Vez ou outra escutamos por aí alguém dizer que fulano(a) ou sicrano(a) é uma pessoa polêmica!
Engraçado que em boa parte dos casos, vemos as pessoas usar tal expressão sem realmente saber o que significa, em vista que estabelecer uma polêmica, diretamente indica uma discussão, um debate de ideias sobre aquele assunto ou tema expressado naquele momento.
Geralmente usam tal adjetivo de maneira equivocada para apontar alguém que diz coisas ousadas, provocativas, tudo aquilo que não deveria ser dito, sabem?!
Certamente já ouvimos alguns falarem que o comediante inglês Ricky Gervais é um cara bem polêmico! Algo que ele só conseguiu como criador e estrela principal da série britânica estilo mockumentary The Office, que depois ganhou uma versão americana protagonizada pelo sempre competente Steve Carell.
Na realidade, Ricky Gervais é mais um contestador reclamão!
Mas um daqueles muito bons, que desafiam alguns padrões questionáveis, enquanto se relacionam com o pior ou mais mesquinho em cada um de nós, que almejamos dizer o que se passa em nossas cabeças sem pensar nas consequências de tudo isso.
Apesar de algumas qualidades inquestionáveis de Gervais, já ficou mais que claro que à parte a série The Office, não existe meio termo na narrativa cômica do provocador britânico de 60 anos de idade, ou seja, ele salta de um extremo para o outro sem transitar pelos entremeios, algo que ele repetiu na temporada final da comovente, mas hermeticamente estruturada After Life – Vocês vão ter de me engolir, que já se encontra disponível na plataforma Netflix.
Situado na cidade fictícia de Tambury, After Life segue o jornalista Tony Johnson (Ricky Gervais), cuja vida virou de cabeça para baixo depois que sua esposa morreu de câncer de mama. Ele pensou em suicídio, mas decidiu passar a vida punindo o mundo pela morte de sua esposa, dizendo e fazendo o que quiser, independentemente de como isso faz as outras pessoas se sentirem. Embora ele pense nisso como seu “superpoder”, seu objetivo é prejudicado quando todos ao seu redor sentem pena dele e tentam ajudá-lo a ser uma pessoa melhor.
O melhor e o pior de Ricky Gervais
Curioso como After Life da Netflix conseguiu com assombrosa clareza denotar as maiores qualidades das deficiências no comediante inglês!
É bem prático para qualquer um perceber: na parte cômica rude, vai super bem; já quando exprime momentos reflexivos em tantas cenas, podemos captar as dificuldades dele em trabalhar as nuances do luto que sempre lhe acompanha.
Tanto o texto quanto a direção de After Life têm a assinatura de Gervais, que escalou a si mesmo para o papel principal. Talvez algum outro ator mais bem treinado nas artes cênicas, poderia ter encontrado alguma brecha no roteiro esquematizado, trazendo elementos que fizeram falta pela linha narrativa de After Life, que colocou um ponto final nesta terceira e última temporada.
Mesmo alguns personagens coadjuvantes contribuem pouco nesse quesito, também limitados pelas ações e palavras que estabeleceram um ambiente restrito na abordagem de nossos sentimentos de tristeza. Só Kath (Diane Morgan) e Pat (Joe Wilkinson) conseguiram furar essa barreira e entregar algo mais substancioso para os assinantes da Netflix.
Didático e manipulativo
O último episódio da temporada, assim como da série After Life, define bem o porquê do material desenvolvido por Ricky Gervais ter ficado tão abaixo do mínimo esperado na busca de absorvermos qualquer reflexão lógica ou emocional, exprimidas através das palavras, gestos e atitudes de tantos personagens que englobam as dores da perda.
Sim, ainda é possível se emocionar em algumas cenas dessa produção original da Netflix, especialmente aquelas que destacam os flashbacks de Lisa, interpretada pela solar Kerry Godliman, que facilmente alcança o público na entrega de uma personagem cheia, mas disposta em revelar suas vulnerabilidades.
Contudo, o que mais ficou da temporada final, como da série em geral, é a estrutura repetitiva que foi caducando o material em questão, tornando o que era natural em didatismo e manipulação.
E quando isso acontece, infelizmente, nos sentimos mais enganados do que atraídos ou comovidos com os acontecimentos que avançam essa história.
Podemos dizer que After Life em seus piores momentos lembra um tanto alguns trabalhos do cineasta Tom Shadyac (Patch Adams – O Amor É Contagioso; O Mistério da Libélula; A Volta do Todo Poderoso), que tentava arrancar lágrimas do público sem qualquer vergonha de pegar pesado em vários momentos.
Um exemplo óbvio disso acontece na cena final quando vemos Tony em uma feira ao ar livre, rodeado de pessoas se divertindo, ao mesmo tempo que toca a belíssima canção “Both Sides Now” da magnífica Joni Mitchell, que expõe uma narrativa de alguém que viu o melhor e o mais difícil dos dias, algo que remete claramente ao protagonista dessa história.
Todavia, pular de um polo para outro, sem atravessar pelo centro onde se encontram nossas maiores tristezas, representa o mesmo que não conhecê-las.