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Disque Amiga para Matar | Crítica - 1ª Temporada

Comédia de menos e suspense demais podem deixar a nova série da Netflix, Disque Amiga para Matar, um tanto menos palatável do que o espectador poderia esperar. Ainda assim, as interpretações de Linda Cardellini e Christina Applegate impedem que as propostas da produção sejam perdidas em meio ao seu tom.

Disque Amiga para Matar foi desenvolvida por Liz Feldman, cujo crédito mais chamativo (como produtora) fica por conta da hilária “2 Broke Girls”, que também trazia as desventuras de duas amigas com personalidades opostas, porém em um cenário muito mais irônico e repleto de piadas típicas de sitcoms americanas. O interesse da autora por abordar um ambiente mais sutil é evidente, mas embora a proposta tenha seus méritos, a tendência da série de se aproximar dos suspenses investigativos ao estilo da HBO acaba equivocando a experiência do espectador mais descontraído.

No entanto, aqueles que assistirem à nova produção da Netflix com maior interesse em sua atmosfera de tensão e em suas reviravoltas, podem se encontrar muito bem servidos por aqui. A estrutura da série proporciona um bom ritmo para ser consumida tanto em maratona, quanto em capítulos separados, e mesmo que o espectador tenha total consciência das prováveis resoluções desta trama, a tensão permanece sempre presente. Com ambas as protagonistas tendo construções envolventes e bem interpretadas, a experiência de acompanhá-las só se torna ainda mais engajante.

As protagonistas possuem momentos de sobra onde seria possível afastar a simpatia do espectador, seja com as ações de moral duvidosa de Judy (Cardellini) ou os surtos raivosos de Jen (Applegate), mas o roteiro faz um bom trabalho ao subverter as expectativas do espectador e redimir estas personagens de forma orgânica, plausível dentro de seus contextos. A relação entre as duas se desenvolve com uma progressão bem distribuída, e estabelece os pontos necessários para guiar o espectador pelas reviravoltas de forma adequada às intenções do roteiro. Auxiliando neste direcionamento, está o personagem de James Marsden, que vai sendo desenvolvido para receber todo o desprezo do público.

As dinâmicas destes personagens é exposta com eficiência, desde momentos marcantes onde as personagens lidam com suas emoções de forma escrachada, até pequenas situações recorrentes como os momentos onde Steve (Marsden) ofende Judy, rapidamente se desculpa, e ela responde, ainda mais rápido, que está tudo bem. São personagens reconhecíveis, mas longe de serem superficiais, formando um ambiente produtivo para discutir os principais temas da série, incluindo as formas de se lidar com o luto, e o sentimento de culpa. Neste último, também se aprofunda a discussão para retratar as diferenças entre “arrependimento” e “remorso”, e se existe a possibilidade de redenção tanto dentro da trama, quanto para com o espectador.

O ritmo da série, embora seja bem estruturado como apontei, pode sofrer um pouco durante os primeiros episódios da temporada, com o foco quase absoluto nas duas personagens tornando os meros trinta minutos, mais densos e lentos. Não demora muito para percebermos que o humor de Disque Amiga para Matar virá sempre de maneira sucinta, majoritariamente baseado na “honestidade” e na “crueza” com que o roteiro busca retratar suas personagens. Ao mesmo tempo, também compreendemos que o real interesse da série está em produzir momentos dramáticos cujo impacto emocional proporcionado pelo elenco é essencial para a sua eficácia.

Duas comparações podem ser produtivas para compreender os pontos onde a proposta de Disque Amiga para Matar encontra suas inspirações, e como sua execução pode soar, às vezes, desequilibrada ou contraditória. Primeiro, olhemos para os suspenses da TV a cabo americana como a aclamada Big Little Lies, onde a construção gradualmente revelatória das protagonistas busca envolver o espectador e proporcionar um mistério cujas repercussões internas possam ser ainda mais relevantes para o público do que as externas. A série da Netflix preza este impacto, e produz um resultado final plenamente cabível para sua proposta.

Por outro lado, poderíamos comparar a série com outra produção “cômica” de suspense, o filme de Paul Feig “Um pequeno Favor”, que trazia duas personagens com personalidades completamente opostas em meio a um mistério cativante. No filme de Feig, no entanto, diversos aspectos são bem menos sutis do que em Disque Amiga para Matar, com construções mais arquetípicas e uma narrativa muito mais mirabolante. Lá, a proposta se mostrava mais disposta a brincar com os clichês do gênero e proporcionar uma comédia de absurdos, enquanto a série da Netflix pende para um lado mais “prestigioso” e menos contrastante.

Fico curioso, portanto, ao pensar em como poderia ter sido se a série tivesse abraçado um lado mais absurdo, proporcionando um equilíbrio mais abrangente com seu lado cômico. Ao mesmo tempo, também é perceptível que a tendência para o “prestígio” nem sempre alcança suas ambições, justamente por sua simplicidade perante suas influências assumidamente densas.

Apenas a audácia de se tentar buscar o “humor intrínseco” de situações desconcertantes e emotivas já é cativante por si só. Em partes, poderia-se dizer que Disque Amiga para Matar procura construir uma atmosfera de “realidade” para suas personagens, aderindo aquela velha (às vezes, equivocada) fala de que a mistura entre comédia e drama se aproxima muito mais da “vida real” do que qualquer apego à um gênero específico.

Voltando à elogiar as atrizes, porém, não é esta abordagem desapegada do roteiro que torna esta série, uma experiência gratificante por si só, e sim a maneira como Cardellini e Applegate conseguem equilibrar as características de suas personagens (em especial, a mundanidade de Jen e a desorientação de Judy) com os diferentes focos da trama.

No final, assistir Disque Amiga para Matar pode ter seus momentos enfadonhos ou dispersos, mas a série conclui seu mistério com resultados produtivos para aquilo que pretendia discutir com estas personagens, e trabalha a tensão de seu suspense com consistência, recompensando o envolvimento do espectador que se mantiver disposto ao seu tom. Uma continuação, por sua vez, traria todos os perigos comuns a tentar estender mistérios contidos (a própria Big Little Lies enfrentará estes perigos em sua segunda temporada). Mas talvez, se a série da Netflix conseguir re-adequar sua narrativa para manter o desenvolvimento de suas personagens tão assimilável quanto vimos até aqui, podemos ter uma produção plenamente digna de nossa atenção.

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