Já foi dito por aqui como a produção mexicana Desejo Sombrio, originalmente produzida pela Netflix, era no fundo um grande novelão incrementado com muitas (!) cenas de sexo em cada um de seus capítulos desta segunda e última temporada.
Porém, após quinze novos episódios que fecham a história de Alma (Maite Perroni), mulher casada que passou um fim de semana de ardente paixão ao lado de Darío Guerra (Alejandro Speitzer), que viu tudo acabar em tragédia, chegando a questionar a lealdade das pessoas próximas a ela, tenta praticar um pouquinho menos de sexo enquanto afunda a cabeça em um questionável mistério que só comprova que a criadora Leticia López Margalli não tem a mínima ideia de como desenvolver uma trama de suspense.
O fator sexo
Não demora muito para sacarmos a real razão para que Desejo Sombrio tenha se tornado um sucesso dentro do catálogo da Netflix.
Histórias regadas à sexo, naturalmente chamam a atenção das pessoas, especialmente quando voltadas para o desejo e imaginário feminino, algo que praticamente não tem espaço no campo da pornografia, geralmente feita para o público masculino.
Entretanto, encontramos um problema na produção mexicana, que repete de forma demasiada isso por toda a temporada, onde praticamente não existe ‘build-up’ (um aumento, especialmente de modo gradual) para qualquer uma das cenas de sexo encontradas no atual volume.
A única exceção encontra-se no episódio ‘Um perfeito triângulo insuportável’, curiosamente bem longe da protagonista interpretada por Maite Perroni, quando sua filha Zoe Solares (Regina Pavón) teve um encontro inesperado com algo que surpreendeu mesmo ela, fazendo com que nós assinantes da Netflix finalmente pudéssemos testemunhar uma cena bem mais ‘caliente’ em Desejo Sombrio.
Saiu o fator tara pela tara; entrou a vulnerabilidade, que conseguiu deixar o ato sexual mais íntimo e visualmente intoxicante.
Cadê o suspense?!?
Desde os primeiros momentos da atual temporada estamos conscientes do mistério a respeito da morte de uma das personagens. Será que foi suicídio ou homicídio?!
Bom, seja qual for a resposta definitiva – que como toda telenovela que se preze, só saberemos no capítulo final intitulado ‘Enfrentando a escuridão’ – o que importa aqui é a falta de tato no desenvolvimento do mistério em destaque, não existente por toda a narrativa da série de thriller erótico da Netflix.
Para simplificar: suspense é a possibilidade de alguma coisa que possa vir a acontecer, ou seja, é uma área cinzenta de dúvidas que vão acumulando na mesma medida que vamos aprofundando mais no caso, descobrindo novos elementos que (apenas) parecem nos deixar mais próximos de uma solução para aquela situação ou problema.
Dito isso, percebemos com clareza que Desejo Sombrio não praticou nem por um minuto sequer qualquer forma de suspense pela narrativa, uma vez que sempre está revelando de maneira descarada alguma novidade apenas pela proposta de fidelização daquele que assiste. Sem trabalhar uma ou outra incerteza em algum momento. Aqui o negócio é direto e reto!
Tanto que se tiver um pouquinho mais de atenção, logo sacará quem é o vilão da história nesse caso. O episódio ‘Quem é você, afinal?’ deixará bem claro qual é a realidade da situação, assim como a temática principal a ser discutida pela produção mexicana.
Personagens questionáveis
Existe uma escola de pensamento que afirma uma maior importância de ter um(a) protagonista que apresente algumas mínimas qualidades, que nos auxiliem na conexão com o enredo que vai se desenvolvendo e desenrolando fatos pela linha narrativa.
Infelizmente, este não será o caso de Desejo Sombrio da Netflix, que nos “presenteou” com Alma, que é só ímpeto e coração, mas nada substancial quando o assunto é racionalidade.
Alguns podem contestar dizendo que em uma história sobre sedução, normalmente não exaltamos tanto a questão mais lógica da coisa, em vista que estamos presentes de personagens completamente encantados, ou seja, facilmente ludibriados pela tentação ou mesmo pelas aparências mais chamativas.
Sim, definitivamente. Mas lembremos que não é apenas sobre erotismo, portanto, é natural que cogitemos algo mais cheio, onde possamos observar e sentir o peso dos questionamentos que acontecem na rotina da personagem principal da história. Só que Alma precisa tanto de um cérebro quanto o Espantalho em O Mágico de Oz (1939).
Pela insistente inclinação com os mesmos padrões só afastamos os espectadores da trama, que já nem se importam mais com seu bem-estar. Pior que isso não se resume a ela, já que temos tantos outros personagens bem questionáveis em Desejo Sombrio: do insosso Darío Guerra e seu ingênuo sogro Íñigo (Arturo Barba), até a investigadora de polícia que não consegue resolver absolutamente nada sozinha, sempre necessitando da ajuda de Esteban Solares, interpretado por Erik Hayser, provavelmente o único personagem um pouco mais interessante na série original da Netflix.
Sobre relações tóxicas
No fim, Desejo Sombrio quer discorrer – de modo bem expositivo – sobre os caminhos perigosos de uma relação tóxica, algo que se encontra no centro da narrativa desta obra mexicana. Já na primeira temporada podíamos perceber isso, aqui nesta última parte só ficou ainda mais em evidência.
Todavia, pior é a sensação que ficou, apesar de termos presenciado, vez após vez, todos os males causados por um homem do tipo tóxico, de que não aprendemos nada! Muito por causa de uma narrativa que na verdade só finge se importar com o assinante da plataforma Netflix, pois o que ela realmente quer aqui é entreter visualmente usando corpos masculinos e femininos desnudos sob luzes bonitinhas.
Desejo Sombrio é a prova maior de que estética vale mais do que a proposta narrativa de viés social, parte essencial de nossa realidade atual.