Para o humor da Rede Globo, os anos 2000 foram bem conturbados e contraditórios. Com vários recursos e boa produção, entregava programas vazios, beirando o preconceito e incompreensivelmente ruins. Essa fase felizmente passou, e os tempos obscuros de Caceta e Planeta e do formato antigo do Zorra Total acabaram. Desde então, parece que a emissora resolveu realmente fazer valer todo o seu potencial e repaginar todo seu catálogo humorístico. E foi seguindo os passos do humor rápido e afiado, que nasceu na internet, que surgiu o promissor Tá no Ar – a TV na TV, que chega nesta terça (24) à estreia da sua 4ª temporada.
Não é obrigação do humor, seja ele de qualquer emissora ou em qualquer formato, trazer reflexões profundas sobre política e sociedade – nada melhor do que aquele entretenimento que nos faz esquecer vários problemas. Mas, mesmo percebendo isso, os criadores de Tá no Ar, Marcelo Adnet, Marcius Melhem e Maurício Farias conseguem unir o melhor desses dois mundos: a crítica e o despretensioso.
Em time que está ganhando não se mexe. O ditado, nesse caso, é verdadeiro, e a quarta temporada do programa se mantém similar ao formato das anteriores. Temos logo como primeiro esquete, uma paródia do Banco do Brasil (Branco no Brasil) denunciando a discriminação racial no país de forma genial. Rimos, sim, mas com aquela pontinha de culpa – só para dar continuidade com um comercial despretensioso do seguro de vida Iron Life, ambientado no universo de Game of Thrones – “você nunca sabe quando será cortado” (!).
E falando em humor despretensioso, não podemos deixar de lembrar da curta porém memorável participação de Sandy Leah, que ao reviver os bastidores do antigo seriado global Sandy e Júnior, solta o verbo e mostra que a também sabe falar palavrão.
Alguns quadros voltam, entre eles, o sensacional Jardim Urgente. A esquete, uma paródia de programas sensacionalistas como Cidade Alerta e Brasil Urgente, é outro pico de humor ácido em Tá no Ar, que nos faz pensar, e ainda assim não chega a ser chato – muito pelo contrário: se a decisão coubesse aos programa parodiados, talvez veríamos realmente algum apresentador declarando, aos berros, os absurdos do texto da paródia: “ai, que saudade da Febem!”.
Ainda no primeiro capítulo, destaque para “Machinho Alfa” e sua linda crítica ao universo machista que ainda existe. Satirizando comerciais de comprimidos para cólicas, o remédio oferece, aqui, o alivio aos efeitos do “Machinho Alfa”, uma síndrome masculina que faz os homens se sentirem superiores.
Por fim, vale ressaltar que a terceira temporada teve como destaque o quadro do personagem Chico Buarque de Orlando, representado por Adnet, que denunciava a ascensão da direita radical no Brasil a partir de paródias das músicas de Chico Buarque. Seguindo a mesma linha, o primeiro episódio foi fechado com uma excelente versão de Aquarela, de Vinícius de Moraes, para o comercial dos lápis de cor “Fazer Cartel”. Não é preciso dizer que escutar sobre prisões da Polícia Federal e delações premiadas ao ritmo de uma música tão icônica e cantado por uma criança de forma tão inocente foi, mais uma vez, outra sacada de mestre de Adnet, Melhem e Farias.
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No mais, Tá no Ar – a TV na TV segue firme em sua proposta de satirizar a televisão, incluindo aí a própria Globo. Isso, por si só, já é admirável. Não sabemos o que Adnet precisou fazer para conseguir colocar no ar um personagem que critica, ao mesmo tempo, tanto à Rede Globo quanto o ativista de sofá que culpa a Globo por todos os desastres do país (do jeitinho que vemos na internet) – mas esse personagem volta, brincando de metalinguagem, e continua pertinente como sempre (a crítica, no caso, foi sobre a ‘superficialidade’ das ‘coberturas’ de eventos no Snapchat, repartidas em blocos de 10 segundos).
Assistir a Tá no Ar continua sendo um programa completo: faz-nos pensar, criticar e, ao mesmo tempo, nos distrai numa terça à noite, onde ainda resta uma semana inteira de trabalho e tudo o que conseguimos pensar é em quanto tempo falta para chegar o final de semana. Felizmente, seguimos sem aquele humor escrachado, sexual e forçado. De fato, quem vê à TV na TV chega até a acreditar que nunca existiram os tempos negros de Caceta e Planeta. Enquanto Tá no Ar se manter fiel a tudo isso que se propõe a ser, o programa certamente continuará sendo estendido para mais várias temporadas de sucesso.