Em 2018, a Dinamarca escolheu o longa-metragem Culpa para representar o país em uma possível corrida ao Oscar de Melhor Filme Internacional (anteriormente chamado de Oscar de Melhor Filme Estrangeiro). Infelizmente para os dinamarqueses, não ficou na lista final composta de cinco concorrentes.
Isso pouco importa, diante o fato que Culpa se mostrou uma das obras cinematográficas mais memoráveis daquele ano. Dirigido por Gustav Möller, que surpreendentemente estreava na função, ganhamos muito mais do que um filme, pois Culpa era uma verdadeira experiência de cinema coletivo. Algo que ainda buscamos compreender se teremos de volta novamente, após tantas mudanças que vieram junto com a pandemia, além da revolução do streaming que passou de coadjuvante à estrela principal do espetáculo.
Sabendo que o protagonista nunca fica atrás de ninguém, obviamente, não é surpresa alguma perceber que a Netflix tomou a dianteira, adquirindo os direitos da versão original. Agora, três anos depois, recebemos uma nova versão batizada de O Culpado, dirigida pelo renomado Antoine Fuqua, e protagonizada pelo astro Jake Gyllenhaal.
O filme se passa ao longo da manhã em um call center da polícia de Los Angeles. O operador de chamadas Joe Baylor (Jake Gyllenhaal) tenta salvar a vida de uma mulher que está em grande perigo, mas logo descobre que nada é o que realmente parece.
A mão de Fuqua
Já é sabido que o diretor Antoine Fuqua tem uma carreira irregular no cinema, com bons (Dia de Treinamento, Atirador, O Protetor) e maus resultados (Rei Arthur, Invasão à Casa Branca, Nocaute).
Uma característica muito evidente em seu estilo, tanto para seus atores quanto para a dinâmica de sua narrativa, são que ambas têm vigor e buscam impacto demasiado. Fuqua é daqueles cineastas de ‘mão pesada’ na direção, o que não é necessariamente um problema, dependendo do enredo que recebe.
Porém, lamentavelmente, O Culpado da Netflix não ficará na coluna dos bons acertos na carreira profissional do diretor americano de 55 anos de idade.
Alguns dizem que é inevitável estabelecer uma comparação com o projeto original, enquanto outra escola de pensamento acredita que devemos separar as obras, já que estas possuem intentos diferentes. Ambas dispõem de bons argumentos, assim, melhor explanar o que foi Culpa, e o que é a nova versão produzida pela Netflix.
O filme original de Möller é mordaz entretenimento capaz de deixar o espectador contraindo os membros inferiores e superiores tamanha a tensão, enquanto mira uma reflexão pela catarse, chegando em um merecido momento de redenção. Tudo isso, estimulando olhos, ouvidos e quaisquer sensores do organismo através da experiência imaginativa que o filme provoca no espectador.
Ao passo que O Culpado de Antoine Fuqua usa menos da imaginação, optando por preencher a narrativa com mais elementos dramáticos. Ironicamente levando para o gênero ação e afastando-se da comoção meditativa proposta, ao mesmo tempo que repete a maioria das escolhas da versão original com poucos cenários, simplicidade na escolha dos planos, direção de arte minimalista, e assim por diante.
Suando frio
Estabelecidas as diferenças, percebemos que em uma produção de Fuqua, geralmente, temos um nível menor de eloquente reflexão ou ponderações, mas tamanho e grau em maior destaque.
Isso é tão verdade quanto tudo o que foi transpassado para a tela pela performance energizada do habilidoso Jake Gyellenhaal, definitivamente, o que de melhor temos nessa produção original Netflix.
Vale pontuar que existe um abismo de diferenças nas performances de cada um dos protagonistas em suas devidas versões. Em Culpa, o ator sueco-dinamarquês Jakob Cedergren é cirúrgico, sem exageros, sempre no ponto correto; agora, Jake Gyllenhaal parece mais um vulcão prestes a entrar em erupção, que vai liberando pelo caminho algumas labaredas, tamanha a força que existe por dentro.
Em alguns momentos, podem até achar que há um certo exagero na atuação do grande astro hollywoodiano. Totalmente natural, pois este é o cinema praticado por Antoine Fuqua, que faz questão de elevar as performances no volume máximo.
Gyllenhaal já tinha trabalhado antes com o cineasta no drama de esportes Nocaute (2015), e da mesma maneira, repetiram a receita: performance intensa em uma narrativa congestionada demais para se comover ou refletir qualquer proposta.