Finalizada a segunda temporada da popular Euphoria – já renovada para uma terceira parte que chegará em breve – e batendo o recorde como o segundo programa de televisão mais assistido na história da rede HBO (apenas atrás de Game of Thrones), chegamos à conclusão do porquê tamanho sucesso.
Com seus erros e acertos, constatamos que Euphoria de Sam Levinson é o tipo de material que conversa e conecta-se com muita facilidade com as gerações atuais, algo imprescindível em tempos recentes onde somos bombardeados de informações por todas as partes, porém, nem sempre temos ou ganhamos algum apoio emocional no meio de tantos dados e palavras.
A série de drama adolescente – disponível na plataforma de streaming HBO Max – busca discutir identidade, trauma, drogas, família, amizades, amor e sexo, seguindo um grupo de estudantes do ensino médio através de suas experiências na vida diária.
Mais que natural que trabalhando com tantas temáticas, encontraremos alguns momentos onde a produção criada por Sam Levinson não se mostrou capaz de mergulhar tão profundamente ao abordar determinado assunto, mas na maior parte conseguimos observar que ele obteve sucesso em levar para o seu público, algo real e relacionável, enquanto extremamente pessoal como visão intimamente expressiva.
A estridente Cassie
Apesar do êxito por uma escrita que leva temas relevantes, devemos boa parte deste triunfo aos atores que elevam alguns destes assuntos para o público, mesmo quando a mesma escrita não coopera nem um pouquinho, deixando o ator ou atriz, dependente do próprio talento ou carisma para relacionar-se diretamente com aqueles que assistem.
Este é o caso da personagem Cassie – interpretada pela enérgica Sydney Sweeney – que é daqueles tipos de personalidades que chamam a atenção pelas atitudes e estridência, mas nunca pelas nuances comportamentais ou mesmo por alguma reflexão que possa surgir na comunicação das emoções retratadas pela atriz americana de apenas 24 anos de idade.
É através de Cassie que Sam Levinson mostrou seu ponto mais baixo em Euphoria, uma vez que ela representa algo que não se movimenta desde a primeira temporada, praticamente no mesmo ponto girando em torno de si mesma, como aqueles vídeos de cachorros tentando pegar o próprio rabo. Se no começo alguns destes vídeos possam parecer engraçados, quanto mais passa o tempo e assistimos tal cena aparentemente cômica, sentimos uma agonia de presenciar alguém frustrado por não alcançar este objetivo.
Até este momento, sua personagem representou na série da HBO Max aquilo que é o exemplo máximo da falta de amor próprio entre todas as personagens principais. Lamentavelmente, Cassie é apenas dor, sofrimento, gritos e lágrimas. Sem qualquer traço de luz ou contraste, elementos necessários para que entendamos de modo mais profundo quem é aquela mulher que agoniza diante de nossos olhos.
O tóxico e redimível Nate
Se Cassie é a prova de que Sam Levinson nem sempre sabe o que está fazendo, podemos afirmar com clareza que Nate é o exemplo contrário disso, especialmente nos episódios finais desta segunda parte.
Nate é a representação precisa do que é um homem tóxico. Testemunhamos nesta temporada, ele continuar trilhando seu caminho completamente abastecido de raiva e frustração, onde todos à sua volta recebem toda essa cólera que habita dentro do jovem aluno do colegial.
Seria muito prático vilanizar sua personagem, algo que acontece naturalmente pela narrativa de Euphoria, porém, nesta hora Sam Levinson mostrou maturidade em explorar as fundações de tamanha fúria, assim como as nuances da boa performance de Jacob Elordi, que usa contrações corporais e faciais para expressar toda a carga emocional selada internamente, que protegem o menino (filho) que não conhece o amor familiar.
Levinson espelha pai e filho na vertical e horizontal, possibilitando que os assinantes da HBO Max inteiramente analisem todo o cenário e percebam que (ainda) existe uma chance de salvação para um coração e mente envenenados pela indiferença e abandono.
A tragédia de Fezco
O mesmo vale para outro personagem masculino que representa muito mais do que os olhos podem ver: o sensível Fezco.
Levinson faz de Fezco – interpretado pelo ator americano Angus Cloud – algo muito além de um mero traficante local com uma relação de proximidade com Rue (Zendaya).
Logo no episódio de introdução desta segunda parte, mergulhamos de cabeça no passado de Fezco, que explicam sua realidade presente, assim como os comportamentos e mecanismos de defesa de alguém que faz o que ele faz.
Porém, observamos que pelo texto de Sam Levinson existem outras camadas por de baixo daquela pose e presença física marcante, que são os destaques na atuação do jovem iniciante Angus Cloud, que teve em Euphoria sua estreia oficial na função de ator.
Contudo, o maior mérito do criador da série teen dramática da HBO Max foi em não julgar de modo superficial sua própria criação, em vista que Fezco é um homem sensível, inteligente, compassivo e acima de tudo, consciente de suas escolhas, mesmo aquelas mais difíceis de aceitar. Tudo isso (quase) sempre chapado, vejam só!
Infelizmente, Fezco vive seus dias com uma marca que não permite ver seu presente e futuro destacar-se de seu passado. Quando uma nova possibilidade se abre em seu caminho, batem na sua porta novamente à tragédia do destino e a morte de um sonho.
O caminho de Rue
Sam Levinson já discutiu abertamente a respeito de suas lutas com as drogas quando era um adolescente e no início da fase adulta. Assim, não surpreende nem um pouquinho que através da formidável Zendaya que ele consegue construir seus melhores argumentos em Euphoria desde a primeira temporada.
O quinto episódio intitulado ‘Stand Still Like the Hummingbird’ (no traduzido, Fique Parado Como o Beija-Flor) é o exemplo preciso de alguém que sabe exatamente o que está falando e para quem está direcionando tais argumentos e sentimentos.
Nele observaremos Sam Levinson explorar tudo aquilo que envolve ter alguém parte de seu círculo próximo parte, ou no caso da sofrida Rue, completamente imerso, se afogando no vício em drogas. Todos os comportamentos destrinchados nos menores detalhes, até aqueles que são vistosamente mais óbvios.
Isso inclui não somente a estrela principal de Euphoria, como também seus familiares e amigos próximos. Já que o alcance de destruição das drogas vai muito além do usuário, sendo que para depois tentar reconstruir aquilo que foi demolido por nossas escolhas é também das tarefas mais difíceis, igualmente bem definidas por Levinson pelos episódios seguintes a este que temos como maior destaque.
Tudo isso só foi possível, graças à performance volumosa de Zendaya, que soube flertar habilidosamente com o humor, principalmente na primeira metade desta temporada atual, até o momento de maior catarse no centro da narrativa, quando observamos à força imensurável de uma jovem em estado de sofrimento profundo, mas desesperada para sair e incapacitada de fazer isto sozinha.
Também podemos valorizar seus momentos de autoconsciência que apresentaram uma Rue entre a dor e resistência, agarrando-se à vida sem realmente saber como ou o porquê está fazendo isso. Zendaya entregou (novamente) uma performance inegável que tem os atributos necessários para atingir diretamente o assinante da plataforma HBO Max.
Os momentos de Adeus
Pelos dois episódios derradeiros desta segunda parte, notamos que Sam Levinson quer comentar sobre os momentos na vida que nos tocamos que aquilo será a despedida de algo (bom ou ruim) que já não existirá mais como antes conhecíamos, especialmente no oitavo capítulo intitulado ‘All My Life, My Heart Has Yearned for a Thing I Cannot Name’ (no traduzido, Toda a Minha Vida, Meu Coração Ansiou por uma Coisa que Eu Não Consigo Nomear).
Existe uma melancolia bem difícil de escapar nesta parte final, quando percebemos o criador de Euphoria pisar com tudo no acelerador na dicotomia entre a arte e à vida real que se misturam de maneira bem humorada pelas mãos, cabeça e coração de Levinson.
Ele não põe em prática uma sensibilidade notável como fez Pedro Almodóvar no belo Dor e Glória (2019), por exemplo, assim como também não executou tantas transições visuais capazes de deixar uma marca emocional mais vívida, porém, consegue à sua maneira (bem) mais exagerada elaborar seu ponto de vista.
Se na próxima temporada de Euphoria – ainda sem data de previsão – tivermos algumas intervenções menos de Levinson, que já deixou muito claro que adora experimentar visualmente e sonoramente com seu material, possivelmente teremos algo ainda mais poderoso nesta produção da HBO Max.
Quanto menos Nicolas Winding Refn (Apenas Deus Perdoa; Demônio de Neon) ele pôr em prática, melhor será a experiência emocional de quem assiste, em especial do público-alvo mais jovem.