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Crítica | Joias Brutas

Quando foram anunciadas as indicações ao Oscar 2020 no começo do mês, logo vieram as matérias comentando sobre os filmes e atores esnobados. Dentre eles: Lupita Nyong’o por Nós, Jennifer Lopez por As Golpistas, … e Adam Sandler por Joias Brutas, distribuído domesticamente nos cinemas americanos, e internacionalmente pela provedora mundial Netflix.

Dirigido pelos irmãos Safdie, Josh e Benny, o longa nos conta de maneira eletrizante a vida conturbada de Howard Ratner (Adam Sandler), popular joalheiro de Nova York viciado em apostas, que vive jogando com sua sorte em situações de alto risco. Essas escolhas colocam Howard numa encruzilhada, tentando balancear seus negócios, família e a constante presença de cobradores buscando um acerto de contas, além da própria sede de vencer de seu espírito.

Premiações à parte, se faz mais necessário exaltar a autoria, junto de uma evolução clara no cinema dos irmãos Safdie. Bom Comportamento (2017) já havia se mostrado como um ótimo cartão de visita, ainda mais elevado por uma performance nuançada de Robert Pattinson. Agora, Joias Brutas repete o filme de três anos atrás, com o diferencial de uma câmera um pouco menos trepidante, que poderia resultar em uma perda deste elemento denominado de ‘indutor de ansiedade’ na obra. Muito pelo contrário, dado que os Safdie possuem sensibilidade e vibração de sobra, e assim como o protagonista da trama, apostaram alto ao escalar Adam Sandler para esta produção Netflix.

Se ficou um gosto de injustiça na boca com o esquecimento de Sandler entre os indicados, melhor ampliar o bafafá, já que o filme como um todo é um trabalho de maior inspiração. Baseando-se nas duas produções mais conhecidas dos irmãos Safdie, fica fácil apontar um padrão: a narrativa que continuamente produz movimento, refém de uma aceleração modulada.

No ano passado, Ari Aster conseguiu a mesma façanha com o excepcional terror folk Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, só que Aster faz isso via ambiência e simbologias, enquanto os irmãos cineastas usam dois elementos, que são uma câmera que se recusa a abandonar seu protagonista, acompanhando cada trajeto; e uma trilha sonora praticamente incansável, que não faz camadas de som, e sim, nuvens carregadas de desordem e caos amassando o corpo levemente curvado de Howard Ratner.

Em Joias Brutas, a cinematografia de Darius Khondji (Se7en: Os Sete Crimes Capitais, Meia-Noite em Paris) é menos agitada e mais limpa, se comparada ao trabalho de Sean Price Williams – que fez a fotografia dos dois projetos anteriores dos Safdie. Já, a trilha composta por Daniel Lopatin preenche quase todos os espaços da história, às vezes, exagerando na dose, como na cena em que Howard discute com sua namorada e funcionária – interpretada por Julia Fox – pelas ruas de Nova York. O compositor especialista em música eletrônica e experimental, lembra o estilo de trabalho do duo Trent Reznor/Atticus Ross da banda de rock industrial Nine Inch Nails nesta produção Netflix.

Chegando na estrela do show: o comediante e ator Adam Sandler realmente mostrou um carteado mais elaborado nesta obra. Alguns dizem que esta é a melhor performance dele em toda a carreira. Pode ser que sim, mas é definitivamente a mais vigorosa, do tipo sangue, suor e lágrimas.

Adam Sandler aguentou bem o tranco! E olha que não foi pouca coisa que o roteiro dos irmãos Safdie – com uma ajudinha de Ronald Bronstein – jogou nas costas de seu protagonista. Joias Brutas trata de variados assuntos e temas em seu enredo. De vício em apostas, até mesmo a longevidade de uma mentira (similar ao competente A Grande Mentira); na dúvida, se a família realmente representa uma ideia de proteção, ao apego supersticioso nas amarras do poder.

Porém, o maior destaque fica com a toxicidade de homens inaptos e o quanto suas escolhas são capazes de obliterar suas vidas e aqueles que ama.

Contraditório imaginar que uma inabilidade esteja associada a homens que praticam a farsa como faz Howard Ratner, de modo que é preciso uma boa porção de engenho para sustentar ilusões criadas. E, são nestes entremeios que os irmãos Safdie prosperam com grande entusiasmo em Joias Brutas.

Se o longa da Netflix não figura entre os selecionados da Academia, como os excelentes Parasita e História de um Casamento, ou mesmo, os ótimos Adoráveis Mulheres e Ford vs Ferrari, fica a consolação daquele velho ditado que diz – ‘azar no jogo, sorte no amor’. Situação inversa de Howard que tem sorte no jogo, e azar … em tudo mais.

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