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Crítica | Sombra Lunar

E se tivesse escolhido aquele outro emprego? E se o atacante tivesse chutado com o pé esquerdo ao invés do direito? E se tivesse mandado uma mensagem logo de manhã, poderíamos ainda estar juntos? E se?

É natural e pertencente à mente humana indagar tais questionamentos. É da vida circularmos sob a nuvem da dúvida. Todavia, viver nesta ilusão de que uma mudança do passado alteraria tudo o que se seguiu no destino pessoal, ou até de outros, apenas indica outra de nossas condições humanas: a paranoia.

Nada contra! Até porque a paranoia serve como um espelho de nossas aflições, além de uma busca pela verdade que não se encontra nas coisas lógicas. Woody Allen fez grande parte de sua filmografia em cima disso, e com resultados notáveis; Philip Roth, indubitavelmente, um dos grandes romancistas de nossa história, foi outro que pontuou nossa fixação ansiosa e idealista na tentativa de mudar costumes e tradições.

Por essas vias, que a Netflix entrega sua mais nova produção que mistura suspense e sci-fi, Sombra Lunar do diretor Jim Mickle, que conta em saltos temporais, a trajetória do policial residente da cidade da Filadélfia que aspira o cargo de investigador, que em uma noite chuvosa, dá de frente com três mortes que desafiam a lógica e alteram o rumo de sua vida e família. Desta maneira, o policial iniciará uma cruzada para descobrir a verdade por de trás daquela noite fatídica.

2019 parece ser o ano da paranoia e do regresso ao passado para consertar erros e atrocidades impostas.

Convenhamos, que a primeira sempre será um tema corrente enquanto o ser vivo respirar e pensar. Inclusive recentemente, com o cinema de Jordan Peele – do bom Corra! e irregular Nós – , e do crítico e surpreendente Desculpe Te Incomodar de Boots Riley onde ambos rondam tal natureza.

Agora, o segundo se apresenta quase que como uma tendência, uma moda. Resultante de nossos medos em uma sociedade vogal e visualmente exposta. E, lamentavelmente, muitos destes exemplos recentes mostram enorme preguiça no enredo, ou apenas pontuam o óbvio, repetindo padrões de nossa realidade atual, sem insuflar qualquer reflexão frutífera, além de estimar nossa imaturidade fazendo aquele cafuné em egos assustados ou descontentes com o status quo, como: o exaustivo e oco Vingadores: Ultimato, ou o “meditativo” e superficial Era Uma Vez em Hollywood de Quentin Tarantino.

Talvez, o único destes que praticou dos mesmos exercícios, mas foi capaz de deixar um algo mais, tenha sido a comédia romântica Yesterday de Danny Boyle, que aos trancos e barrancos visualizou um mundo sem os Beatles em uma obra sobre amor, inspiração, honestidade e ética profissional.

Sombra Lunar de Jim Mickle junta-se ao bando, e exprime a ideia de que para resolver o agora, e o lá na frente, é preciso retornar e arrumar as coisas antes que o pior aconteça. Na prática, é bem possível fazer disto, uma trama envolvente. Já na parte filosófica, tal conceito apenas desvia o olhar da verdade, consequentemente, de nossa progressão e capacidade de adaptação diante as adversidades encontradas.

Dito isso, vale exaltar que a nova produção original da Netflix é uma obra em sua maior parte bem atrativa, e de um roteiro que opõe com habilidade, caçador e caça. Junto de um texto engenhoso – sem ser complexo demais – , escrito por Gregory Weidman e Geoff Tock, o diretor Jim Mickle manipula como quer o espectador nessa caçada do tipo Coiote e Papa-Léguas, onde gradualmente vai aproximando antagonistas, segurando a expectativa do que acontecerá quando estiverem frente a frente.

Outros dois elementos contribuintes estabelecidos pelo cineasta Mickle para gerar esta atração, vêm pela trilha sonora que flerta com sons industriais de tonalidades graves, criando uma atmosfera mais hostil em alguns momentos; e uma estética gore do tipo crua, que em sua simplicidade é hábil em estimular a quem assiste ao filme.

E, o maior acerto de todos, vem pela performance vigorosa, e delicadamente nuançada de Boyd Holbrook, mais conhecido como um dos vilões do filme Logan sobre o mutante com esqueleto de adamantium. É ilustre testemunhar as mudanças do protagonista ao longo da trama, analisar os níveis de luto, e o quanto este mergulhou de cabeça em uma bolha de isolamento destrutivo.

Certamente, não faltou talento na obra de Jim Mickle – que foi menos fibroso em seu terço final – , no que foi o melhor longa-metragem produzido pela Netflix neste mês.

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