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Dark | Crítica - 2ª Temporada

Fãs de ficção científica que ainda não conferiram Dark, estão perdendo a chance de acompanhar uma abordagem revigorante sobre temas que costumam ser explorados a esmo em diversas mídias, e embora esta segunda temporada sofra com alguns males comuns a “capítulos do meio”, o potencial de acompanhar esta série até o fim continua extremamente cativante.

Dark consegue se adequar perfeitamente aos moldes narrativos que costumam atrair o público americano (e consequentemente, o internacional), mas também se mostra distinta de diversas comparações mais casuais ou ansiosas por execuções que chamam a atenção do espectador de imediato. A série alemã consegue ter núcleos dramáticos substanciais e envolventes o suficiente para que acompanhar seus episódios separadamente não se torne uma experiência desgastante, ao mesmo tempo em que avança sua “trama geral” com tanta abrangência que chega a soar compassada, apesar das grandes distâncias que percorre por episódio.

Narrativamente, pode não ser a história mais acessível que os fãs encontrarão no acervo da Netflix, mas o empenho e a atenção do espectador costumam ser constantemente recompensados em reviravoltas intrigantes e resoluções que abrem ainda mais espaço para especulações. É o tipo de série que torna o espectador, um participante ativo de sua trajetória, encorajando teorias e apresentando um universo rico o suficiente para que sempre haja disposição à novas perspectivas e maiores explorações.

Quando falo sobre os males de um “capítulo do meio”, estou me referindo à sensação de transição que diversas trilogias acabam apresentando em sua segunda parte. Dark retorna disposta a expandir seu universo com menos entusiasmo do que em seu primeiro ano, preferindo tornar boa parte do que já havia estabelecido, mais complexo. Temos uma nova década para acompanharmos, mas esta serve mais como um cenário isolado para estabelecer a base de Adam e seus seguidores, enquanto o futuro pós-apocalíptico, que serviu de gancho para o fim da primeira temporada, acaba sendo utilizado para elevar urgências e deixar questões em aberto para o espectador.

Retomando, então, os focos temporais da primeira temporada, os vários personagens da série vão se conscientizando cada vez mais sobre a situação absurda em que se encontram, e a progressão narrativa de Dark continua tendo o mesmo apreço pela compreensão do espectador em meio à tantas trajetórias. Este é, com certeza, o melhor aspecto da série, conseguindo manter o público engajado em meio à uma progressão linear que passeia por diversos eventos não-lineares, providenciando as peças necessárias para se compreender a passagem de tempo, enquanto também conta sua história de forma identificável e emocionalmente eficiente.

O roteiro da série encontra-se numa posição ainda mais difícil nesta segunda temporada, agora que precisa aprofundar as maquinações e intenções de seus personagens mais conscientes. Jonas do futuro, Claudia do futuro, Noah e Adam estão sempre transparecendo uma compreensão desconcertante sobre os trajetos deste ciclo temporal que continuamente provocam o espectador a assistir o próximo episódio, para saber se podemos chegar um pouco mais perto desta compreensão também.

Mas a série não apressa sua conclusões, deixando claro, inclusive, que conclusões podem ser superestimadas em meio a este ciclo temporal. Personagens podem morrer, mas suas mortes não representam seus “finais”, uma vez que não fazemos ideia de por onde passaram ou como influenciaram certos eventos em suas vidas.

Diversas obras de ficção científica que lidam com viagens no tempo precisam trabalhar com os empecilhos que o conceito teórico inevitavelmente traz consigo. Tais obras acabam criando “regras” que ajudem a sedimentar o funcionamento desta dinâmica especulativa, com algumas destas “regras” sendo mais criativas que outras. Dark, por sua vez, acaba contornando boa parte destes empecilhos fechando-se em torno do seu conceito de “ciclo temporal”, e continua programando os desenvolvimentos orgânicos de seus personagens para que complementem o entendimento deste “ciclo”.

Entregar reviravoltas e escolhas feitas pelos roteiristas para dar continuidade a estas várias histórias (que são, supostamente, uma única história) seria um desserviço a qualquer espectador, por isso procuro me conter neste texto. Dark é muito melhor aproveitada sem qualquer conhecimento prévio, mas me permito dizer que a exploração das relações familiares entre estes personagens continua sendo um foco inestimável para a série nesta segunda temporada, dando continuidade a uma das propostas que mais prezo nesta produção.

Diferente de outras histórias sobre viagens no tempo, as maquinações e manipulações ficam em segundo plano por aqui. O comportamento destes personagens e a maneira como acabam influenciando a “linha” do tempo são regidos por reações puramente humanas, geralmente contestadas pela tal compreensão que citei anteriormente, mas que nunca deixam de ser o real objeto de exploração desta história.

Dark pode estar repleta de teorias complexas sobre o funcionamento do que se chamaria de “destino”, mas os momentos que fazem o espectador realmente se envolver com esta história são aqueles mais naturais e compreensíveis, como uma personagem que não vê sentido em sua vida deixada para trás, ou outra que deixa o ego e a ambição entrarem na frente de suas intenções conscientes. No final, tudo soa “naturalmente conectado” para o espectador, e os roteiristas podem se orgulhar de um trabalho bem feito. Até mesmo a entrada de um novo detetive me soava como um mero artifício narrativo para manter a sobriedade desta temporada mais megalomaníaca. No entanto, até isso acabou se provando parte de um plano maior, com repercussões que devem ter certa importância no último ano.

Seja retratando paradoxos de forma elucidante, ou apenas proporcionando momentos emotivos para seus personagens, que só seriam possíveis em uma história como esta, Dark continua fazendo um bom uso do espaço que criou em sua primeira temporada, ainda que suas várias perguntas sem resposta deixem que boa parte de sua validação e gratificação fique a cargo do último e terceiro ano.

Esta foi uma temporada de transição entre as duas circunstâncias que realmente importam para a história como um todo. Se antes, tínhamos um mundo a ser explorado na primeira temporada, este segundo ano trabalha em cima da urgência (com direito à uma contagem regressiva até o apocalipse) perante o novo mundo que será propriamente apresentado na terceira temporada. Há muito o que se resolver, e muitas peças a serem encaixadas neste grande mosaico, mas se o gancho final do último episódio indica qualquer coisa, é que Dark ainda tem algumas grandes cartas na manga para utilizar como bem entender.

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