Lembram-se em 2014 quando lançaram o reboot Godzilla, dirigido por Gareth Edwards que, até aquele momento, era o 30º filme produzido sobre o mitológico dinossauro/lagarto gigante, e o primeiro longa feito para o MonsterVerse da Legendary?!
Lembram-se do que comentaram na época?
De modo geral, diziam que a produção daquele ano era um filme muito bom de monstros… só que o grandão só apareceu em cena, aproximadamente, por 11 minutos!
Alguém pode argumentar que o que importa é a qualidade, e não a quantidade. Alegação justíssima!
Contudo, lembremos quais eram os outros elementos essenciais daquela obra de Gareth Edwards: roteiro e atuações do elenco.
A guia narrativa do filme de 2014 era direta ao ponto, sem qualquer rodeio, tanto na parte emocional das personagens, quanto qualquer elemento histórico ou mitológico relacionado ao monstrão lenda da cultura japonesa. Nada de errado, apenas o básico do básico.
Agora, quando entramos no quesito performances no elenco, o negócio fica bem mais triste. À parte Bryan Cranston, que parecia o único ser vivo de toda a projeção, todo o restante do elenco, que tinha nomes de calibre como Aaron Taylor-Johnson, Elizabeth Olsen, Ken Watanabe e Sally Hawkins estava no piloto automático, quando não inteiramente inanimado.
Outro poderá dizer que o importante em filmes de monstros são os próprios, e não os humanos. Tal argumento serviria, caso não tivéssemos uma obra de 123 minutos de duração (com os elementos modestos dispostos), onde o astro do show faz uma pontinha de quase 11 minutinhos, apenas!
E, se for preciso mais um argumento sólido, lembrem-se que a magnitude do Godzilla, só existe por conta da perplexidade, medo, encantamento e incompreensão do que a visão humana testemunha ver. É por via deste elemento que temos uma figura inigualável aos olhos. Se não houver isso, tudo o que sobra é uma obra que serve para, exclusivamente, satisfazer nossos fetiches visuais de assistir nosso bichinho favorito na tela grande.
Vale pontuar que o segundo filme de Godzilla da série MonsterVerse intitulado Godzilla 2: Rei dos Monstros (2019) de Michael Dougherty faz façanha piorada, cometendo os mesmos erros em produção visual monocromática que cansa a vista por tons ‘smurféticos’.
Tudo isso para anunciar que Godzilla Ponto Singular, anime japonês de produção original Netflix, felizmente faz o contrário dos filmes live-action lançados nos últimos anos, e entrega maior complexidade ao tratar o dino-lagartão e outras arestas. Mesmo ampliando demais em alguns aspectos.
Em Godzilla Ponto Singular testemunhamos a junção da estudante Mei Kamino e o engenheiro Yun Arikawa, que se aproximam pela descoberta de uma canção misteriosa, que irá levar ambos à frente de uma batalha colossal contra forças inimagináveis que podem trazer desgraças para o mundo.
Linguagem narrativa
É sabido que em narrativas de anime, normalmente, a criatividade rola solta, assim, temos uma expansão desenfreada em muitos casos, como acontece nesta produção original Netflix escrita por Toh EnJoe.
Notável que Godzilla Ponto Singular não se acanha nem um pouco em sua trama, que para começo de conversa, não se resume ao território nipônico, de modo que todas as ameaças vistas acontecem em escala global. Porém, são nos detalhes mais complexos que esta produção ganha o interesse do assinante.
Temos de ondas de rádio propagando uma misteriosa música indiana na região de Chiba, no Japão; milhares de kaijus do tipo Rodan, que é uma espécie de pterossauro; leis da física avançada sobre a luz no tempo e espaço; nuvens do que chamam de Poeira Vermelha que está assolando o planeta Terra junto da invasão kaiju, obrigando humanos a usarem máscaras (familiar?); viagens temporais para o passado e futuro através de novas dimensões; monstros marinhos que lembram o Pokémon do tipo água/voador Gyarados; e muito mais.
De alguma forma, isso tudo contribui muito para manter o interesse de quem assiste, pois além de criar dificuldades e conflitos pelo enredo, educa o assinante Netflix com temáticas variadas, sendo algumas destas um tanto quanto intrincadas, envolvendo estudos da matemática, química e física, todas matérias exatas.
Obviamente, que isso é feito de uma forma descomplicada em Godzilla Ponto Singular, para não exaurir o assinante da Netflix.
Também existem alguns momentos que vão simplesmente hipnotizar o público que vai atrás de um pouco de ação, que quer assistir lutas entre kaijus e um robô muito peculiar chamado Jet Jaguar, que visualmente lembra um pouco a máquina protagonista do inovador O Gigante de Ferro (1999) de Brad Bird, só que com as habilidades de luta de um robô do tipo da série Gundam.
Só um passinho para trás, por favor
Nessa mistureba toda, por vezes, acabam acontecendo alguns deslizes, como o exagero de alongar demais esta primeira temporada. Sim, são treze episódios, de duração curta, vale lembrar. Ainda assim, em alguns momentos é fácil perceber que estamos vendo um pouco de ‘barriga’ no texto de Toh EnJoe que poderia enxugar essa história em Godzilla Ponto Singular.
Apesar da boa ação encontradas nos episódios ‘Tremendo’ e ‘Opressor’, todo o resto parece demasiadamente repetitivo, o que torna a narrativa ligeiramente arrastada, indicando uma fluência menor na trama.
Sorte, que quando chegamos nos episódios derradeiros da temporada, tudo converge de forma harmoniosa, e instala-se uma atmosfera hostil na capital Tóquio, onde ocorrerá o embate contra o poderoso Godzilla, assim como as investigações de Mei na busca do Computador Supratemporal.
Conclusão
Sempre é válido quando uma produção resolve escolher um caminho mais desafiador, arrojado. Melhor ainda quando a mesma, consegue equilibrar respeitando a fonte do material, que faz denúncias cirúrgicas a respeito da energia nuclear e armas nucleares, enquanto explora outros elementos da ficção científica.
No caso, Godzilla Ponto Singular da Netflix não escondeu que buscou influências em obras como: Interestelar (2014) de Christopher Nolan e A Chegada (2016) de Denis Villeneuve.
Só por isso, já vale assistir esse anime original da Netflix, que entrega ação de qualidade, conteúdo histórico e cultural, exploração no campo das ciências, e acima de tudo, emoção.