Para os que têm acompanhado algumas produções sul-africanas lançadas pela plataforma da Netflix, provavelmente, algo deve ter chamado a atenção.
Produções tipo a super competente série Labirinto do Medo, ou o fraco longa-metragem Eu Sou Todas as Meninas, revelam que existem variadas formas de abuso à mulher no país, seja tráfico sexual, abuso doméstico, exploração infantil, o que for.
Lamentavelmente, situações como essa assolam todo o planeta, em países e continentes diferentes. Contudo, pelo o que parece, isso é algo que assombra a África do Sul de um modo constante, segurando a nação de progredir socialmente, além de deixar uma marca de medo maior na população feminina local.
Falando desta maneira, parece um tanto estranho imaginar que este texto tem a missão de comentar sobre a série adolescente Sangue e Água, que teve sua segunda temporada disponibilizada ao assinante no catálogo Netflix.
Pois, a produção sul-africana teen possui todos aqueles elementos que se esperam de qualquer outra obra deste estilo, que incluem romances, jovens burlando as regras, vícios, além de muita festa e curtição. Adiciona-se a isso, algumas situações sociais específicas ao país que se encontra no extremo sul do continente africano.
Sangue e Água gira em torno de Puleng (Amamkele Qamata), uma menina do ensino médio cuja irmã Phume foi sequestrada como parte de uma rede de tráfico humano logo após o nascimento. No mesmo dia do aniversário de Phume, Puleng foi convidada para uma festa de Fikile Bhele (Khosi Ngema), uma atleta popular que estuda no Colégio Parkhurst, uma escola de prestígio na Cidade do Cabo. Depois de Wade (Dillon Windvogel), um novo conhecido apontar uma semelhança entre as duas, Puleng começa a suspeitar que Fikile é Phume. A garota viveu à sombra de sua irmã durante toda a vida, então decidiu ir ao fundo das coisas. Ela se transfere para a escola de elite para investigar. Enquanto resolve este quebra-cabeça, Puleng descobre que o mistério de sua irmã desaparecida não é o único segredo que seus amigos e familiares escondem.
Começa fraco, melhora, cai de novo
São mais incomuns os casos de séries que se sustentam em bom nível por toda uma temporada, de forma que é natural pensar que em um momento ou outro, repetirá algum fator comum de gênero, ou mesmo a si própria, algum novo personagem introduzido pelo meio do caminho não irá agradar tanto, e tantas outras coisas que geralmente acontecem.
No entanto, quando temos um roteiro que transforma a experiência de assistir uma série em um tipo de efeito gangorra, ou seja, que sobe, desce, sobe, desce. Naturalmente, afastamos o espectador do material que apresenta considerável inconstância narrativa.
E, é uma pena, mas este é o caso desta segunda temporada de Sangue e Água para a Netflix, que demora para pegar no tranco, pega, engata uma terceira marcha, mas que na parte final volta a apresentar uma queda. Fosse uma canção, seria algo interessante, já que apresentaria quebras e novas dinâmicas aparecendo, porém, como uma linha narrativa, parece mais um desperdício de oportunidades.
Os momentos de baixa nesta produção sul-africana ocorrem quando o enredo revela fatos ou novos ingredientes, sem dar a sensação de que a narrativa está se movendo. As exceções nesta temporada acontecem nos episódios ‘Spiyoyo’ e ‘Puleng contra o mundo’, que se lançam para o pico, entretendo e tensionando na mesma medida.
Causos adolescentes
Como toda série teen, Sangue e Água dispõe das típicas situações que acontecem na adolescência, óbvio, com um extra foco nos romances, que normalmente têm maior apelo com o público jovem.
Nesse quesito, a produção sul-africana se iguala a outras séries, como Sex Education, Riverdale, Atypical, Young Royals, Control Z, Eu Nunca…, Elite, e tantas outras. Contudo, é notório que algumas destas se destaquem mais por disporem de alguns predicados especiais que costumam fazer a diferença para o assinante da Netflix.
Por enquanto, Sangue e Água não mostram ter em sua posse um algo especial para figurarem na lista de favoritos de qualquer um, apesar do carisma de alguns atores do elenco, em especial, a protagonista Puleng, interpretada com muita garra pela atriz Amamkele Qamata.
Outros destaques vêm pelos atores Dillon Windvogel e Greteli Fincham, que interpretam o engraçado Wade Daniels e a descolada Reece van Rensburg, respectivamente. Curioso que Reece lembra Maeve de Sex Education, tanto na aura cool, quanto pelos problemas domésticos que enfrentam.
Drogas nas escolas
Um aspecto interessante que a série propõe é perceber a normalização do consumo de drogas nas escolas, públicas e particulares. E, de como isso vêm crescendo neste século.
Exemplo: overdose é a principal causa de morte entre americanos com menos de 50 anos de idade.
Dados gravíssimos que indicam a amplitude e profundidade de um problema, que com números tão altos pode ser alçado à categoria de uma epidemia, que por extensão, significa um aumento do número de casos de uma doença ou de um fenômeno anormal.
Em Sangue e Água vemos a naturalidade como esse ocorre entre os jovens do Colégio Parkhurst. Porém, é de se lamentar que a produção original da Netflix não ousa mostrar o lado destrutivo disso, estabelecendo o contraponto necessário para que o assinante sinta a dramaticidade envolvida nessas situações.
Mulheres da África do Sul
Apesar da narrativa voltar a apresentar um momento de baixa, temos com o sexto episódio intitulado ‘Tempos sombrios’, a cena mais potente de toda a segunda temporada de Sangue e Água.
Em um determinado momento, vemos Sam Nkosana (Leroy Siyafa) questionar sua mãe Janet Nkosana (Zikhona Sodlaka) por algumas escolhas horrendas que ela fez, que tiveram início no passado, bem antes dele nascer.
Muito emocionada, ela explica que ele tem dificuldade de compreender as diferenças dos dois enquanto cresciam. Enquanto ele teve um suporte familiar, ela não vivenciou o mesmo cenário. Desta maneira, muitas das escolhas erradas que fez lá atrás, nem tinha a compreensão do que elas significavam.
Se a série sul-africana da Netflix tivesse a meditação de mais momentos como este, sentiríamos mais a carga dramática que o roteiro quer imprimir, consequentemente, nos atrelaríamos ao material com maior paixão.
Talvez, seja a hora de dar menos festas e colocar mais a mão na cabeça.