Conhecido nos quadrinhos como o “merc with a mouth” (ou “mercenário tagarela”), o humor sarcástico e verborrágico de Deadpool sempre foi uma característica definidora do personagem. Um dos aspectos mais legais dos trailers do filme estrelado por Ryan Reynolds até agora foi perceber que esse aspecto do anti-herói permaneceu intacto na adaptação do diretor Tim Miller.
A campanha publicitária do filme também não decepcionou: desde o hilário slogan que foca nos atributos físicos (mais especificamente, no traseiro) do personagem até o agora famoso pôster espalhado pelas ruas de Los Angeles (veja ele acima), que brinca com o nome do personagem, tudo parece indicar que Deadpool vai ser um dos filmes de super-heróis mais bem-humorados da história do gênero. Explicando o outdoor: dead (“morto” em inglês), representado pelo emoji de caveira; poo (literalmente “fezes” em inglês) representado pelo famoso emoji correspondente; e o L para completar o nome do anti-herói – deadpool.
A história do humor em filmes de super-herói não começa e provavelmente não vai terminar em Deadpool, no entanto. Afinal, um dos elementos mais importantes da composição de uma aventura, como gênero cinematográfico, é o bom humor – pense nas piadas de Piratas do Caribe, por exemplo, e você vai entender do que estou falando. E, de fato, o flerte dos salvadores super-poderosos da Terra com a comédia é bem antigo.
Hoje um clássico cult, a série dos anos 60 do Batman, estrelada por Adam West e Burt Ward, é conhecida pela forma como misturava as aventuras criminais do Homem-Morcego com uma dose saudável de diversão trash. Em 120 episódios entre 1966 e 1968, a produção televisiva é uma boa pedida para quem não aguenta levar o Batman tão a sério quanto os filmes de Christopher Nolan e Zack Snyder sugerem – ou ao menos como um respiro de entretenimento entre as atuais concepções sombrias do personagem. O mesmo vale, inclusive, para as séries dos anos 70 da Mulher Maravilha, estrelada pela lendária e insuperável Lynda Carter, e do Incrível Hulk, feito com gosto pelo imponente Lou Ferrigno. Contornar as restrições monetárias com bom humor sempre foi mandatório para essas produções televisivas.
Para o bem ou para o mal, é também nesse caminho que a maioria dos filmes de super-heróis saídos nos anos 90 foram feitos. Vide os dois filmes dirigidos por Joel Schumacher para a franquia do Homem-Morcego, especialmente o odiado Batman & Robin, que de fato é um pouco demais para qualquer espectador desavisado – mas, se você pensar bem, só faz colar o humor kitsch da série dos anos 60. Outros filmes da época que usam o humor de forma duvidosa são Howard, o Super-Herói e O Fantasma, que viraram clássicos da Sessão da Tarde aqui no Brasil.
A comédia tomou seu lugar correto dentro dos filmes de quadrinhos a partir do trabalho de Sam Raimi, um mestre em misturar bom-humor com outros gêneros (vide a franquia Evil Dead), na primeira trilogia do Homem-Aranha. Inserido em momentos inusitados e equilibrado com a ação e o desenvolvimento de personagens, o humor fez dos três primeiros filmes do Cabeça de Teia as aventuras perfeitas (sim, até o mais criticado Homem-Aranha 3, que segue hilário nas sequências que um Peter Parker de visual emo dança pelas ruas flertando com qualquer garota que vê pela frente).
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O papel do humor ficou ainda mais proeminente com o Peter Parker de Andrew Garfield nos dois O Espetacular Homem-Aranha. O carismático ator britânico criou um Peter mais parecido com o dos quadrinhos, sarcástico e falante de forma não muito diferente do Deadpool que Reynolds vai interpretar no filme que estreia nesta quinta-feira (11). A famosa cena em que o super-herói prende um assaltante de carros na primeira vez que testa a extensão dos seus poderes segue divertidíssima até hoje, e muitos fãs do Aranha dos quadrinhos confirmam que a versão de Garfield é bem mais fiel ao personagem do que a de Tobey Maguire nos filmes de Sam Raimi.
Embora o humor sempre tenha sido parte dos filmes conduzidos pela Marvel Studios, especialmente através das tiradas sarcásticas do Tony Stark de Robert Downey Jr., foi em Guardiões da Galáxia e em Homem-Formiga que esse elemento ficou mais claro. É importante notar que ambos os filmes foram dirigidos e escritos por veteranos da comédia: Guardiões por James Gunn (Seres Rastejantes), e Homem-Formiga pelo time de diretor/roteirista composto por Peyton Reed (Sim Senhor) e Edgar Wright (Todo Mundo Quase Morto). Nesses filmes, o olhar mais sincero e a quase absurda consciência de si mesmo que envolve a trama causa um humor que surge naturalmente – seja na luta contida dentro de uma maleta ao som de músicas nada adequadas tocadas por um iPhone em Homem-Formiga, ou na hilária dança do Star Lord (Chris Pratt) que acontece bem no clímax de Guardiões da Galáxia.
Utilizando personagens que abusam do humor em certos momentos ou reconhecendo o ridículo de certas situações, os filmes da Marvel estão cada vez mais engraçados, e a tendência é que isso não pare por aqui, especialmente com o sucesso quase certo de Deadpool. Quem tem a ganhar (em entretenimento) somos nós, espectadores.