Não dá para iniciar qualquer argumento sobre a nova minissérie da Netflix intitulada como A Vizinha da Mulher na Janela sem citar o título original da produção protagonizada pela divertida Kristen Bell:
“The Woman in the House Across the Street from the Girl in the Window”, traduzido como “A mulher na casa do outro lado da rua da garota na janela.”
Até parece um título de música da banda de pop rock/emo Panic! at the Disco, mas não! É apenas o nome da nova produção original da Netflix, que já diz de maneira clara aonde iremos pisar pelos próximos oito episódios de curta duração.
O nome remete diretamente outra produção da plataforma Netflix, no caso, o lastimável A Mulher na Janela (2021) de Joe Wright, que tinha pretensões de homenagear o grande Alfred Hitchcock, mas se esqueceu completamente de como costurar uma narrativa minimamente decente. Entretanto, saibam de antemão que A Vizinha da Mulher na Janela não é uma paródia provocativa direcionada aos filmes que destacam pessoas solitárias que passam os dias desocupadas e espiando à vida alheia, mas sobre elas propriamente.
Temos aqui uma acessível narrativa que mira algumas meditações via humor, enquanto entretém seus assinantes através de bom conto de mistério na suburbana classe média alta americana. Exatamente como a maioria dos livros que lê nossa protagonista.
Observando o mundo passar da janela da sala de estar, Anna (Kristen Bell), de coração partido, mira em um novo e charmoso vizinho até testemunhar um assassinato acontecendo do outro lado da rua. Qual será o destino de Anna após tal acontecimento: heroína ou doida varrida?
Entre caçarolas e vinhos
A Vizinha da Mulher na Janela é daquelas obras que demoram para engatar a terceira marcha, porém, quando engatam e pisam no acelerador: vão com tudo até o ponto final!
E se por um acaso forem do tipo que adoram uma história que não tem receio de pular de cabeça em alguns absurdos comportamentais. Aí então é só correr para o abraço!
A troca de marcha aconteceu no quarto episódio da minissérie Netflix, uma vez que antes disso apenas transitávamos por um enredo que bebia muito mais da fonte sobre histórias de assassinatos.
Dali em diante ganhamos uma trama que vai inserindo um tipo de humor seco, repetitivo e um tanto deslocado, que vão naturalmente elevando o nível do material para um lugar de maior destaque. Isso sem esquecer que também estamos falando de uma narrativa do tipo mistério, claro.
Mas o foco ainda é a comédia surreal encontrada em A Vizinha da Mulher na Janela, que nada mais é do que uma forma de humor baseada em violações deliberadas do raciocínio causal, produzindo eventos e comportamentos que são obviamente ilógicos. As construções tendem a envolver justaposições bizarras, incongruências, além de situações completamente irracionais.
Tal humor surge da subversão das expectativas do assinante Netflix, de modo que a diversão se baseia na imprevisibilidade. O humor derivado obtém seu apelo do ridículo e da improbabilidade das situações ocorridas.
Resumindo: é tudo tão maluco que só rindo mesmo!
A mente prega peças em nós
Agora, o mais absurdo de tudo não foi observar que a infusão humorística da narrativa conseguiu acrescentar certos valores ao enredo de suspense, mas sim como foi capaz de gerar uma meditação inteligível sobre alguns tópicos bem interessantes.
Analisaremos, por exemplo, uma crítica à cultura dos reality shows, que em alguns específicos casos, viram nossos olhos para um quadro que não necessariamente exprime a verdade, porém, uma vez presos emocionalmente àquela “realidade”, buscamos alterá-la para que se encaixe em crenças já pré-estabelecidas anteriormente. É como uma permissão que nos damos para julgar, ou até mesmo intervir, sem se preocupar com as consequências ou danos que podemos causar ao próximo.
Também observamos uma preocupação com os perigos do alcoolismo, representadas de maneira muito precisa pelo roteiro criado pelo trio Rachel Ramras, Hugh Davidson e Larry Dorf. Especialmente por expor como funciona a rotina diária de repetição de um alcoólatra, que na maioria dos casos não tem consciência da própria condição.
Por A Vizinha da Mulher na Janela, vemos que a Netflix fez questão de dar sentido àquele pensamento que diz sobre conhecer alguém que é muito mais do que os olhos podem ver.