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Crítica | O Matador

Nessa sexta-feira (10) estreou pela Netflix o primeiro longa com produção nacional, dirigido por Marcelo Galvão, ambientado no sertão de Pernambuco. O longa conta diversas histórias sobre as matanças, as histórias de vingança e a luta pela dignidade de um homem em uma época que a lei do mais forte e do sobrevivente se fazia sinônimo de justiça.

Como se folheasse e passeasse por diversos cordéis, o filme alterna entre muitos personagens através de uma história contada por um homem preso por dois matadores com seus filhos e que tem de conta-la para sobreviver. Em vestes alegóricos de poeta e narrador, o personagem inicia a jornada do filme seguindo uma linha do tempo, anunciando primeiro os homens remanescentes da principal época do cangaço, após a morte do casal folclórico Maria José e Lampião, rei e rainha.

O principal personagem e núcleo que interliga a todos no filme, principalmente ao narrador, era o matador Cabeleira, interpretado pelo ator português Diogo Morgado, que conseguiu deixar as acentuações lusófonas para conseguir entregar um sotaque nordestino convincente. Criado pelo também matador Sete Orelhas (Deto Montenegro), Cabeleira cresce enraizado na procura de seu mentor e cuidador, que lhe ensinou sobre a vida, sobre a morte e sobre a maldição que sempre carrega o homem lentamente para sua cova fundo de casa. Depois de adulto, ele chega até uma cidade comandada pelo barão francês Monsieur Blanchard (interpretado pelo ator francês Etienne Chicot), dono de diversas terras e do comércio ilegal de mineração e venda das pedras, principalmente a turmalina paraíba. A pedra azul mais bela, o mar desejado pelos homens a sempre nadar.

As pedras preciosas, o dinheiro da época, é o totem do argumento. É o objeto que de tanto ser tocado, quisto e desejado, ganhou vida própria e começou a amaldiçoar os homens, cegá-los às recompensas que os fazem ser destemidos. Direcioná-los a sede de ser um homem de verdade.

E como se fosse um reino, o chão rachado de Pernambuco era pisado somente pelos seres que já aceitaram seu destino de viver sob o sol quente, aguardando que Deus, Ogum ou a própria morte do céu lhe arrancasse a cabeça e o transformasse nas pedrinhas valiosas que o fizeram ter um pequeno pedaço do próprio paraíso. E essa paz reinava quando foi percebido que agora o passado o fazia caminhar.

Apesar da impressionante fidelidade com o contexto histórico e cultural, o roteiro também de Marcelo Galvão leva certo tempo para conseguir amarrar todos os pontos da história, viabilizando uma confusa conexão até que ela é explicada perto do final do filme. Tocando superficialmente na fórmula da jornada do herói mas sem rotular seus personagens, O Matador ganha um escopo e uma estrutura bem fortalecida pelos argumentos da fé e da vingança, mas enfrenta dificuldades quando tenta suprir lacunas entre transições de personagens e atos importantes.

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