Não adianta reclamar que das grandes estreias do cinema a maioria delas são de filmes de super-heróis – não é como se houvesse uma franquia recorrente ou alguma espécie de tendência seguida pela indústria, mesmo ficando claro que o retorno financeiro de tais longas são os maiores no cinema. Hoje os filmes de super-herói são uma realidade, constituem-se como um gênero – com seus códigos, fórmulas e clichês – e a compreensão dessa situação abre margens para maduras obras cinematográficas.
Antes de explorar esse amadurecimento cinematográfico é necessário traçar um breve panorama dessa trajetória. No século passado, principalmente a partir da criação do conceito de blockbuster com Tubarão e Guerra nas Estrelas, houveram as primeiras incursões mais sérias das adaptações das HQs no cinema, já constatando, assim, seu potencial comercial. Surgiu, dessa forma, no final dos anos 1970, o fenômeno Superman – O Filme, de Richard Donner, tendo mais três sequências ao longo dos anos 1980, sendo apenas uma delas digna de respeito. Após esse primeiro momento foi a vez do Batman de Tim Burton em 1989 ser um sucesso original e absoluto, gerando também mais três sequências, sendo as duas finais extremamente pavorosas. Essa conjuntura colocava os super-heróis como figuras esporádicas no cinema, possuindo um forte apelo comercial e uma certa dúvida qualitativa, longas bons com sequências que acabavam deixando a desejar.
Nos anos 2000, três trilogias elevaram o patamar desse tipo filme: X-Men, de Bryan Singer e Brett Ratner, grande precursor do novo momento dos heróis no cinema; o Homem-Aranha de Sam Raimi e principalmente o Batman de Christopher Nolan. Se a narrativa sobre os mutantes serviu para ditar o tom realista aos filmes de herói, e Homem-Aranha chegou para conquistar de vez o público, a trilogia do Homem-Morcego foi fundamental para estabelecer um paradigma desses longas – é como se Nolan tivesse colocado a pedra fundamental na consolidação de um gênero cinematográfico. Especialmente com Cavaleiro das Trevas houve um teto para essas produções, como se agora houvesse um bastião que pudesse qualificar os filmes que viriam a seguir, sem ser necessários associar os longas de super-herói aos gêneros de ação ou aventura, constituindo um estilo próprio.
Evidentemente que a partir daí surge quase uma necessidade em copiar o que foi estabelecidos por Cavaleiro das Trevas, parecendo que todo longa deveria conter o realismo sombrio de Christopher Nolan. Os padrões da série cinematográfica do Batman foram qualitativos. Assim, era necessário compreender que entre o azul/vermelho do Homem-Aranha e o preto do Batman haviam muitos outros tons. Quem melhor entendeu essa situação foram os filmes da Marvel, que logo notou um espaço vazio deixado pela trilogia de Nolan. E timidamente ocupou todo gênero com uma fórmula bem específica e com constantes promessas de crossover entre seus personagens.
E nada mais significativo que a consolidação de um gênero que uma fórmula de sucesso e sua associação a um grande estúdio. A Marvel foi comprada pela Disney e colocou em seus mais diferentes longas um esquema, embutiu características que prontamente remetem a um estilo muito claro e identificável. O misto de aventura, alívios cômicos e a construção de um perspicaz universo narrativo interligado conquistou a todos. Com o padrão Disney, a Marvel passa a realizar filmes em tamanho família, capaz de agradar uma série de públicos diferentes, fato que às vezes produz bons títulos e outros apenas razoáveis. Para evitar qualquer mal entendido, essa é uma característica, algo que todos os filmes do estúdio contém, não um defeito.
Assim, o que houve nesses anos de hegemonia da Marvel foi a cristalização do cinema de super-heróis como um novo gênero, estabelecendo suas regras e o que é agradável para o público. Se isso dita as regras, também cria-se a consciência do que é um filme de super-herói, tendo a compreensão dos códigos que eles pressupõem, é a partir disso que surgem novas formas de lidar com essas fórmulas. O amadurecimento quanto gênero faz com que surjam filmes mais arriscados, voltado a outros públicos, dialogando com novas formas.
Para se ter uma ideia teve até um filme dentro do chamado cinema de arte que dialogava com o gênero dos super-heróis, o francês Tudo Sobre Vincent (2015). Todavia, são dois longas do cinemão americano que chamam atenção por proporem rupturas e abrirem novos diálogos nesse estilo cinematográfico; são eles Deadpool, de Tim Miller, e Logan, de James Mangold, filmes que buscam dialogar com um público mais adulto.
Ser um filme para “gente grande” não significa apenas afastar a leveza característica da Marvel, conter cenas de violência ou poder utilizar uma linguagem mais “suja”, mas sim conter em sua obra uma consciência do gênero que está inserido. Esses dois filmes afastam-se até mesmo de alguns filmes da DC, por exemplo, que mesmo tendo sua atmosfera sombria e alguma violência gráfica ainda está dentro de uma fórmula bem clara, pretendendo construir seu universo cinematográfico em primeiro lugar. Deadpool e Logan são exemplares por se afastarem dos esquemas, por possuírem no centro de sua narrativa uma ruptura com o que vem sendo feito. Por isso, ambos os títulos demonstram um amadurecimento dentro do gênero, seja ele através de um viés cômico ou de uma abordagem psicologicamente dramática.
Em Deadpool seu grande atrativo é uma auto ironia constante em relação aos filmes de super-heróis, jogando justamente com seus códigos e com os fatores que fazem sucesso nesse estilo. Provocativo, o filme contém um humor escrachado e coloca seu protagonista em situações nada dignas para um herói. Por muitas e muitas vezes, Deadpool afirma não ser um super-herói e o recado é justamente esse, nem sempre um filme desse gênero precisa seguir a risca o que está escrito num manual. Jocoso, o anti-herói interpretado por Ryan Reynolds abre novos precedentes ao gênero – não se levar a sério e ainda assim ser extremamente arejado, colocando a discussão entre Marvel e DC como apenas um rixa entre fórmulas bem parecidas. Deadpool oferece um novo caminho. Nada mais adulto e maduro do que rir de si mesmo.
Numa dinâmica completamente diferente de Deadpool, Logan é o filme que se afasta dos padrões para ser um filme sobre um personagem, buscando na figura icônica de Wolverine sua essência mais humana. O longa de Mangold tenta se despir dos purismos do gênero – ainda que contenha a ação, a aventura e as auto-referências – para chegar a certo psicologismo. Logan, que até pelo título revela esse objetivo, tem por fim se utilizar dos códigos e das fórmulas do gênero de super-heróis para encontrar a humanidade de sua narrativa, fazendo do filme um drama adulto sobre um homem e sua eterna missão, não sobre um herói e suas aventuras.
É muita significativo que em um momento de Logan há uma passagem de Os Brutos Também Amam, clássico dos anos 1950 de George Stevens, isso não diz muito apenas sobre a narrativa, mas também sobre o momento dos filmes de herói. O faroeste cinquentista representou ao seu gênero exatamente o que Logan propõem. Conforme o crítico André Bazin definiu, Brutos Também Amam era um metawestern, ou seja, um longa que não se valia por ser apenas um exemplar puro do faroeste, mas que se validava por possuir uma pretensa camada psicológica. O último longa de Hugh Jackman como Wolverine representa justamente esse momento, uma obra que almeja ir além, oferecer mais leituras que apenas a jornada de um super-herói combatendo ameaças externas, Logan inaugura um novo momento no gênero.
Os filmes de super-heróis superaram as dúvidas, consolidaram-se como um gênero, cresceram, estão mudando e começam a surgir as primeiras obras adultas desse novo momento. Como todo gênero cinematográfico, a exemplo do próprio faroeste que já teve sua fase áurea, os super-heróis passarão por mudanças, por reavaliações de seus códigos e surgirão novas pretensões em suas obras. Com suas particularidades, Deadpool e Logan inauguram, a sua maneira, uma nova fase para esse tipo de filme. A vida adulta enfim chega aos longas de super-heróis.