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Carmen Sandiego | Crítica - 1ª Temporada

Sem esquecer o quão fiel pode ser o seu público infantil, a Netflix resolveu produzir uma nova versão da personagem Carmen Sandiego (Gina Rodriguez), alterando alguns pontos da história para torná-la ainda mais engajante e produtiva, e tudo indica que esta primeira temporada pode ser apenas o começo de um ressurgimento da franquia.

Com apenas nove episódios de curta duração, a nova série de Carmen Sandiego aproveita parte do universo estabelecido da personagem, mas altera alguns pontos de sua construção para posicioná-la como uma protagonista mais carismática e adorável do que na sua versão original. Os dois primeiros episódios da temporada são dedicados a expor sua história de origem, explicando como Carmen foi encontrada, ainda bebê, por uma agência de super-vilões chamada VILE (Originalmente, a personagem era encontrada pela agência de mocinhos, a ACME, e após se entediar com os casos da ACME, decide criar sua própria organização vilanesca).

Esta história de origem também serve para estabelecer as dinâmicas de personagens e tramas paralelas que são exploradas ao longo da temporada. Com exceção do último episódio, cada capítulo é contido, focado em uma missão específica com uma estrutura narrativa padrão, sempre voltada para a representação educativa de algum lugar específico do mundo. A série consegue equilibrar muito bem a devida exploração de seu universo e as missões procedurais de cada episódio, re-inserindo os diferentes antagonistas apresentados na história de origem de forma cadenciada.

Além de suas habilidades impressionantes como uma ladra internacional, Carmen Sandiego também conta com a ajuda de seus aliados juvenis. Os irmãos Zack (Michael Hawley) and Ivy (Abby Trott), se bem me recordo, eram os protagonistas da série animada dos anos 90, e tentavam impedir os roubos de Carmen Sandiego perseguindo a ladra pelo mundo. Por aqui, se tornaram parceiros desta protagonista cuja bússola moral é bem mais ajustada do que no passado, e servem como alívios cômicos para o público infantil.

Além dos irmãos, também temos o retorno do personagem “Player” (ou “jogador”) (Finn Wolfhard). A franquia Carmen Sandiego começou com o intuito de produzir jogos eletrônicos acessíveis para que o público infantil pudesse aprender geografia (e outras matérias, anos depois) de uma forma divertida. Os elementos de videogame foram, eventualmente, sendo transportados para o formato televisivo, e continuam tendo um destaque relevante nesta nova versão. O jovem “Player” serve como um hacker/assistente para as empreitadas da protagonista, e costuma ser o personagem que traz os momentos de “exposição educativa” de cada episódio.

Os elementos de videogame são utilizados de forma mais orgânica do que eram no passado. Alguns paralelos identificáveis entre as mídias incluem a progressão de “fases”, as caracterizações e funções dos antagonistas, e a dinâmica entre Carmen e seus aliados. Considerando o quão consistente parece ser a fórmula da série, além desta mecânica de sua narrativa, não acho difícil que a Netflix, eventualmente, implemente alguma variação do “modelo de escolhas” que vimos em Black Mirror: Bandersnatch, ou na outra série infantil do Gato de Botas que também está na plataforma.

É importante ressaltar que Carmen Sandiego é uma série pensada para um público propriamente infantil. Isso não significa que outras faixas etárias não vão conseguir tirar muito proveito da produção, mas a simplicidade das tramas, e do próprio “design” dos personagens, evidencia este direcionamento para crianças mais novas. A série preza suas funções educativas e procura adequá-las em meio à aventura com eficiência.

É interessante notar como os diálogos expositivos entre Carmen e o “Player”, sempre repletos de informações sobre o local ou a cultura representada no episódio, são tratados de forma casual e espontânea. Ambos são personagens definidos por suas capacidades, suas inteligências, e o fato de saberem tantas informações não é visto como algo maçante, mas sim como parte de suas habilidades. Esta abordagem é, talvez, o fator mais admirável da série, que consegue transmitir a idéia de acumular conhecimentos variados além do ensino tradicional, como sendo algo excitante para as crianças.

No entanto, já citei em outras críticas sobre séries animadas, uma preocupação com o espaço da animação 2D no cenário televisivo atual. O público infantil de hoje em dia não parece mais interessado em animações 2D, considerando-as simples demais perto de produções que usam modelos 3D. Carmen Sandiego é majoritariamente 2D, incrementando alguns elementos de iluminação ou filtros de imagem 3D (Além de algumas sequências de ação), e embora as composições da série sejam dignas de nota em vários momentos (ainda mais considerando as diferentes representações geográficas), não há nada muito deslumbrante que vá chamar a atenção dos espectadores aficionados pelas séries infantis da Dreamworks, por exemplo.

Ainda assim, o universo reformado pela nova série apresenta um grande potencial para ser explorado, até mesmo, em outras mídias. Os diferentes antagonistas (com suas personalidades peculiares) e os cenários variados são cativantes o suficiente para estimular a imaginação do espectador, e demonstram a eficiência desta fórmula para se desenvolver novos personagens e novos roubos mirabolantes sem muitos problemas.

Fãs da franquia Harry Potter devem ter um sentimento de familiaridade com as revelações do último episódio, que abrem espaço para uma segunda temporada com tramas igualmente envolventes à desta. A temporada serviu para estabelecer a protagonista e expor a sua construção atual (mais condizente com a proposta desta nova série), mas ainda deixou algumas pontas soltas à serem exploradas nos episódios futuros, principalmente em relação às verdadeiras origens da personagem. Carmen Sandiego é uma série perfeita para a Netflix conquistar o público infantil de forma relevante e produtiva, e mesmo que sua mitologia e suas mecânicas pudessem ser exploradas com ainda mais eficiência para um público mais amplo, este é um primeiro passo que faz jus à influência da franquia.

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