Tradição

House of Ninjas: Por que “só ignorantes usam a palavra ninja”?

House of Ninjas consultou professor especializado em história dos shinobi

Um dos momentos marcantes da nova série da Netflix, House of Ninjas
Um dos momentos marcantes da nova série da Netflix, House of Ninjas

A série House of Ninjas é um drama de ação que está no catálogo da Netflix e conta a trajetória de uma família shinobi moderna que abandonou o perigoso comércio de seus antepassados em busca de uma vida “normal”.

Soichi interpretado por Yosuke Eguchi, o patriarca da família, luta para manter um perfil discreto, enquanto sua esposa Yoko (Tae Kimura) e a filha Nagi (Aju Makita) cedem aos seus hábitos tortuosos, envolvendo-se em furtos desde supermercados até roubos de objetos de arte em museus. 

O filho mais novo, Riku (Tenta Banka), além de não saber a palavra correta para shinobi, é notavelmente ingênuo em relação ao passado nefasto de sua família. E no epicentro das tramas está Haru (Kento Kaku), o filho que desafia as rígidas regras shinobi, infringindo o vegetarianismo e a castidade para se encontrar secretamente com uma garota, usando tigelas de carne como disfarce.

“Apenas tolos ignorantes dizem ‘ninja'”, adverte Taki, a misteriosa matriarca da família Tawara, interpretada por Nobuko Miyamoto. Longe de ser apenas uma avó convencional, Taki esconde uma complexidade intrigante. Em House of Ninjas, a série da Netflix, a terminologia correta é “shinobi”, como historicamente utilizada.

Além de sua atuação principal, Kento Kaku desempenha um papel crucial como criador da história original de House of Ninjas, assumindo também o papel de co-produtor executivo. Embora ainda seja desconhecido no Ocidente, Kaku é uma estrela consolidada na televisão japonesa, acumulando mais de 70 papéis e até mesmo lançando livros de fotos que cativam seu fiel fandom. 

House of Ninjas representa o projeto dos sonhos de Kaku, uma oportunidade emocionante para conquistar uma audiência global. Sua inspiração para a série surgiu de uma experiência de viagem real, quando testemunhou a arte ninja em um show no interior do Japão junto com sua família, um momento que o fez exclamar: “Ohh, é isso!”.

Cena da série House of Ninjas que foi gravada no Japão

A província de Iga

Diversas regiões do Japão celebram sua rica herança ninja com entusiasmo, promovendo espetáculos, desfiles e festivais em homenagem a esse legado shinobi. A província de Iga, local de origem de um dos clãs ninjas mais famosos, o Iga-ryu, no final do século XV, destaca-se nesse contexto. Em 2017, a Universidade de Mie inaugurou o Centro Internacional de Pesquisa Ninja, sediado na prefeitura ocidental de Mie, inclui Iga, com o objetivo de estudar a história e a cultura dos ninjas.

Kento Kaku, ao presenciar pessoalmente um desses espetáculos culturais de ninjas, encontrou inspiração. Essa experiência despertou seu interesse pela autêntica cultura ninja, levando-o a aprofundar-se na história real por trás desses notórios espiões e assassinos japoneses.

“Há tantas regras como não comer carne, não beber, não namorar e não fazer sexo”, compartilha Kaku. “Fiquei fascinado por essas restrições e percebi que são muito atraentes.”

Com a visão de Kaku para House of Ninjas tomando forma, o projeto atraiu o renomado diretor de cinema americano Dave Boyle. Boyle, conhecido por dirigir uma série de filmes independentes como Surrogate Valentine, Daylight Savings e Man from Reno, que tem sua abordagem centrada em personagens, com papéis ricamente escritos e diálogo sublime.

“Minha primeira ação foi pegar a proposta original de Kento e criar uma ‘bíblia’ que estabelecesse a história e a visão de mundo para o show”, revela Boyle. Essa abordagem foi fundamental para conquistar o interesse da Netflix, e consequentemente, Boyle se viu redigindo o primeiro episódio. Uma série de acontecimentos o levou à oportunidade de dirigir, embora surgisse a preocupação sobre a obtenção de visto para o Japão, considerando o contexto do bloqueio do vírus na época.

Cena de House of Ninjas

O único não-japonês em House of Ninjas

Produzida nos prestigiados Toho Studios do Japão, que recentemente lançaram sucessos como Godzilla Minus One e Shin Ultraman, House of Ninjas contou com Dave Boyle como o único membro da equipe não japonês.

Imerso no ambiente, Boyle mudou-se para Tóquio por 18 meses durante o período de produção. Notavelmente, ele optou por dispensar o uso de um intérprete, confiando em suas habilidades linguísticas de segunda língua. Essa escolha, por vezes, o levou a alguns tropeços, pois o japonês cotidiano não incorpora muitos dos termos técnicos específicos usados nos sets de filmagem Toho. No entanto, Boyle percebeu essas falhas de comunicação como oportunidades de conexão genuína e atribui a qualidade excepcional do elenco e da equipe ao incrível suporte que recebeu.

Sua presença única como diretor estrangeiro adicionou uma camada fascinante à produção, criando um ambiente de colaboração cultural. A decisão de Boyle em conhecer a cultura local, enfrentando desafios linguísticos sem recorrer a um intérprete, demonstrou seu compromisso com a autenticidade e compromisso na experiência cinematográfica japonesa.

“Decidi mergulhar de cabeça, e a confiança de Kento me deu segurança, pois ele realmente insistiu para que eu estivesse a bordo”, compartilha Boyle. “Todos compartilhavam o mesmo desejo de criar algo excepcional. Sinto que, no final das contas, essa é a experiência mais maravilhosa que um diretor pode desejar: quando todos estão alinhados para alcançar o mesmo objetivo, em vez de estarem dispersos em direções diversas.”, completa.

Série disponível na Netflix

A verdadeira história da série House of Ninjas

A trama de House of Ninjas gira em torno da família Tawara, descendentes de Hattori Hanzo. Apesar de o nome evocar a figura do ferreiro de espadas interpretado por Sonny Chiba em Kill Bill, o verdadeiro Hanzo (1542-1597) foi um dos ninjas mais renomados do Japão, servindo a Tokugawa Ieyasu (1543-1616) durante o estabelecimento do Xogunato Tokugawa (1603-1868). Este é o mesmo líder militar retratado como o fictício Lord Toranaga em Shogun, uma minissérie cuja versão redux está programada para ser lançada no FX Hulu em 27 de fevereiro.

Os Tawaras são chamados de volta ao serviço porque seus antigos rivais, o clã Fuma, que eles acreditavam terem destruído, ressurgiram. Semelhante à lendária rivalidade entre Hatfields e McCoys, a animosidade entre esses dois clãs shinobi é profunda e lendária. Aqui, novamente, a série aprofunda-se na história autêntica.

“Eu fiz uma pesquisa aprofundada, tentando explorar alguns aspectos menos conhecidos da tradição ninja”, revela Boyle. O clã Fuma remonta ao período Sengoku do Japão nos séculos XV e XVI, sendo homenageado em um museu dentro do castelo de Odawara, onde se desenrola a trama de House of Ninjas. O clã Fuma ocupa um lugar peculiar e significativo na história japonesa.

“Existem várias escolas de pensamento sobre como eles se encaixam na história e se são heróis ou vilões”, explica Boyle. “Em Odawara, eles são considerados heróis populares, algo como Robin Hood e seus alegres companheiros. No entanto, em outros lugares, na ficção e em alguns registros históricos, são retratados como vilões e bandidos.”

Para criar o mundo de House of Ninjas, Boyle e Kaku se esforçaram para garantir autenticidade em todos os detalhes. “Estamos extrapolando a existência para a história, tomando algumas liberdades e nos divertindo com isso, mas o conhecimento básico precisa estar presente para construir o mundo da série”, afirma Boyle.

Em busca de credibilidade histórica, House of Ninjas consultou o professor Yuji Yamada, uma das principais autoridades em história ninja do Centro Internacional de Pesquisa Ninja da Universidade de Mie. “Tivemos a opinião dele sobre isso e sobre a nossa representação do clã Fuma”, acrescenta Boyle.

Apesar de sua base autêntica, a série está ciente do gênero ninja e incorpora elementos humorísticos. “Queria abordar isso de uma maneira um tanto descontraída e imaginar como seria se essa rivalidade continuasse por mais algumas centenas de anos, e como seriam suas vidas no Japão moderno”, explica Boyle. “Os ninjas são considerados heróis e vilões no Japão, dependendo de qual mestre estão servindo.” Essa dualidade acrescenta uma camada fascinante à narrativa, explorando a complexidade dos personagens e suas lealdades em um contexto contemporâneo.

Em House of Ninjas, os Tawaras prestam serviço ao BNM, ou Bureau of Ninja Management, um ramo secreto do governo encarregado de enviar a família em missões, limpar após seus enfrentamentos e, ocasionalmente, empregar métodos de tortura contra inimigos. Tanto Boyle quanto Kaku eram ávidos admiradores dos filmes Shinobi No Mono, uma franquia composta por oito filmes do início dos anos 60.

“Esses filmes foram meio que o ponto inicial do boom ninja e são realmente maravilhosos”, elogia Boyle. “Eles também fazem um trabalho excepcional ao retratar as vidas incrivelmente difíceis que os shinobi levavam.”

Kaku, sendo do Japão, teve sua experiência com o gênero ninja influenciada pelo cinema, mangás e animes japoneses clássicos. No entanto, ele admite ter perdido muitos dos filmes de Hollywood das décadas de 70 e 80, brincando que seu conhecimento sobre o gênero ninja ocidental se resume a “filmes das Tartarugas Ninja Americanas”.

“Somos onívoros quando se trata de conteúdo ninja”, acrescenta Boyle. “Apreciamos uma variedade de abordagens.”

Todos os episódios de House of Ninjas estão agora disponíveis na Netflix.

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