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Entrevista | Destaque em séries e filmes policiais, Roberto Birindelli afirma: "Liberamos as drogas e o aborto para acabar com a hipocrisia"

Por Leandro Lima

Nascido no Uruguai e formado em arquitetura e urbanismo, o ator Roberto Birindelli é um dos atores em ascensão na TV brasileira por conta de seus personagens recheados de histórias policiais. Atualmente na reta final de Apocalipse, trama da Record, Roberto se se prepara lançar novos filmes, Águas Selvagens, Two shots of tequila e Escadinha, e séries pela Fox, HBO e Space, Um Contra Todos, A Vida Secreta dos Casais e Irmãos Freitas, respectivamente.

Em entrevista ao Observatório do Cinema, o ator conta detalhes dos roteiros de seus próximos trabalhos com destaque para The Last Defectors, série que conta a história de um grupo de jovens com poderes tendo ainda o tráfico de drogas com pano de fundo que será gravado nos EUA. Ao lado de Birindelli estão a brasileira Letícia Birkheuer, a americana Camila Banus, indicada ao Emmy por Days of our Lives; a cubana Mariela Garriga e Marlon Moreno, da série colombiana El Capo, da FOX.

Roberto também opina sobre temas polêmicos como a liberação das drogas e do aborto em seu país de origem: “No Uruguai se liberou a maconha como uma tentativa de redução do tráfico. Se liberou o aborto para que mulheres parassem de morrer em clínicas clandestinas. O presidente Mujica disse: ‘aqui não se morre de hipocrisia’”.

Confira:

O que mais destaca em 1 Contra Todos, da Fox, que conta a história de um homem em busca de justiça? O que o público pode esperar da nova temporada? Já recebeu os roteiros?

A principal característica criativa do Breno Silveira é buscar a humanidade de situações limites. A vida em toda sua singularidade. Partindo deste prisma, foi possível desenvolver Pepe, chefe e verdadeiro doutor do tráfico. Foi burilado a seis mãos. O trabalho de composição foi dos mais gratificantes. Desde a caracterização até as descobertas que o processo de trabalho com Breno Silveira (diretor) e Thomás Stavros permitem. Sempre próximos, ouvindo sugestões, permitindo um espaço de criação no set. E a FOX dando mega apoio. A primeira temporada foi na cadeia. A segunda foi focada em Brasília e seus meandros. A terceira temporada está no ar, e mostra o ser humano Pepe, que habita no psicopata chefe do tráfico. A quarta está sendo roteirizada. Vem coisa por aí…

O Space também vem com a série sobre a vida e a obra dos Irmãos Freitas. O que pode adiantar do seu personagem e trama? Pratica algum esporte?

É muito legal, a história de Popó (Daniel Rocha), o boxeador, e seu irmão Cláudio (Rômulo Braga). Faço o olheiro argentino que descobre o Popó e o leva a lutar nos EUA. É um prazer trabalhar com os dois diretores, Sérgio Machado (Cidade Baixa) e Aly Muritiba (Para Minha Amada Morta), e ver a dedicação com que se jogaram sobre o projeto, que tem supervisão artística de Walter Salles.

O que podemos esperar da série The Last Defectors?

A parceria com Juan Zapata vem de longe. Começou em Simone, longa de temática LGTB com grande circulação e festivais de vários países. Atualmente em pré- produção do próximo longa, Duas doses de tequila, que vai ser rodado nas ruas de Los Angeles. Paralelo a este longa está Last Defectors, um tema futurista, vingadores e resistência num mundo pós-apocalíptico.

Como é estar no ar ou gravando tantas séries e filmes para os mais diferentes canais? Conseguiu um intervalo de tempo para gravar cada? Em algum momento deu choque de produções?

Realmente é complicado. Dinâmicas diferentes. Temos que nos adequar a sistemas produtivos peculiares. Acabo de atuar em Humanpersons, longa de Frank Spano, em Chicago, Panamá e Medellín. Uma história familiar, humana, em meio ao tráfico de órgãos. Um desafio de transitar entre culturas tão diferentes, línguas (rodado em inglês, português e espanhol) e idiossincrasias. Um elenco de atores norte-americanos, espanhóis, venezuelanos, colombianos, panamenhos, brasileiros e um uruguaio…

Agora vem pela frente dois longas, duas coproduções: Aguas selvagens (Brasil Argentina), que vai rodar em Buenos Aires e Curitiba, e Two shots of tequila (Colombia, Usa, BR) que roda em Los Angeles. Tem três séries que vão rodar as temporadas seguintes, Um contra todos – FOX, A vida secreta dos casais – HBO, Irmãos Freitas – SPACE, e um projeto de novela. Sempre tentamos equilibrar agendas. Já teve dia que gravei em Cuiabá de manhã (o longa Loop, de Bruno Bini), voei para São Paulo para gravar a série Irmãos Freitas, e no dia seguinte de volta pro Rio para gravar Apocalipse, na Record. Malabarismo…

Qual personagem mais exigiu de você concentração e até mudanças físicas ao longo de sua carreira?

Muitos! Escolho os personagens justamente pelo grau de desafio e complexidade. Pepe de Um contra todos tem uma curva enorme. Vai do psicopata assassino que comanda um cartel, até um pacato vô que cuida de sua filha e do neto. Há uma humanidade enorme. Um demônio que tenta criar seu diabinho (Cadu – Julio Andrade) da maneira mais carinhosa que um pai poderia fazer. Levei pro Pepe muito do gestual com que eu fazia carinho no meu filho, imagina…

O olho e a faca, além de um filme, foi uma experiência de vida. Conta um drama na vida dos petroleiros. Escolhas em situações limites. Para rodar este longa, ficamos embarcados 12 dias numa plataforma de petróleo em alto mar, vivendo a vida off shore de petroleiros. Tivemos semanas de treinamento de resgate, combate ao fogo, fuga de helicóptero afundado, entre outros. Durante as filmagens, nos deparamos com a grandeza do alto mar, baleias passando embaixo da gente, a presença constante do perigo. Faço o papel do engenheiro responsável pela segurança da plataforma, e o amigo mais próximo do engenheiro de produção e protagonista do filme (Rodrigo Lombardi).

Apocalipse está na reta final, Guido acredita na existência de vida em outros planetas. Você pesquisou sobre o assunto? Acredita também nessa possibilidade? A trama aborda muitos temas polêmicos. Você tem uma religião? Guido trata César como um filho, já que o pai do garoto morreu durante um atentado. Em algum momento da sua vida teve um mentor, alguém que te ajudasse a escolher os caminhos da vida etc? O folhetim também é cheio de reviravoltas, cenas de ação. Qual sequência mais te marcou e o que público comenta nas ruas?

Apocalipse faz parte da série de novelas de temática religiosa, então acaba sendo mais focada na mensagem do que propriamente numa narrativa ou estudo psicológico dos personagens. A delegacia foi uma oportunidade de reencontrar velhos amigos, Samara Felippo e Fernando Pavão, e novos parceiros, Igor Cosso.

Começou com uma temática policial, realista. A busca de um serial killer, que havia matado Luís, o pai do Cesar. Guido se sente culpado por não ter evitado a morte de Luís, e prometeu à viúva que o cuidaria quase como um filho. Esta relação se mantem durante a trama. E justamente a sequência mais marcante é quando Guido executa o serial killer preso. Ele sabe que um dia vai ser condenado por isso, mas devia esse gesto ao seu amigo Luís.

Meu pai foi um grande mentor. Me ensinou flexibilidade, resistência à adversidade e como me adaptar aos tempos sempre em mutação.

Guido acredita em extraterrestres, mas este aspecto acabou não sendo desenvolvido na trama. Pesquisei muito nos anos 80, focado em outros projetos. Pessoalmente não trabalho com acreditar. Apenas penso em aprender a usar para ajudar as pessoas ou o meio ambiente. Então nesse prisma não sigo um discurso religioso. Talvez me aproxime mais do pensamento budista do que de tradicionais religiões ocidentais.

Voltando à dramaturgia, quando a história migra pro terreno mais ficcional, com anticristos e final dos tempos, encontra Guido dividido entre os rebeldes e o dominador. Tentando seguir sua coerência tentará mesmo inserido na corporação do governo, proteger Cesar de alguma maneira.

Você nasceu no Uruguai e por lá passou pela ditadura militar, mudou para o Brasil… O Brasil já passou por isso também, mas uma grande instabilidade política tomou conta do país nos últimos anos. Que lição você tira de tudo isso? O quanto a arte ajudou ou contribuiu para que os uruguaios pudessem entender o que estava acontecendo? Esse é o caminho para os brasileiros: a arte?

No Uruguai se liberou a maconha como uma tentativa de redução do tráfico. Se liberou o aborto para que mulheres parassem de morrer em clínicas clandestinas. O presidente Mujica disse: ‘aqui não se morre de hipocrisia’.

A arte salva?

Autonomia significa se auto nomear. Buda sempre se perguntou: quem sou eu. A arte trabalha essencialmente com o ser humano compreendendo a si mesmo e a seu tempo, suas circunstâncias. Sem isso vira gado, manipulado e jogado na Avenida Paulista para gritar legitimando corruptos.

Você é formado em arquitetura e artes cênicas, viajou por muitos países a trabalho. Fala quantos idiomas e o que destaca na arquitetura brasileira? SP e RJ, por exemplo.

Fiquei nove anos na faculdade de arquitetura, dividindo meu tempo com a vida de empreendedor, e pesquisava e atuava em grupos de teatro ao mesmo tempo. Depois me formei em artes Cênicas, e fui estudar na França, Italia, Dinamarca, e trabalhar em grupos de lá. Falo espanhol, português e um pouco de inglês, francês e italiano.

Dentro da arquitetura sempre me dediquei mais a urbanismo e mobilidade urbana. A arquitetura reflete um pensamento social. Sonhos, medos e desejos transformados em ruas e paredes. O Brasil segue um modelo mais americano, comparado, por exemplo, a Uruguai e Argentina, que claramente seguem modelos mais europeus.

Você observa a diferença nos cuidados com o entorno e preservação da memória urbana. Por aqui a pressão imobiliária destrói qualquer vestígio que não gere lucro. Mario Quintana dizia que o problema da arquitetura moderna é que não constrói mais casas velhas…

Roberto Birindelli em 1 Contra Todos
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