Frank Castle é um dos personagens da Marvel onde não somente se fala sobre sua personalidade, seu passado e as consequências de sua atitude. Dialoga-se sobre guerra, sobre patriotismo e sobre as eventuais questões clínicas levantadas pelo serviço militar. Sua funcionalidade, em suas próprias histórias ou as de outrem, é ser um contrapeso moral e pessoal, levando diversos pontos para o mais extremo ideal possível de desfecho. Seja a morte, seja a prisão. Independente de tudo isso, têm de ser a vingança a sua assinatura. Afinal, é isso que o tirou do túmulo e o fez ganhar uma série própria na Netflix.
O Justiceiro, interpretado por Jon Bernthal, com um tom mais pesado e de arco fechado, concentra-se em contar a história de Frank após seu forçado hiato, o fazendo se distanciar do submundo criminal, dada que a vingança já estava concluída. Mas de fato, a vingança, em seu ditado mais popular sobre porção fria, é também o prato que mais demora para acabar. Ficam os pequenos vestígios impregnados, prontos para poderem emergir seu hospedeiro novamente. E assim, os treze episódios da primeira temporada de O Justiceiro mesclam entre a velha mancha vermelha na memória de Frank com a busca para de fato, cicatrizar essa ferida.
Inspirado, em grande parte, na série de quadrinhos Bem-vindo de Volta, Frank, desenhada por Steve Dillon e roteirizada por Gareth Ennis, O Justiceiro concentra-se em criar um novo cenário em paralelo às mesmas condições íntimas de Castle. Aposentado do manto da caveira e vivendo sob sua morte, é um fantasma que foi acordado por um outro personagem importante de seu núcleo – uma escolha interessante da Netflix -, o ex-agente da CIA David Lieberman, apelidado de Micro, que está também buscando respostas sobre um caso que possa ter envolvido as mesmas pessoas responsáveis pelo tudo escalonado em raiva de Castle.
Portanto, há um gancho dado após a relação dos dois personagens. São construídos sob a ótica de “cérebro-músculos”, com as respectivas divergências, mas com similaridades que os aproximam em um conceito mais plural, sem abdicar das motivações mais próprias. O Justiceiro, aliás, é feito dentro dessas muletas pré-realizadas, com a intuição de manter explicitamente as características principais de Castle, contudo, fiscalizando aspectos que tangem à moralidade e análises do próprio Frank sobre as decisões que são tomadas por ele. Afinal, a individualização do vigilante é o maior foco de O Justiceiro. É mostrar diversas questões ligadas a um senso comum, mas sob uma ótica de quem norteia tais momentos a partir de experiências que o desafariam e o que fez se ver inserido dentro de uma própria sede sem fim.
O ponto mais frágil e humano de Frank acontece quando se desponta a duas personagens durante a série. Uma delas, já presente em sua vida, a jornalista Karen Page. A interação de Castle e da jovem loura começou na segunda temporada de Demolidor, quando houve a participação do Justiceiro no arco do defensor de Hell’s Kitchen. Karen, na época ainda trabalhando como advogada de defesa júnior da empresa de Matt Murdock e Nelson Foggy, que pegarem a causa de defender Castle quando o mesmo enfrentou julgamento e posteriormente fora preso. O conflito narrativo entre os dois em O Justiceiro foi um ponto equilibrado e amarrado em circunstâncias e fatores coerentes, mesmo que a produção tenha forçado uma espécie de romance.
Romance – e o que este conceito carrega de sentimentos – deixou certos pontos ambíguos na série. Não por sua manifestação e idealização, mas pelas insolúveis motivações e utilizações em momentos mais clichês. Como se, inconscientemente, O Justiceiro precisasse dessa ação para criar um conflito e assim, prospectar o fechamento do mesmo. Seja com Frank e Micro, seja com seus antigos aliados nas unidades especiais dos Fuzileiros ou consigo mesmo, em seus sonhos e delírios em forma de punição. E a punição, que é o alias de Frank, o motor do núcleo de seu combatente cérebro, é sua maior dor. Em uma forma de procurar descontar essa dor em que possa merecer esse sujo fardo ou em quem essa retribuição será cumprida.
E o cumprimento, assim como a missão dada ao soldado, é o objetivo. É o orgulho, o fascínio por ver sua missão cumprida. Ignorando a moralidade humana, desrespeitando contratos sociais. Esses são elementos que não vivem dentro do mesmo universo que O Justiceiro. É à parte de tudo, é seu isolamento.
Mas o isolamento, assim como abre espaço e precedente para estudar a quem está imposto, se torna pesado demais. Por mais que seja própria, e tenha seu mérito pela escolha, a série da Netflix percorreu durante 13 episódios, o que é seu recorrente erro em todas as séries individuais de seus heróis, assuntos que beiravam a irrelevância e o cansaço. Se esgota ao tentar manter um diálogo narrativamente enfraquecido, e se desorienta ao tentar fechá-lo, creditando-se a um errôneo uso de uma reviravolta.
E por mais quem conheça as mesmas reviravoltas, a familiaridade apesar de segura, arrasta a série ao longo de sua exibição total. E quando se permite abordar mais conteúdo, originando uma diferente linha de percepção, é crescente sua investida. Mas novamente, esbarra no excesso de história. Uma barriga que poderia ter sido evitada.