Se por um lado, fico surpreso que Eu Vi tenha retornado para uma segunda temporada, por outro, nunca deixo de reconhecer o quanto o formato “baseado em fatos reais” sempre consegue atrair a atenção do público, principalmente quando elementos sobrenaturais estão inclusos.
Eu Vi é uma série “semi-documental” que se propõe a reconstituir dramaticamente os relatos “reais” de pessoas que foram assombradas por algum tipo de fantasma, demônio, ou sejá lá o que for… Enquanto o relator conta a história para amigos e familiares sentados em roda, a série intercala cenas fictícias que buscam ilustrar o terror das histórias com abordagens comuns ao gênero. Propor estas reconstituições ao espectador é uma proposta chamativa, e que com certeza atrai aqueles que estão sempre em busca de confirmações sobre tópicos sobrenaturais.
Mas note que, quando digo que os relatos são “reais”, coloco a palavra entre aspas, pois apesar de cada episódio carregar o aviso indicando a autenticidade dessas histórias, a primeira temporada da série já havia deixado diversos espectadores um tanto céticos com o que era mostrado. O problema, obviamente, não está nas reconstituições, que buscam construir atmosferas de tensão com a mesma suspensão de realidade que vemos em diversas obras de ficção do gênero. Onde o incômodo começa a se tornar gritante, no entanto, é durante as conversas dos relatores com seus parentes e amigos, uma vez que todas estas interações (sem exceções) soam roteirizadas, além de mal-interpretadas por alguns dos participantes.
O formato é constituído por episódios curtos, onde não há muito tempo para grandes contextualizações (ou mesmo explicações aprofundadas, para a comodidade da produção), e onde estrutura-se a narrativa de cada história de forma objetiva, para capturar logo a atenção do espectador. Dentro das dramatizações, há mérito em algumas construções estéticas, ou mesmo atmosféricas, como é caso desta segunda temporada onde temos relatos que fogem dos tópicos mais comuns de terrores.
Mas o incômodo com a maneira como estas histórias são contadas permanece tão forte quanto no primeiro ano, começando já no primeiro episódio, onde o caso envolve uma típica casa assombrada, e uma criatura capaz de reproduzir a imagem dos moradores. Por conta desta habilidade aterrorizante, a relatora do episódio conta que ela e seus amigos decidiram chamar a criatura de “O Mímico”, o que por si só, já soa como um detalhe difícil de acreditar. Afinal, se você convive em um ambiente tão tenso, e passa por experiências tão traumáticas, teria-se o estado emocional para criar um nome tão dramático durante o caso? As cenas de sexo também merecem um destaque negativo, soando apelativas por tomarem tanto tempo de tela dentro da curta duração do episódio.
O segundo episódio traz um bom exemplo do quão pragmática, ainda que competente, é a construção atmosférica empregada por Eu Vi em cada uma de suas histórias. O tópico da vez também soa menos absurdo, e aproveita os clichês atribuídos a contos assustadores sobre asilos e pacientes assombrados. A fotografia não procura passar qualquer naturalidade, preferindo entregar uma estética que complemente a tensão da cena, acima de tudo (mas ainda assim, convenhamos que poderiam ter deixado algumas cenas um pouco mais iluminadas).
Com estes dois episódios, já é possível perceber que os momentos mais desconcertantes destes relatos, aqueles que realmente fazem o espectador questionar a veracidade da situação, não surgem necessariamente com o relator contando a sua história, mas sim com as reações artificiais dos que estão ao seu redor. A edição também não faz nenhum favor por aqui, encaixando estas reações como bem entende, mas percebe-se como muitos destes pequenos atos (confirmações ou pequenas falas, por exemplo) estão longe de soarem naturais, e parecem inseridos para satisfazer as necessidades de um roteiro.
Os tópicos do terceiro e do quinto episódio são os que fogem ao comum do gênero. Ao invés de lidarem com as típicas assombrações, o terceiro traz a história de um homem homossexual que cresceu atormentado pela doutrinação violenta de um culto religioso, e o quinto acompanha a experiência de um soldado que, além de ter presenciado os horrores da guerra, também testemunhou a presença de um “demônio” enquanto estava de tocaia.
Ambos os episódios me fazem pensar que Eu Vi (no original, Haunted) seria uma série muito mais produtiva, caso não mantivesse a afirmação de trazer histórias reais. Se, ao invés disso, tivéssemos pequenos curtas fictícios (animados talvez, como foi o caso da excelente Love, Death & Robots), tais temas diferenciados poderiam compor uma antologia chamativa dentro do gênero de terror, sem os incômodos que invalidam a proposta da série.
Há momentos em que os familiares e amigos perguntam se há qualquer dúvida na história, ou incluem algum tipo de questionamento objetivo que pode ajudar a sedimentar a sensação de se estar acompanhando um relato honesto. No entanto, tais questionamentos soam tão “roteirizados” quanto citei anteriormente, pensados para validações. Um exemplo pode ser visto no quarto episódio, onde a relatora conta como a casa de sua família foi assombrada por vários anos. O espectador pode se perguntar como as “vítimas” nunca chegaram a comentar esta assombração para perceberem as experiências uns dos outros, e tentarem entender melhor a situação. Por conta desse válido questionamento, os membros da família filipina deixam claro que, dentro da cultura deles, não se fala sobre este tipo de coisa, por medo de chamar a atenção da assombração.
O último episódio é o mais curto, e também onde a dramatização fictícia vai mais longe com suas ilustrações do caso. Continua sendo válido notar que algumas escolhas visuais podem agradar os fãs do gênero que decidirem dar uma chance à Eu Vi, e se os relatos possuíssem menos detalhes, mas continuassem (ou fossem ainda mais) extrapolados pelas dramatizações, a série com certeza conseguiria executar a sua proposta com resultados mais positivos. Se o relator diz simplesmente que viu um palhaço morto quando criança, e a ilustração levasse a situação para uma representação mais intensa, apoiada no imaginário, a honestidade da proposta estaria melhor mantida.
Mas infelizmente, Eu Vi não parece estar nem um pouco preocupada com tais soluções, e prefere manter o seu formato em um estado falho, para que ele possa, pelo menos, existir, e atraia a atenção do público desavisado. Com o gasto de produção de um episódio como o quinto, no entanto, fica difícil não torcer para que esse dinheiro pudesse ir para outras empreitadas dentro do gênero.