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Apocalipse V | Crítica - 1ª Temporada

Não se deixe levar pela imagem destacada acima. Sim, a foto fica entre algo assustador e feio, mas também pode ser vista como algo ridículo e ‘trash’. É ambas. Mas, como diz o velho ditado, ‘é algo muito além do que os olhos podem ver’. E, é mesmo.

No fraquinho Capitão América: O Primeiro Vingador (2011), o personagem-título dotado de uma super força, diz a seguinte frase – “guerras se lutam com armas, mas são vencidas com homens”. O discurso de bravura tem lá suas verdades, porém, é deveras contraditório, já que também estas guerras são criadas e estabelecidas pelo homem. Claro, que não é preciso ficar lembrando com detalhes que o homem que faz a guerra, não costuma ser o mesmo que pisa nos frontes e campos de batalha. Reis e líderes são normalmente os responsáveis por assinar o contrato da morte nestes casos. Aí entra o mérito da pretensiosa e agradável série Apocalipse V, uma produção original da Netflix.

Uma pena que resolveram traduzir o nome desta série para Apocalipse V, dando uma ideia de epidemia, devastação, infestação, e coisas do tipo. No original, seu título é V Wars – no traduzido, Guerras V – , passando mais uma ideia de conflito, lutas, batalhas. E, é exatamente isto o que vemos. De um lado, os seres humanos, e do outro, humanos com habilidades melhoradas, porém sedentos por sangue humano para manter tal força e aptidões em seus corpos, ou seja, vampiros. A letra ‘v’ no título se refere a estes seres capazes de feitos incríveis, ao mesmo que assombrosos e brutalmente violentos.

A produção dos criadores William Laurin e Glenn Davis, que é baseada em uma série de quadrinhos escrita por Jonathan Maberry, nos apresenta a história do cientista Dr. Luther Swann (Ian Somerhalder) e seu melhor amigo Michael Fayne (Adrian Holmes) enquanto se deparam com uma crise em ascensão, iniciada por uma substância mortal que fracionou a sociedade em facções opostas, que podem potencialmente escalar para uma guerra entre humanos e vampiros.

Normalmente, quando se comenta algo como – “Ah, esse diretor(a) foi muito pretensioso(a) neste filme. Que negócio mais nada a ver!” – , pontuamos que determinado cineasta passou do ponto, ou exagerou na dose ao traduzir sua narrativa. E sim, muitas vezes isso acontece mesmo. Todavia, existem dois casos distintos quando isso ocorre, e nestes podemos perceber a diferença de tom usada por estes cineastas.

Para exemplificar tal ponto, dois exemplos:

Em 2017, o autor de cinema Darren Aronofsky lançou um de seus mais controversos projetos, o terror psicológico mãe! (assim, sem letra maiúscula mesmo). Uma obra que trabalha por duas vias, pela natureza (mulher) e Deus (homem). E, nesse meio, Aronofsky quis comentar variados assuntos, que vão: da diferença entre os sexos, a criação do nosso mundo, passagens da Bíblia Sagrada (do Gênesis ao Apocalipse), além de um comentário firme sobre o aquecimento global. Mais do que uma enxurrada de comentários negativos, algumas sessões do filme tinham espasmos de risos vindo dos espectadores, que não conseguiam se manter diante tamanho conceito exorbitante. Mesmo a elevação do feminino em mãe! é apenas, e exclusivamente, fetichista.

Agora, neste ano, tivemos o terror folclórico Midsommar: O Mal Não Espera a Noite de Ari Aster. Na obra de horror, em sua maior parte, sob a luz do sol, encontramos uma proposta mais modesta, em visto que acompanhamos um casal de namorados que não tem mais uma boa relação entre si, porém teimam em continuar juntos, e em uma viagem para os campos suecos se deparam com um culto desconhecido que irá colocar este relacionamento em cheque. Aster compõe uma obra vibrante, e visualmente ostensiva, envolvendo danças e rituais pagãos para mostrar o alívio de sair de uma relação tóxica. E, o cineasta faz isso com uma sacada anti-Lars von Trier que vai levar o público nas poltronas do cinema ao riso incontrolável.

Situações similares, não? Definitivamente. Contudo, não poderiam ser mais diferentes em sua forma.

Enquanto Aronofsky busca uma reflexão profunda sobre a humanidade de maneira atabalhoada, que causa certo humor involuntário; Aster força e evoca a comédia diante do absurdo que testemunham os olhos e outros sentidos, mirando o entretenimento e regozijo fácil, como fazem os melhores projetos de Quentin Tarantino.

Apocalipse V da Netflix flerta com o ridículo por opção, enquanto tenta discutir com maturidade, a lacuna existente em nossa sociedade.

Os momentos ‘kitsch’ – mau gosto no âmbito estético, apelo ao gosto popular – são fáceis de notar, sejam pelos ataques súbitos dos vampiros sedentos de sangue, suas caretas monstruosas, mas principalmente, pela canastrice de seu protagonista, interpretado por Ian Somerhalder, que nesta série assume várias funções: ator, diretor, além de ser um dos produtores executivos.

O galã que ficou mundialmente famoso pela série teen sobrenatural The Vampire Diaries (sempre no mundo dos vampiros!), tem o melhor dos dois lados em Apocalipse V. Uma vez que, encena situações vividamente tensas, ao passo que escorrega na galhofa com suas expressões faciais. Assim, pode ser levado a sério, mas nem tanto. Confuso, não? Mas estranhamente, funciona.

E, tal êxito só ocorre devido um ótimo contraponto na série da dupla Laurin/Davis. Adrian Holmes, que faz o papel do líder do movimento dos vampiros, apresenta uma performance extraordinária, ainda mais se pensarmos no tipo de material e texto abordados nesta produção original Netflix.

Apocalipse V acerta ao espalhar deflexões por toda a trama, visto que temos personagens que lembram um dos vampiros mais celebrados da literatura, no caso, Lestat, que foi criado pela escritora Anne Rice, e encontrado nas Crônicas Vampirescas, que foram matéria-prima de filmes, como: o sensual Entrevista com o Vampiro, e o estrambólico A Rainha dos Condenados.

O isolamento físico de Mila Dubov (Laura Vandervoort), e a solidão filosófica de Michael Fayne são atributos que contribuem no engajamento da série, que nesta primeira temporada ronda questões sociais e políticas mais do que a ação.

Mas, pela cena final de Apocalipse V, conclui-se que vem uma segunda temporada por aí! E, seja de forma mais severa ou apelativa, certamente, iremos acompanhar a progressão destas personagens que tem a sensatez de perceber que o jogo muda ao longo dos dias. Talvez, na próxima, teremos menos diplomacia, e mais o que o título original da série Netflix propõe.

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