no banco de dados do site IMDB). O jovem rapaz foi encontrado nos confins de uma prisão estadual, onde era, secretamente, mantido prisioneiro pelo último diretor do local, agora falecido após se suicidar. O cenário em questão é uma locação muito conhecida de qualquer fã de Stephen King (ou cinéfilos em geral). Trata-se da prisão de Shawshank, vista por muitos no filme “Um Sonho de Liberdade” (Shawshank Redemption, em inglês), e representa um dos vários elementos do autor que estão espalhados pelo mundo da série.
Ao invés de adaptarem um história específica de King, os criadores escolheram construir uma trama onde diversas criações do escritor convergem em um mesmo mundo, estabelecendo a cidade de Castle Rock como uma anomalia, um ponto de tragédias e acontecimentos traumatizantes recorrentes. O grande acerto desta proposta está justamente em não se inclinar excessivamente para nenhuma obra particular, mantendo-se eficiente para qualquer espectador, mesmo que este não seja necessariamente entendido dos universos de Stephen King. Ao mesmo tempo, fãs mais aficionados do autor com certeza terão muito espaço à ser explorado por aqui, atentos para referências e ligações com diversas histórias e personagens presentes em sua bibliografia (desde meras menções, até quadros na parede).
Outra escolha acertada da série, os elementos sobrenaturais são rapidamente colocados em evidência para atiçar o interesse do espectador, ainda que demorem para serem explorados de maneira recompensadora. Este é um aspecto comum em obras de King, que é famoso por ser um mestre em construção, mas costuma deixar à desejar em suas conclusões. De maneira semelhante ao trabalho do escritor, a sobrenaturalidade da série chama a atenção em seus primeiros episódios, mas começa a tornar-se frustrantemente superficial conforme os roteiristas evitam explicá-la diretamente. A série carrega o selo da produtora Bad Robot, chefiada por ninguém menos que J.J. Abrams, que assina como produtor executivo em todos os episódios. Quando se está acostumado com as produções de Abrams, não é difícil adivinhar o que atraiu a atenção do produtor de “Lost” e “Fringe” para a proposta de Castle Rock. Toda a narrativa é construída com abordagens muito semelhantes à diversas outras produções que procuram instigar a curiosidade do espectador com mistérios mirabolantes e elementos fantásticos.
Os episódios passam com evoluções relativamente contidas, até que alguma reviravolta deixe o gancho ideal para o próximo capítulo. Os roteiristas retém informações vitais do espectador, deixando-as para serem reveladas em estágios oportunos para que o mistério vá tomando sua forma conforme o planejado. E a estrutura da série procura constantemente instigar o espectador, alternando entre o andamento linear da trama, e sequências de contextualização (como “flashbacks” e trocas de perspectiva sobre o mesmo cenário). O sétimo e o nono episódio desta primeira temporada são ótimos exemplos do potencial que Castle Rock possui com sua abordagem audaciosa, expandindo a mitologia e as mecânicas da série de maneiras interessantes e inventivas, mas acabam servindo mais para aumentar as indagações do espectador com suas adições à trama, do que para contextualizá-las construtivamente.
O texto da série é mais substancial do que observamos, nos dias de hoje, com séries semelhantes. Embora o ritmo da narrativa possa se arrastar em algum momento, são poucas as cenas descartáveis ou redundantes que costumam preencher histórias de mistério mal-elaboradas. O elenco, por sua vez, também não deixa a desejar com os diálogos que tem em mãos, mas o grande destaque fica, sem sombra de dúvidas, para Bill Skarsgard e sua interpretação inquietante do jovem misterioso. Já conhecido dos fãs de Stephen King por ter dado vida ao palhaço Pennywise em “IT- A Coisa”, o ator demonstra grande aptidão para papéis desconcertantes, e torna-se o principal atrativo da série em diversos momentos. Também é importante ressaltar a eficiência de alguns aspectos técnicos de Castle Rock, que procuram seguir padrões cinematográficos tanto na fotografia, quanto na montagem dos episódios, elevando a relevância da série ao produzir cenas mais visualmente impactantes.
Eis que Castle Rock resolve não mostrar todas as suas cartas no último episódio, e embora estabeleça uma conclusão funcional para diversos arcos narrativos desta primeira temporada, se dispõe a avançar sua mitologia apenas sutilmente, e com pouco espaço para grandes especulações. Henry continua sendo um personagem cujas atormentações ainda parecem longe de uma solução, e deixa a audiência com ainda curiosidade do que quando havia iniciado sua jornada. Para conhecedores das obras de Stephen King, no entanto, o futuro pode ser muito mais gratificante do que qualquer mistério construído pela série até então. Ao revelar o nome de seu futuro livro, “Overlooked”, a personagem de Jane Levy abre espaço para que Castle Rock adentre terrenos muito mais consagrados do autor com “O Iluminado” e um de seus livros mais recentes, “Doutor Sono”. Fico curioso ao pensar em como a série conseguirá integrar mais esta expansão em seu universo, e quais elementos destas obras ela pretende aproveitar. Caso consiga abordar sua mitologia com maior clareza e eficiência, pode alcançar um espaço que dificilmente será ignorado pelo público geral.