Os faroestes são marcados quase que exclusivamente por tramas envoltas de vingança, sangue e considerações sobre a sociedade, a fortuna e claro, o orgulho dos homens com pistolas e rifles empunhados ao desfilarem seus cavalos por desertos e cidades barrentas com salões e prostíbulos. Godless, nova série original da Netflix possui todas essas características e, ao mesmo tempo, apresenta narrativas e quebra de arquétipos de personagens, possibilitando uma nova perspectiva sobre produções desse gênero, seja em filme ou seriado. Independente da mídia, o conteúdo se provou mais uma vez expansivo e moldável, harmonizando atenuações constantes sobre o que é certo, errado e contextualizar as moralidades em elementos criados de maneira coerente e sustentáveis ao decorrer da produção.
Godless é criada, escrita e dirigida por Scott Frank, que escreveu roteiros de vários filmes de Hollywood, como Minority Report, Marley & Eu, A Intérprete e Wolverine: Imortal. Em resumo, sua carreira apresenta altos e baixos, possuindo bons trabalhos e alguns nem tanto, talvez por uma falta de argumentação mais clara e visível. E essa irregularidade é também percebida ao longo de Godless, onde a história se baseia em um núcleo narrativo central simples: O fora-da-lei e vigilante Frank Griffin (Jeff Daniels) está caçando Roy Goode (Jack O’Connell), seu antigo parceiro que acabou virando seu inimigo após abandonar o grupo e sabotar os planos de Frank,
Como foi descrito, é a utilização de um elemento comum em filmes e outras produções de faroeste. A vingança, a caça e o significado de honra. Pontos chaves que são fortalecidos por outras adjacências narrativas. Uma delas, a mais forte, é a história por trás da cidade principal da série, La Belle. Antigo ponto mineiro, agora é residido basicamente por mulheres, que tiveram seus maridos e parentes mortos após um grande incêndio na mina. Uma adição que em primeiro plano é criativa, mas que poderia soar oportunista e desperdiçada caso não fosse bem executada e estruturada. Porém, é a força da série, um motor que direciona as outras sub-tramas a sua relevância para a história principal.
Na cidade de La Belle, vivem as mulheres donas dos prostíbulos, das escolas, das bibliotecas e pequenos ranchos. Constroem, produzem, garantem o bom funcionamento da pequena cidade. Mesmo após a chegada de Roy, que é aprisionado pelo xerife Bill McNue (Scoot McNairy), após ser atingido por Alice Fletcher (Michelle Dockery), que é tida como persona non-grata na cidade após uma série de eventos, mas também por ter sido casada com um índio-nativo e tido um filho, que agora moram juntos com a avó, também indígena. Em contestação, a história envolver os personagens indígenas apresenta sentido quando narra as diferenças culturais e espirituais deles dos homens brancos, mas não possibilita uma observação para além desses critérios, o que aparentemente não pareceu ser o foco. Mesmo que não tenha sido, as intenções poderiam ter sido imposta de maneira mais inteligente, até mesmo sutil.
Entretanto, as mulheres da cidade de La Belle são o sentido mais puro e vivo da série. Através dela se vê não somente a manifestação da cidade como uma só, se identificando como poderosa, intensa. E dentro dessa criação própria, as artistas independentes passam o dia remanejando suas próprias histórias de passagem de luto, solidão, amor e sua participação no crescimento e prosperidade de sua terra. Terra, que como elas, são trincheiras compostas por guerrilheiras, dispostas a manter um convívio pacífico, mesmo que mínimo.
E das mulheres, o destaque além de Alice, é a irmã de Bill, Mary-Agnes McNue (Merritt Wever). Após a morte de seu marido no incidente da mina, se distanciou do destino de quase todas as outras mulheres. Se vestiu com roupas de seu marido, incorporou um porte mais robusto e masculino e assimilou que não se renderia ao que o destino simplesmente ordenou que fosse. Fez o seu próprio e assim, se tornou uma das melhores personagens da série. Não só pelo contrabalanço das personagens, mas por todo fortalecimento que lhe fora regido ao longo dos 7 episódios. Sendo a voz, sendo a líder, sendo quem acredita ser e pelo que a cidade pediu dela.
Mesclando as tramas e ambientações, a série foca no passado de Roy e na relação que teve durante infância, adolescência, até se tornar um jovem adulto. De fato, a relação é a motivação da vingança de Frank. Cristão e espalhador da palavra, Frank considerava Roy como irmão. Ao ver sua traição, interpretou como um pecado que merece punição a quem o guardou e ao próprio desertor.
Godless é apresentada não somente como uma proposta diferente de faroeste, gênero revitalizado por produções recentes. Mas como uma homenagem e prestação de serviços a uma maneira mais crua, violenta e atenuante de manifestar pequenas e grandes histórias inseridas dentro de similares motivações.
De fato, Godless é um interessante projeto da Netflix, não somente nos quesitos técnicos como direção, fotografia e montagem. O investimento feito pela empresa no que tange à escrita narrativa e à melhor estruturação narrativa de suas várias produções. É um conteúdo original criativo e que nutre aspectos de homenagens e utilizações de tópicos já feitos pelo gênero abordado em Godless, sem generalizar na fórmula. No entanto, em Godless pareceu que a opção mais viável foi justamente montar um cenário típico, mas sem firmá-lo como uma produção atrativa a todo momento.
O formato de sete episódios, onde os quatro primeiros possuem mais de uma hora de duração, apresentam exaustão e não em alguns momentos, não consegue fazer uma ligação entre o elo narrativo contado anteriormente. O personagem falado antes de uma nova sequência demora para retornar, sendo esquecido nesses pontos, em que ao voltar, surge em um momento onde não há coesão.
Acreditando em inovação e caracterizações interessantes, ao lado de atuações boas de Daniels, Merrit e Michelle, Godless funciona como uma trama chamativa por conta de seus pontos narrativos originais. No entanto, falha ao transpor esse cenário novo aos conceitos padronizado do gênero e do formato.