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Crítica | 3% - Segunda Temporada

A primeira temporada de 3% chegou ao streaming da Netflix num momento bastante propício para a identidade distópica da série, tendo em vista que franquias voltadas quase que exclusivamente para o público adolescente tais como Jogos Vorazes ou Divergente abocanhavam os cinemas com suas realidades futuristas onde nosso mundo se encontraria em realidades socialmente degradantes e governado por poderosos cujo governo ressaltariam as diferenças sociais entre a humanidade. Visto que o piloto original do YouTube de onde a série se iniciou havia feito sucesso na web, explorar aquela ideia em episódios de duração generosa parecia uma ideia imperdível.

O tiro saiu em direções opostas. A primeira temporada de 3% foi recebida com bastante recusa pelo público brasileiro, em especial por sua precariedade técnica e atuações no nível do amadorismo, além de todos os elementos “emprestados” das franquias já mencionadas sem muita sutileza. Mas nas terras de fora, o show de Pedro Aguilera se tornou um dos mais assistidos no catálogo da gigante do streaming, o que parece ter sido suficiente para que seu segundo ano fosse produzido e chegasse ao público nesta sexta, dia 27.

De qualquer forma, não há como negar a ambição de 3% em trazer ao público esta abordagem para nossas produções audiovisuais que, convenhamos, pouco fazem questão de abraçar a grandiosidade característica do que conhecemos como hollywoodiano. Neste futuro distópico, somos divididos entre o Continente, um lugar pobre e miserável onde a população sobrevive em meio a escassez de recursos naturais, e o Maralto, um lugar abundante, frutífero e convidativo, que anualmente abre a oportunidade para 3% da população possa viver no Maralto, desde que passem por provas de teste físico e moral, muitas vezes manipuladas pelo presidente do Processo (como são chamadas as provas), Miguel (João Miguel).

Com um orçamento visivelmente mais generoso em relação ao seu primeiro ano (reparem nas tomadas aéreas, por exemplo), a segunda temporada de 3% representa um visível avanço em relação a sua própria trama quando abandona o segmento dos jogos e dá início a sua narrativa semanas antes da nova edição do Processo, focando aqui na Causa, uma união rebelde cujo objetivo é derrubar o Maralto e a realização do Processo, nem que para isso seja preciso sacrificar vidas de sua própria organização. Grande parte das iniciativas da Causa é o que movimenta a segunda temporada, e neste caso é, chamativo as posições que o roteiro concede para a ambiciosa Joana (Vaneza Oliveira) e o cadeirante Fernando (Michel Gomes), ambos pouco interessados no Processo e mais preocupados em fugir do maniqueísmo evidente que é ser levado para o Maralto.

Paralelamente, Michele (Bianca Comparato) segue sua vivência no Maralto sem abandonar a busca por seu irmão, que misteriosamente, é aprofundada de maneira rasa mesmo após a descoberta de seu paradeiro. O roteiro compensa com uma nova interação entre Michele e Miguel, que dando segmento ao seu passado familiar que havia sido explorado na temporada anterior, nos dá novos motivos para compreendermos sua posição na trama e, mais ainda, descobrirmos que o próprio presidente do Processo carrega suas próprias motivações para derrubar aquele sistema, o que torna ainda mais lamentável sua saída tão prematura da série, numa tentativa dos roteiristas em causa alguma surpresa ao sacrificar um personagem de presença tão forte.

A cereja do bolo desta temporada, entretanto, está nas descobertas que o roteiro desnuda sobre o Casal Fundador que, como ficamos sabendo, na verdade se tratava de um trio que mantinha uma relação poligâmica. Ao revelar gradativamente sobre a relação e as motivações do “trio fundador” e o porquê da humanidade apenas conhecê-los como um casal (prestem atenção na narrativa em três tempos do penúltimo episódio, um primor de edição), a segunda temporada investe num sentimento mais instigante e menos circular em relação ao primeiro ano, especialmente quando outros personagens que jamais imaginaríamos fazer parte deste quadro se revelam tão dúbios quanto qualquer outro.

A segunda temporada igualmente ressalta, e de forma ainda pouco sutil, as críticas sociais e religiosas que aquela realidade oferecem para serem trabalhadas, por mais que poucas dessas análises sejam levadas à frente, como o pai de Miguel, um pastor que através de sua palavra, cria induções e manipulações que pouco diferem do próprio método do Maralto. E por mais que outras subtramas se encontrem pouco justificadas com o tempo que se fazem presentes em cena (o conflito de Rafael com o roubo da identidade de seu irmão, por exemplo, poderia ter tornado o personagem menos deslocado, se melhor explorado), as pontas em aberto deixadas pelo finale (como a ideia de Michele em criar um lugar paralelo ao Continente e ao Maralto) são empolgantes e promissoras o suficiente para que a série mantenha sua catarse com o que aquele mundo possui a oferecer. Por mais que ainda carregue seus problemas e superficialidades, 3% segue no caminho ideal para que sua proposta e ambientação mantenham o interesse por aquela realidade distópica que, após um primeiro ano problemático, parece finalmente estar encontrando seu tom.

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