Invisibilidade

Crítica: Zero – 1ª Temporada

Série Netflix de produção italiana explora o místico nos subúrbios de Milão.

A Netflix oficializou! Existe um “Homem-Aranha” em Milão!

Calma lá, calma lá! O cabeça de teia que nos acostumamos, seja por quadrinhos, games ou filmes continua atuando em Nova York, como o melhor amigo da vizinhança.

Só que agora, a metrópole milanesa tem o seu próprio herói protetor. Um jovem negro, que trabalha como entregador de pizza (soa familiar?), e tem uma habilidade para os desenhos de estilo japonês, e que sempre se achou invisível para o mundo à sua volta, e no final, tinha razão sobre isso.

Essa é a história de Omar (Giuseppe Dave Seke), mais conhecido entre seus amigos como Zero, personagem-título da nova produção original italiana para a Netflix, que nos leva até os subúrbios da cidade de Milão, na Itália, onde o garoto vive, junto de seu pai e irmã mais nova. Para Omar, a vida é uma batalha diária, especialmente em seu bairro, tendo de superar as adversidades, como o sustento financeiro, vandalismo e a criminalidade. Logo após, conhecer Anna (Beatrice Grannò), a garota dos seus sonhos, o jovem é perseguido por outro residente de seu bairro, Sharif (Haroun Fall). Durante a fuga, Omar percebe que possui o poder da invisibilidade, e agora despertado, tem a missão de ajudar sua sofrida comunidade.

Heróis

Sim, Zero é uma série de super-herói!

Porém, Marvetes e DCnautas, não vão achando que a produção original da Netflix virá acelerando na chave alta. Na real, muito pelo contrário, na maior parte, a obra criada por Menotti, um reconhecido cartunista e roteirista italiano, opta pelo realismo urbano das ruas e avenidas da cidade de Milão. Quando é colocado em prática o uso de efeitos visuais, isso é feito de modo leve, e vale dizer, de modo muito atraente. Inegavelmente, dá para perceber que é um trabalho de um cartunista em ação.

É de praxe que os dotados de superpoderes, costumam ter seus ‘sidekicks’ (ajudantes), e com Zero não é diferente, o jovem Omar conta com o auxílio de Momo (Dylan Magon), Sara (Daniela Scattolin), Inno (Madior Fall) e o implacável Sharif.

Muito do porquê esta obra Netflix vai bem, é devido ao elenco, com algumas menções especiais. Cada um traz uma personalidade complementar ao grupo: Momo é o parrudo resistente, além de ser um dos alívios cômicos na temporada; Sara é a tempestuosa voz da razão, o chamado da realidade; Inno é o talento e a velocidade; enquanto Sharif, interpretado com corpo, alma e eletricidade por Haroun Fall é o mandachuva que planeja tudo e todos os detalhes.

Neste sentido, Zero não fica muito distante da série sul-africana Labirinto do Medo, também no catálogo da plataforma via streaming.

Dupla dinâmica

A performance de Fall é um dos destaques da produção italiana. O jovem atua com muita naturalidade em cena, como se fosse um reflexo do ambiente onde vive. Ele é a representação motor do que é a amizade e a lealdade, e mesmo nos momentos de falha ou enfraquecimento, mantém-se firme e persevera. Seu trabalho no episódio 7 é surpreendente, fez até lembrar Jharrel Jerome na lacerante Olhos que Condenam, também da Netflix.

Agora, o outro grande destaque no elenco vem pelo protagonista Omar, papel de Giuseppe Dave Seke, que fez seu primeiro trabalho na carreira! Sim, essa foi a estreia de Seke como um ator profissional.

Para um iniciante, impressiona perceber o quão a vontade ele se mostra em cena. Sua face é um poço de emoções. Alguns dizem que para um ator, a câmera é como uma máquina de raio-X…, bom, se for assim, ela pegou cada micro movimento e nuance expressada por Seke. O ator de grandes olhos vibrantes parece saído do movimento expressionista alemão, que presenteou o cinema com obras, como O Gabinete do Dr. Caligari (1920) de Robert Wiene, e Nosferatu (1922) de F.W. Murnau, por exemplo.

Pode-se esperar muito deste duo italiano. Quem apostar, vai limpar a mesa!

Temas

Quando apertamos o play no episódio inicial da temporada, temos a impressão de que veremos algo próximo ao que Ladj Ly fez com o longa francês Os Miseráveis em 2019 (Observação: não confundir com o filme musical Les Misérables, lançado em 2012).

Zero é sobre aqueles que se encontram à margem da sociedade, e as penúrias rotineiras que são impostas sobre estes. É nesse cenário, que entra Omar e sua equipe, uma versão Robin Hood do subúrbio milanês.

No episódio 2, por exemplo, quando a luz do bairro é cortada, e é preciso levantar uma bolada para arrumar isso, eles se reúnem para tentar levar a melhor em um jogo de pôquer, patrocinado pela classe rica da cidade.

No centro da primeira temporada da série italiana original da Netflix está uma crítica ao sistema capitalista e ao abismo social tão presente em nossa sociedade. Em específico, a obra de Menotti apresenta como acontece a desvalorização de um bairro ou distrito municipal, que inclui um aumento no imposto de aluguel, além de outras complicações decorrentes da violência social, esta em especial, grafada pelas linhas opressoras do sistema.

Outra temática abordada em Zero é o despertar da identidade. Omar sempre está procurando uma saída, tenta e usa qualquer artifício para sair de casa e de sua cidade, o que também é natural, devido o trauma de seu passado em relação a sua mãe. E, obstáculo após obstáculo, o garoto vai ficando, e ficando, e cada vez mais frustrado, no entanto, por causa disso que surgiram mais e mais oportunidades de se conectar com o próprio passado, etnia e entorno.

Finalmente, o herói achou sua causa, e ao fazer isso, trouxe algum sentido, não apenas em sua vida, mas também daqueles mesmos que buscava escapar.

Conclusão

Entre acertos e deslizes, Zero da Netflix consegue segurar o tranco, sobretudo, pelo elenco talentoso e pela pungência do material. E, pelo episódio derradeiro, pode-se esperar maiores surpresas e revelações em uma provável segunda temporada. Lembrando que também continuarão os desafios, pois ainda não se sabe quem é o grande inimigo, desta maneira, seja este qual for, será preciso um ato sobrenatural para conseguir enfrentar as serpentes do sistema.

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