É necessário que se diga logo de cara que este filme não será para todos!
Explicação: esta não é uma tentativa de afastar o assinante Netflix da obra em questão, apenas uma ponderação sobre um estilo narrativo que mais evoca sensações do que conta uma história, propriamente.
Possivelmente, algumas mães irão assistir à produção chilena O Fio Invisível e, realmente compreender emocionalmente tudo aquilo sendo observado. O longa dirigido pela cineasta Claudia Llosa, se visto por esse espectro revela-se uma sensível, bela e atordoante experiência, apesar de algumas pequenas incongruências na resolução dos acontecimentos.
Baseado no romance internacionalmente aclamado por Samanta Schweblin, que escreveu esta adaptação cinematográfica junto de Llosa, acompanhamos uma jovem que está morrendo longe de casa. Um menino se senta ao lado dela. Ela não é sua mãe. Ele não é filho dela. Juntos, eles contam uma história assustadora de almas angustiadas, uma ameaça invisível e o poder e desespero da família.
Narrativa em flashes
Existem algumas histórias de pessoas que estavam assistindo ao drama experimental A Árvore da Vida (2011) de Terrence Malick nas salas de cinema, que foram desocupando as poltronas, retirando-se da sessão antes do filme terminar. O motivo: tiveram muitas dificuldades de assimilar todos aqueles flashes de momentos da vida representados pelo elenco e uma estupenda direção de fotografia realizada por Emmanuel Lubezki.
Não dá para cravar que assistir à uma obra de Terrence Malick seja algo de rápida compreensão emocional e racional. Sua peculiar maneira de dispor situações dentro de uma narrativa exigem uma imersão sensorial maior do que uma tentativa de compreender de modo inteligível aquilo que lhe está sendo apresentado.
O Fio Invisível, disponível no catálogo da Netflix, não chega aos extremos explorados pela narrativa de Malick, mas igualmente organiza o fio narrativo de uma forma que nem sempre se sabe onde estamos na cronologia temporal. Isso busca induzir no espectador que ele faça um reconhecimento sensitivo, para além da sua tendência natural de conferir sentido as coisas.
Pela maior parte do tempo, tal ideal persevera com clareza. Contudo, encontramos alguns problemas no despacho dos fatos, que miram destacar uma das grandes complicações de nosso planeta, sempre machucado pelas mãos do homem.
Problemas ambientais
Apesar da validade no comentário sobre como abusamos e exploramos a natureza, causando um enorme desequilíbrio em nosso ecossistema, questiona-se como isso discorreu pela narrativa de O Fio Invisível.
Deve-se externar que existe um teor espiritual no terror vivido pelas mães Amanda e Carola, interpretadas pelas atrizes María Valverde e Dolores Fonzi, respectivamente. Esse elemento associado ao cinema de gênero perdura por toda a narrativa, assim, quando surge o argumento que fala sobre o desbalanço natural da Terra, somos pegos de surpresa.
Nessa hora, a produção chilena original da Netflix fica muito próxima de Madres: Mães de Ninguém, uma das obras do projeto Welcome to the Blumhouse, que lançou oito filmes de terror/suspende do ano passado para cá, todos disponíveis na plataforma da Amazon Prime Video.
Também podemos colocá-la na mesma raia do mais que competente O Preço da Verdade (2019) de Todd Haynes, que dramatizou o caso de Robert Bilott contra a empresa de fabricação química DuPont.
As angústias da maternidade
Sem tirar os méritos dos problemas ambientais ponderados, é fundamental que se afirme que O Fio Invisível da Netflix revela sua grande força quando analisa as dificuldades, angústias e sofrimento que passam as mães com a criação dos filhos.
Neste quesito, o roteiro de Samanta Schweblin e Claudia Llosa abandona o conceito sugestivo, e vai direto para o explicativo. Esta manobra acaba por tirar um pouco daquela potência narrativa que se via, especialmente na parte central da trama.
Ainda assim, pela performance das atrizes, junto da calorosa fotografia de Oscar Faura, temos uma obra que consegue estimular uma meditação sobre o que se passa no interior das mulheres, principalmente aquelas que se encontram sem qualquer apoio de seus companheiros.
Ao executar os fatos desta maneira, Llosa apresenta uma linha de compaixão para com as mulheres, que costumeiramente carregam responsabilidades maiores do que deveriam, já que seus namorados e maridos não movem um dedo a mais do que o necessário para buscar uma melhor e mais ampla percepção das coisas.