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AJ and the Queen | Crítica - 1ª Temporada

A nova temporada de Drag Race pode ainda estar um pouco longe de estrear, mas os fãs de RuPaul e seu universo de drag queens tem muito o que aproveitar com a nova série da Netflix, AJ and the Queen. 

Caso você não esteja familiarizado com o império construído por RuPaul, vale a pena dar uma pesquisada para conferir o tamanho do legado que RuPaul´s Drag Race veio construindo durante esta última década. O reality show, que propõe exibir todos os aspectos necessários para ser a melhor drag queen de todas, abriu as portas para que o seu criador pudesse introduzir uma ampla audiência à esta forma de entretenimento que, por muito tempo, nunca havia saído de seus nichos bem específicos. 

Mas apesar de ampliar a audiência da franquia, a enorme maioria das produções que surgiram por conta do reality nunca se permitiram se distanciar muito além de Drag Race, seja com variações da competição, ou em cima das personalidades das participantes em seus próprios projetos (de talk-shows a documentários). AJ and the Queen, no entanto, sinaliza um passo importante para a expansão destas empreitadas de RuPaul, com a série utilizando este universo como cenário, porém dedicando-se a contar uma história inquestionavelmente mais abrangente. 

A série acompanha Robert “Ruby Red” (RuPaul), uma drag queen com já certa idade e fama moderada, que acaba sendo enganada por seu namorado quando este desaparece com todo o dinheiro que vinha sendo economizado para que pudessem abrir a própria boate. E como se não bastasse, o dinheiro que ainda sobrou para Robert, é roubado por um garoto que mora em seu prédio. 

Prestes a sair em turnê pelos EUA, Robert encontra o garoto escondido em seu trailer, e faz algumas descobertas importantes que alteram os rumos de sua viagem. O garoto, na verdade, é uma garota chamada AJ que está tentando ir para o Texas encontrar seu avô, depois que sua mãe viciada em drogas desapareceu na noite, e após terem sido despejadas de seu apartamento. Cria-se, portanto, uma situação onde temos dois personagens extremamente frustrados com suas circunstâncias, e que precisam desesperadamente de uma nova direção. 

RuPaul não costuma se aventurar por este lado de produções ficcionais, embora possua alguns papéis menores em seu currículo. Ainda assim, o ator, produtor e roteirista deixa transparecer sua dedicação ao personagem, integrando (é claro) suas próprias experiências à trajetória de Robert, assim como proporciona toda a presença necessária para Ruby Red. No entanto, quem realmente surpreende é a jovem Izzy G no papel de AJ, com a atriz ficando responsável por um papel, no mínimo, notavelmente exigente.

A jovem personagem toma conta de vários aspectos emocionais da temporada, talvez mais do que o próprio Robert e suas frustrações, com AJ precisando gerar a empatia necessária no espectador, enquanto também se mantém antipática com sua personalidade destrutiva. De uma cena à outra, a atriz protagoniza alívios cômicos e momentos dramáticos intensos com bons resultados em ambos os lados, e sua performance surpreenderá o público que encontrar a série na Netflix como recomendação de um reality show descontraído. 

Já era mais do que esperado que uma série como esta, sob o comando de RuPaul, trouxesse um retrato envolvente e diversificado do universo de drag queens nos EUA, atualmente. Fãs de suas outras produções encontrarão elementos de sobra para se apegarem ou se identificarem, incluindo diversas participações de competidoras de Drag Race, e até uma situação onde o protagonista participa de uma “lip sync battle” contra uma rival. 

Mas AJ and the Queen passa por estes cenários e elementos com total naturalidade, enquanto concentra esforços na sua construção de um típico “road movie”, o tipo de filme onde os personagens “caem na estrada” em direção a um destino específico, e acabam evoluindo ou se redescobrindo ao longo do caminho. São várias, as referências que poderiam ser apontadas por aqui, e a dinâmica entre Robert e AJ é reminiscente de diversas duplas de personagens que protagonizam este tipo de história. Há comédia de sobra, mas também há um crescimento palpável na relação entre os dois, o que torna a história mais envolvente e gratificante para o espectador. 

No entanto, existem dois problemas que impedem a série de alcançar todo o potencial de sua proposta. Ainda que o resultado final seja suficiente para engajar um público bem amplo e variado, nota-se que a fórmula dos episódios e a trajetória estabelecida para os protagonistas, são elementos normalmente construídos em torno de uma duração menor, com menos ambições dramáticas tão alongadas. AJ and the Queen não procura pontuar seus arcos e viradas dramáticas, mas sim aprofundá-los, o que acaba gerando um certo desequilíbrio tonal durante episódios relativamente longos. 

E outro aspecto que limita o impacto desta primeira temporada, é a falta de distinção na parte técnica da série, tanto com sua fotografia (suponho que propositalmente) antiquada, em certos momentos, quanto na direção dos episódios. O visual de AJ and the Queen sai perdendo em comparação à diversas outras produções da Netflix, com seus longos episódios sofrendo pela falta de um orçamento que pudesse preenchê-los com sequências mais elaboradas. 

E com uma jornada tão longa, além de emotiva, e com o crescimento dos personagens se tornando cada vez mais envolvente, me surpreendi com a decisão da série de manter o seu final relativamente aberto, nesta primeira temporada. A reviravolta final, por mais previsível que seja, criava a circunstância perfeita para que encerraremos estes arcos narrativos com mais objetividade. Mas ao invés disso, temos algumas portas um tanto abertas demais para o retorno da série, o que tira um pouco da gratificação de ter acompanhado toda esta viagem. 

Ainda assim, AJ and the Queen concretiza a capacidade de RuPaul de expandir o apelo de suas franquias e marcas para um público que não é, necessariamente, o alvo de Drag Race, e apresenta personagens cujas construções são divertidas, emocionantes e fáceis de se relacionar. Com mais temporadas, um aumento na ambição visual da série, e ainda mais material para RuPaul e Izzy G continuarem evoluindo a dinâmica destes personagens, é possível que a série ainda tenha um caminho produtivo pela frente.  

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