Tenho certeza que existe um público bem específico que se sente atraído pelo drama de A Casa das Flores, e este provavelmente deve continuar satisfeito com as reviravoltas e desventuras da família De la Mora nesta segunda temporada. Mas para aqueles que não conseguirem isentar a série de suas dispersões constantes, temo que a experiência seja bem mais maçante do que claramente se espera.
Não vejo definição melhor do que essa: A Casa das Flores é uma série quase funcional, sobre uma família cativantemente disfuncional. È inegável que a maioria dos personagens desta produção mexicana da Netflix é mais do que capaz de atrair a atenção do espectador, com personalidades gritantes, algumas interpretações excêntricas, e um roteiro que trata seus crescimentos de forma pouco comprometida, sempre prezando agradar o público com grandes alterações. E mesmo quando as tramas individuais não parecem ter uma relevância justificável, continua sendo, no mínimo, divertido acompanhar cada membro desta família.
Mal tal mérito acaba não tendo o mesmo impacto que poderia, em espectadores mais acostumados à tantas outras séries que giram em torno de famílias excêntricas. E o motivo é a aparente falta de equilíbrio de A Casa das Flores, que procura ser muitas coisas ao mesmo tempo, e falha em criar uma identidade sólida para seu estilo cômico. Às vezes, a série parece se dedicar a ser uma colagem de referências das típicas novelas mexicanas, cujos clichês e estereótipos também são bem conhecidos pelo público internacional. Logo depois, no entanto, temos sequências que parecem se levar a sério demais, e que visam construir uma atmosfera dramática incompatível com o tom satírico previamente assimilado.
Curiosamente, nem toda a emoção por aqui é constantemente elevada à enésima potência, o que impede a série de cair na caricatura absoluta. Mas nem por isso, temos poucos elementos caricatos em A Casa das Flores, com um dos exemplos que mais chama atenção sendo o casal de irmãos antagonistas que ficaram com a floricultura no final da última temporada. A caracterização de alguns personagens (como é o caso de Ana Paula) é tão exagerada que, apesar do potencial cômico ser devidamente explorado, torna-se destoante perto de cenas que exigem interpretações completamente diferentes do resto do elenco.
Acho que não é surpresa nenhuma que esta abordagem “blocada” de cenas com tons tão distintos, acabe lembrando a dinâmica de novelas brasileiras, também. Às vezes, parece que o problema desta produção mexicana é não saber se quer uma “novela das 7”, uma “novela das 9” ou a própria versão de Arrested Development, mas com uma narração tensa (e se esta indecisão não ilustra o quão confuso pode ser tentar analisar esta série, é melhor parar por aqui).
Mas mesmo que o espectador esteja plenamente disposto a transitar por tons e humores tão diferentes ao longo da temporada, ainda é preciso apontar um problema notavelmente incômodo deste segundo ano: A falta de urgência de uma trama geral. Com os primeiros episódios servindo para contextualizar a morte de Virginia (Verónica Castro), o resto da temporada deixou os personagens em posições de luto, lidando com um evento ocorrido fora das telas, ao invés de manter o foco nos esforços pela re-conquista da tão cobiçada floricultura da família. E sem um ritmo tão chamativo, acompanhar trama por trama de cada personagem logo se torna uma tarefa com altos e baixos.
A falta de Virginia com certeza é sentida por boa parte do público (talvez ainda mais no México, onde a atriz era um chamariz para a série), mas podemos dizer que, quando o foco de A Casa das Flores recai totalmente sobre a dinâmica entre os três irmãos, a saída da personagem já não soa mais tão fatal quanto poderia se esperar. Paulina (Cecilia Suárez) acaba tendo o maior destaque, e suas empreitadas com o cabaré são, provavelmente, o melhor exemplo do que a série aspira construir, unindo momentos cômicos de sobra, com um crescimento dramático e cheio de reviravoltas, e ainda incluindo elementos que ajudam a caracterizar a série como um todo.
Elena (Aislinn Derbez), felizmente, também não fica para trás. Mas no seu caso, é a personalidade da personagem que brilha acima de tudo, mesmo nos momentos em que sua trama envolvendo um romance com o padre hipócrita, parece perder fôlego. Se a série mantivesse um foco maior em explorar as personalidades dos irmãos, seu resultado provavelmente seria mais atraente para um público mais amplo. No entanto, a maneira como a série procura criar tramas cômicas mais absurdas como o culto de Ernesto (Arturo Ríos), ou preencher tempo de tela com Micaela (Alexa de Landa) tentando ganhar um concurso de talentos, acaba sendo desgastante demais para se tentar uma maratona, e não retém a atenção do espectador o suficiente para quando seus momentos mais engraçados tomam a frente.
A comédia de A Casa das Flores também acaba sofrendo pela abordagem confusa da série como um todo, não por conta do roteiro em si, mas pela direção dos episódios. Nota-se que muitas das situações soam mais eficientes na página do roteiro, do que na tela, e isso ocorre por conta de algumas faltas de evidências mais objetivas, que ajudariam a colocar as entregas de algumas piadas em destaque para o espectador (em séries de língua estrangeira, este aspecto torna-se ainda mais importante para um público que está preso a ler as piadas na legenda).
E tal qual aconteceu no fim da primeira temporada, o último episódio deste novo ano traz ganchos impactantes, capazes de deixar qualquer espectador (pode me incluir aqui) ansioso pelo retorno da série. No entanto, fico apreensivo desta vez, pois muito do que havia sido vislumbrado na última temporada não foi priorizado pelos roteiristas para esta continuação, deixando a sensação de que alguns elementos e possíveis tramas foram rapidamente repensados durante a renovação da série. Ainda assim, caso as propostas deste último episódio sejam mantidas para a terceira temporada, creio que a série não deve ter problemas em se manter relevante para o seu público cativo.
Se você está lendo este texto para saber se deveria conferir A Casa das Flores, eu sugiro que assista ao primeiro episódio, e confie em suas reações imediatas. Em momento algum, a série procura enganar os espectadores, ela apenas possui aspirações dispersas demais, e não dispõe do tato necessário para conseguir o melhor resultado de todas elas. Mas caso o primeiro episódio consiga chamar sua atenção, então provavelmente a experiência de acompanhar mais esta família problemática, será divertida o suficiente para preencher o fim de semana.