Caça às Bruxas

Crítica – Rua do Medo: 1666 – Parte 3

Fechamento da trilogia de terror Netflix denuncia o extremismo religioso na primeira metade, e diverte na resolução

De tantas frases feitas que escutamos desde pequeninos, talvez, uma das mais familiares ainda seja “as aparências enganam”.

E, como!

Tal máxima, serve tanto para o comentário inserido na narrativa de Rua do Medo: 1666, quanto para mostrar que a trilogia elaborada pela diretora Leigh Janiak almejava mais do que apenas revelar alusões.

Das três partes apresentadas, esta final é a que se mostra mais ousada, dado que na primeira parte desta produção original Netflix, veremos a narrativa descobrir que a verdadeira maldade em Shadyside, não veio por uma mulher, mas por um comportamento sistematizado baseado no medo e na sede violenta e cega pelo acerto de contas; já na segunda metade, voltaremos ao clima de terror de entretenimento, que continua brincando de referências.

Na cena final de Rua do Medo: 1978, vimos que a jovem Deena (Kiana Madeira) conseguiu juntar corpo e mão da bruxa Sarah Fier (Elizabeth Scopel). De repente, a garota foi mentalmente levada até o ano de 1666, na cidade colonial chamada de Union. As origens da maldição de Sarah Fier são finalmente reveladas quando a história se completa em uma noite que muda a vida dos Shadysiders por séculos que virão.

“Enforquem a bruxa”

Aqui, em terras tupiniquins, temos presenciado situações e certos movimentos políticos que remetem ao ano de 1964, início da Ditadura Militar. Naturalmente, tal cenário acaba levantando a questão do quanto realmente progredimos de lá para cá?

Rua do Medo: 1666 da Netflix acredita que o buraco é (ainda) mais em baixo!

A cineasta Leigh Janiak aproveitou esta viagem no tempo, não para revelar qual era a maldição da bruxa, mas para denunciar que nosso comportamento, hoje, infelizmente por vezes, assemelhasse ao mesmo de algumas centenas de anos atrás.

Em 1486, o clérigo católico Heinrich Kramer publicou o tratado sobre bruxaria Malleus Maleficarum, mais conhecido como O Martelo das Bruxas, que endossa o extermínio das bruxas. Os processos por crime de feitiçaria atingiram um ponto culminante de 1580 a 1630 durante a Contra-Reforma e as guerras religiosas europeias, quando cerca de 50.000 pessoas foram queimadas na fogueira, das quais cerca de 80% eram mulheres e, na maioria das vezes, acima dos 40 anos de idade.

Embora os julgamentos das bruxas tenham começado a desaparecer em grande parte da Europa em meados do século 17, eles continuaram nas margens europeias e nas colônias americanas.

Revoltante, não?!

1486. 1666. 1964. 1978. 1994. 2021!

Óbvio, que nos dias atuais, não acontecem julgamentos e execuções em praças públicas como antes, porém, isso não significa que pessoas consideradas diferentes do ordinário possam caminhar livremente por aí. Ainda executamos, enforcamos, afogamos, incendiamos, esquartejamos milhares e mais milhares neste sistema baseado no medo, ignorância e opressão.

Por essas e outras, que a primeira parte de Rua do Medo: 1666 de Leigh Janiak serve como uma chamada de atenção ao nosso próprio comportamento, assim como aquilo que toleramos ver e continuar de braços cruzados.

Kiana Madeira

O primeiro filme desta trilogia original Netflix se sai bem, em parte, pelo talento selvagem da jovem atriz canadense Kiana Madeira. Em Rua do Medo: 1994 tivemos uma pequena amostra do que ela pode fazer, porém, é nesta terceira parte que teremos a chance de testemunhar o quanto a energia dela em cena é que move o assinante pela narrativa do filme.

Existe uma naturalidade em sua performance, que transita entre firmeza e vulnerabilidade, que torna impossível desviar o olhar. Se permanecer nessa toada, ainda iremos ouvir bastante seu nome pelos próximos anos.

1994 – Parte 2

Quando a narrativa volta para 1994, meio que retornamos um pouco ao clima do primeiro volume da trilogia Netflix. Todavia, desta vez, a referência não virá do campo do terror, como foi o caso dos capítulos anteriores à Rua do Medo: 1666.

O embate final no mesmo lugar onde aconteceu o primeiro assassinato de toda a trama (típico roteiro clássico), vai trazer ao assinante da plataforma, um pouco do clima da comédia Esqueceram de Mim (1990) de Chris Columbus. Misturado com terror, claro!

Sorte da galera de 94, assim como aqueles que não partilham de pensamentos reacionários no século 21.

#teambruxas está aumentando!

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