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A Maldição da Residência Hill | Crítica - 1ª Temporada

Mike Flanagan, diretor em ascendência no mercado de filmes de terror, assina a produção da mais nova série da Netflix, A Maldição da Residência HIll, que chega como uma grata surpresa a todos os espectadores que se dispuserem a acompanhar sua densa narrativa.

A Maldição da Residência HIll se apresenta como uma típica história de fantasma, narrando a vida de uma família que se muda para uma (inicialmente, genérica) casa amaldiçoada, e começa a experienciar eventos sobrenaturais. Décadas depois, os cinco filhos desta família vivem suas respectivas vidas, ainda atormentados pelas memórias aterrorizantes de quando estiveram na casa,quando são forçados a se reunir novamente, após uma tragédia que os faz encarar seus piores medos e arrependimentos.

Esta trama geral, no entanto, acaba constituindo muito pouco da narrativa, nestes dez longos episódios. Com um estrutura bem definida, a série prefere construir seus conflitos e resoluções com diferentes linhas do tempo e perspectivas que vão complementando a interpretação do espectador, ao longo do caminho. Esta abordagem é, sem sombra de dúvidas, sua maior distinção de outras produções semelhantes, além de ser muito bem executada, compondo as principais expressões e reflexões da série com notável sustância.

Originalmente nomeada “The Haunting of Hill House”, seu título poderia ser traduzido, também, como “A Assombração da Casa HIll”, e é no estudo do conceito de “assombração”, que a série encontra seus momentos mais memoráveis. Compondo suas diversas linhas narrativas, o roteiro dedica boa parte de seu tempo à construção de seus personagens principais, evidenciando suas visões particulares sobre o assombro que os acompanha, e revelando as principais falhas que os impedem de alcançar qualquer tipo de superação ou conciliação.

Os cinco primeiros episódios são, individualmente, dedicados a acompanhar cada um dos cinco irmãos em um mesmo período de tempo que compõe, essencialmente, o começo desta história. Se, por um lado, este lento desenvolvimento da trama geral pode acabar frustrando espectadores que estejam mais interessados no mistério em si, do que em seus personagens, por outro, acaba gerando aprofundamentos que exclusivamente enriquecem o peso dramático desta história, bem como evoluem estes personagens com grande foco na conquista da empatia do espectador.

Intercalar a narrativa entre as infâncias dos protagonistas e seus estados atuais, mostra-se, muitas vezes, uma escolha acertada para progredir as tramas da série, de acordo com as necessidades de um roteiro que procura ordenar estrategicamente suas linhas de pensamento, ao invés de expor sua história de forma mais pragmática. Ao revisitar sequências já vistas por outra perspectivas, a série complementa diferentes interpretações e tenta propor ganchos narrativos que conservem o engajamento do espectador, em meio as suas cenas mais demoradas.

Toda e qualquer produção de terror almeja provocar “medo” em seu público. Mas muitas delas se esquecem de que este sentimento, tão natural ao ser humano, não pode ser tratado como uma reação mecânica à qualquer elemento sobrenatural. “Medo” vem de dentro. Precisa ser gerado a partir de nossas próprias referências e realizações, e tudo que a obra pode fazer, é tentar nos colocar na posição ideal para que possamos experienciar parte do que é expresso por seus personagens. Ao focar na exuberante construção de cada protagonista, A Maldição da Residência HIll torna-se mais capacitada para transmitir o desespero e a insegurança que busca refletir sobre, além de conquistar uma relevância muito maior do que qualquer mera história de fantasma.

Visualmente, a série procura se adequar aos padrões melhores aceitos pelo público atual, utilizando-se de algumas soluções e abordagens que evocam o trabalho visto em produções de terror recentes dos estúdios Warner e Universal (Invocação do Mal, Sobrenatural ou Ouija 2: A Origem do Mal, do próprio Mike Flanagan). Percebe-se o apreço pelo equilíbrio entre uma atmosfera mais excêntrica e ambientes realistas, instigando o espectador ao mesmo tempo em que procura manter seus dramas sob uma ótica relacionável, universalmente compreensível. Tal trabalho visual complementa com louvor a narrativa, que também se propõe a integrar as tragédias pessoais de seus personagens em meio à sua dinâmica de suspense e intriga.

No que diz respeito à direção e fotografia da série, diversos detalhes que compõem cada cena poderiam ser alvos de elogios por aqui, trazendo, além de alguns divertidos complementos visuais, melhores contextualizações para as diferentes linhas temporais desta história. O maior elogio técnico, no entanto, não poderia deixar de ser dado à um mesmerizante “plano-sequência” (quando a câmera transita pela cena sem cortes aparentes) no sexto episódio, que deixaria muitas produções cinematográficas com inveja, por conta de sua complexa execução.

“Você precisa saber. O perdão é terno, como uma lágrima no rosto. Pense nisso, e em mim, quando sentir a chuva”.

As principais reflexões de A Maldição da Residência HIll estão sujeitas a diferentes interpretações, muitas delas apresentadas pelos próprios protagonistas, ao longo da trama. Mas, de maneira geral, giram em torno da realização de que nós, seres humanos, somos “assombrados” pelos traumas que moldam nossas personalidades, e por nossa eterna culpa auto-depreciativa. Ao final da série, a frase citada acima representa uma possível aceitação destes tormentos, propondo que os personagens abracem seus temores e defeitos como parte de quem são. Se o medo é interno, é só internamente que ele poderá ser confrontado e, eventualmente, compreendido.

A Maldição da Residência HIll pode tornar-se demasiadamente carregada para o espectador que não estiver disposto s prestar atenção em seus extensos diálogos e sequências expositivas. Sua estrutura, composta para avançar a trama de maneira cadenciada, em prol da evolução pessoal de seus personagens, acaba precisando de uma certa determinação do espectador para que possa ter todo o seu potencial narrativo totalmente aproveitado. Seus dez episódios podem ser melhor assimilados em porções menores, com mais tempo para o espectador se importar com cada desenvolvimento em particular, mas passam longe de apresentar tédio ou redundância.

Com apelos semelhantes às grandes produções de terror atuais do cinema, mas trazendo a disposição dramática vista em pequenas produções classificadas como “pós-terror” (como os aclamados “Hereditário” e “A Bruxa”), A Maldição da Residência HIll é um forte concorrente ao prêmio (imaginário) de melhor produção lançada pela Netflix em 2018.

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