Antes de adentrarmos à estreia da produção nacional Temporada de Verão para o catálogo da Netflix, que tal fazermos algo diferente? Que tal falarmos sobre telenovelas, hein?!
Já foram dez anos que vimos uma quantidade considerável de pessoas elogiando a ‘novela das nove’ Avenida Brasil, escrita por João Emanuel Carneiro. Quando elogiavam tal material pertencente à Rede Globo de Televisão, geralmente diziam que a novela de Carneiro se diferenciava de todas as outras produções ficcionais do canal, pois tinha uma narrativa de frequência mais alta, onde sempre tínhamos algo excitante acontecendo em cada um dos tantos capítulos do enredo que dominou às noites caseiras durante o ano de 2012.
Também diziam que a telenovela que passava depois do Jornal Nacional, maior referência jornalística da televisão brasileira, sempre terminava seus episódios de um modo “bombástico”, praticamente obrigando seus espectadores a voltar no dia seguinte para ver o que iria acontecer dali em diante.
Tal prática executada por João Emanuel Carneiro é decididamente esperta, sendo um modelo claro de fidelização que conhecemos muito bem das séries de televisão americanas, como Game of Thrones, por exemplo.
Porém, resumir de maneira tão superficial que uma “boa novela” é apenas aquela que apresenta as qualidades colocadas acima já é um pouco demais!
Claro que se comparadas às telenovelas escritas pelo renomado autor brasileiro Manoel Carlos (Por Amor; Laços de Família; Mulheres Apaixonadas; Páginas da Vida), que sempre (!) destaca uma protagonista chamada Helena que é moradora do bairro do Leblon no Rio de Janeiro, que vive passando por todo tipo de drama durante meses a fio de modo excruciante: podemos afirmar com precisão que o material de Carneiro é uma mina de ouro mesmo!
Voltando à Avenida Brasil. Sim, é sempre muito mais atraente testemunharmos uma peça ficcional que costumeiramente traz mais eletricidade à história, consequentemente, seduzindo o público a acompanhar os próximos acontecimentos que irão convergir nos momentos derradeiros da trama em questão. Ainda assim, mostra-se que acima de tudo é necessário saber como dispor e tratar certos assuntos e temáticas que fazem parte da produção de um modo ordenado, onde possamos sentir e refletir sobre aquilo que analisamos diariamente.
Isto posto concluímos que a obra de João Emanuel Carneiro (como tantas outras telenovelas brasileiras) deixa a peteca cair de vez em quando, especialmente quando adentra alguns núcleos da linha narrativa que precisam de uma construção e tratamento mais cuidadosos e focados.
Aqui se encontra o gigantesco problema de Temporada de Verão da Netflix, que tenta e falha toda vez quando quer comentar qualquer assunto ou tema que seja realmente importante. Diluindo elementos pertinentes em meras citações que nunca (!) são verdadeiramente trabalhadas na série adolescente desenvolvida pela trinca Michel Carvalho, Ana Pacheco e Natalia Piserni.
A produção nacional que mira no grupo de jovens adultos que trabalham numa estância paradisíaca onde vivem um verão inesquecível ao descobrirem o amor, verdadeiras amizades e alguns segredos devastadores do lugar.
Narrativa destrambelhada
Infelizmente, Temporada de Verão junta-se a produção original da Netflix Indecente, como aquelas narrativas que perderam uma oportunidade de tratar algo importantíssimo da maneira que merecia ser tratada!
No longa-metragem estrelado pela atriz veterana Alyssa Milano tínhamos uma história que poderia tratar sobre a realidade e julgamentos direcionados às mulheres que trabalharam como sex workers, mas ao invés disso tivemos uma trama que preferia enganar o assinante da Netflix com um mistério bobinho do tipo ‘whodunnit?’ (quem é o assassino?), que só serviram como pretexto para um romance banal entre a protagonista e o detetive bonitão.
Temporada de Verão conseguiu fazer ainda pior, uma vez que aqui serão levantados vários (!) assuntos e temáticas que lidam com questões emocionais, psicológicas e sociais, todos juntos de uma só vez, porém, empilhados como um montante de roupa suja na lavanderia.
Quando dizemos que são tratadas muitas coisas nessa primeira temporada da série teen Netflix não é exagero! Se liguem em “alguns” dos tópicos que fazem parte da produção: vício em compras, repetição das atitudes erradas dos pais, luto, traumas do passado, as dificuldades de ser mãe solteira, trabalho no tráfico de drogas, crises de ansiedade, benefícios da maconha, viver com pessoas diagnosticadas com Parkinson, racismo, a realidade das mulheres negras, alcoolismo, depressão, body shaming (ridicularizar, zombar ou criticar a aparência física de uma pessoa), bullying, identidade de gênero, os preconceitos da ala religiosa mais fanática, e assim por diante.
Vejam que apenas foram jogadas tais questões sem qualquer ordem de importância ou mesmo lógica do ponto de vista prático, que é exatamente o que observaremos pela narrativa de Temporada de Verão da Netflix, que simplesmente taca estas ideias no meio da história, sem se dar o trabalho de organizá-las de uma maneira que fique inteligível como linguagem audiovisual, ou mesmo exprimindo o mínimo de conflito nelas.
Talvez seja preciso rememorar que enredo sem conflito é o mesmo que nada! Sim, é essa palavrinha mesmo que precisa ser dita: nada!
Para argumentar melhor tal crítica, é necessário que se explique que veremos todos os tópicos citados acima serem representados pelas personagens que habitam o tal resort de veraneio em uma praia de Santa Catarina, entretanto, toda vez que eles aparecem na tela, percebemos que são resolvidos com atitudes e falas superficiais logo em seguida, literalmente, alguns minutinhos depois.
Consequentemente, acabamos não sentindo ou refletindo em nenhum momento sequer! Tudo parece esvaziado de sentido ou mesmo propulsão, deixando os assinantes da Netflix apenas acompanhando fatos e ocorrências, que alternam com alguns breves momentos de romance entre as personagens principais.
Isso é uma pena, já que alguns atores do elenco realmente tinham algo a mostrar, como André Luiz Frambach (melhor performance individual da série) ou Maicon Rodrigues, que faz o papel do jovem Conrado, que se despediu dos companheiros de cena no início do sexto episódio como um participante do reality show Big Brother Brasil, para voltar pouco mais à frente sem ter resolvido nenhum (!) de seus problemas com seus pais extremamente rígidos.
Conclusão
Se conseguirem aguentar esse bololô que representa um monte de nada até o final, perceberão o que de pior temos em Temporada de Verão quando chegarem no finalzinho do sétimo episódio, quando de forma manipulada tentam elevar várias cenas dramáticas todas juntas e ao mesmo tempo, sendo todas incapazes de mover uma célula sequer no íntimo do espectador, que já tinha percebido o óbvio: estamos diante de um material de boas intenções, sem qualquer mínimo traço de habilidade para fazer com que nos importemos com aquilo que estamos assistindo.
Temporada de Verão promete ser o pior verão de suas vidas!