Quando a sexta temporada de Vikings colocou um ponto final em sua trajetória a um dia do fim do fatídico ano de 2020, tivemos alguns tantos que sentiram-se órfãos, uma vez que a série de drama histórico recheada de cenas de batalhas angariou uma legião de fãs assídua em um curto espaço de tempo.
Agora, pouco mais de um ano do fim da produção estrelada por Travis Fimmel (O Plano de Maggie; Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos; A Rota Selvagem) deixar seus admiradores suando pelos olhos, observamos a toda poderosa Netflix dar um jeito nesta saudade.
Já se encontra disponível para o assinante da plataforma de streaming, Vikings: Valhalla – sequência da série original que iniciou em 2013. Situado cem anos após os eventos de Vikings, acompanhamos as tensões entre os guerreiros nórdicos e a realeza inglesa atingirem um ponto de ruptura sangrento. Soma-se a isso, também testemunhamos que entre eles existe uma colisão das crenças cristãs e pagãs conflitantes. Leif Erikson (Sam Corlett), Freydís Eiríksdóttir (Frida Gustavsson) e Harald Hardrada (Leo Suter) iniciam uma jornada épica que os levará através dos mares e campos de batalha de Kattegat à capital londrina na Inglaterra, e além. Enquanto lutam pela sobrevivência e glória, analisamos o fim da Era Viking, marcada pela Batalha de Stamford Bridge em 1066.
Guerra entre bárbaros
Aqueles que ficaram fascinados com a série original, muito provavelmente vão mergulhar de cabeça em Valhalla, até mesmo porque teremos aqui um dos elementos essenciais quando tratamos de épicos medievais: grandes cenas de batalha campal!
Na primeira temporada, teremos duas grandes batalhas coreografadas envolvendo milhares de figurantes trajados de vestimentas de combate encharcadas de sangue inimigo. Na primeira, vista no episódio ‘A ponte’, notaremos o que temos de melhor de uma sequência de ação focada em exaltar grande escala.
Geralmente, nos acostumamos com a velha fórmula que mostra adversários rivais em lados opostos, correndo de frente na direção um do outro, como as conhecidas ‘muralhas da morte’ (wall of death) presentes em praticamente todos as apresentações musicais comandadas por artistas/bandas pertencentes do gênero hardcore e heavy metal (e suas vertentes).
Porém, Vikings: Valhalla ousa na elaboração de uma cena de ataque bolada na estratégia, sem esquecer o viés (naturalmente) violento de uma grande luta armada de espadas, lanças, machados e flechas.
Enquanto a batalha final da temporada no episódio derradeiro ‘O fim do começo’ faz mais o típico feijão com arroz do dia a dia. Se faltou criatividade, não houve escassez de sangue e decapitações.
Personagens
O trio principal composto por Leif Erikson, Freydís Eiríksdóttir e Harald Hardrada representa o grande atrativo desta produção original da Netflix.
Analisamos que o roteiro encabeçado por Jeb Stuart soube muito bem construir e tratar seus personagens primordiais, de maneira que quanto mais nos aproximamos dos três e as devidas transformações em suas vidas, mais facilmente nos envolvemos com a trama que começa apresentando a animosidade entre a coroa inglesa e os guerreiros vindos do norte.
As performances do elenco principal chegam a surpreender em alguns momentos, principalmente se levarmos em consideração suas diferenças de personalidade.
O herói Leif é o mais introspectivo do trio, deixando suas angústias escaparem em alguns olhares e contrações faciais, o que torna ainda mais assustador quando testemunhamos seu lado mais animalesco, como no episódio final da temporada onde vemos ele como uma fera selvagem, praticamente um urso polar esquartejando seus inimigos; enquanto Freydís já apresentou (muito) menos nuances, porém, não faltou intensidade em sua performance, que ainda surpreendeu nas coreografias de luta; agora, Harald é a carta coringa do baralho, pois admiramos sua capacidade de equilibrar argumentações sobre as escolhas pessoais de cada um no campo religioso, ao mesmo tempo que ficamos perplexos com a sede de vingança que faz seu sangue ferver.
Fica uma menção honrosa à Earl Godwin – vivido pelo ator inglês David Oakes – que nos presenteou com aquele que se revelou como o personagem mais perigoso e sagaz de toda a série produzida pela Netflix.
Temas
Vikings: Valhalla também mostrou ser mais do que um par de intensas sequências de batalha nesta primeira parte, de modo que conseguimos pescar algumas temáticas bem interessantes desse material, ainda mais se levarmos em consideração que estamos assistindo uma história sobre guerreiros impiedosos e brutalmente bárbaros.
O protagonista groenlandês Leif Erikson, assim como o rei Canute (Bradley Freegard), são dois homens que vivem à sombra de suas figuras paternas. Ambos os pais das personagens baseadas em personalidades reais da história foram homens notáveis por atitudes ou ações que possam ser consideradas condenáveis por boa parte das pessoas. Consequentemente, almejam se livrar da marca ou pecha que ambos carregam consigo, apenas pelo fato de serem filhos de quem são.
Também podemos analisar que a série histórica da Netflix mira pontuar a oposição entre mulheres e a Igreja (representada por homens cristãos dominadores). De um lado, encontramos o fanático e vil Jarl Kåre (Asbjørn Krogh Nissen), que tem apenas um (!) objetivo na vida, no caso, assassinar todos os pagãos que se opõem à palavra de Deus e seu seguidor Jesus Cristo; enquanto no extremo oposto temos Jarl Haakon (Caroline Henderson), líder da comunidade Kattegat, que tem como conselheiras algumas tantas mulheres guerreiras muito habilidosas com uma espada medieval em mãos.
A série criada por Jeb Stuart claramente quer indicar que antigamente, assim como nos dias atuais, observaremos uma Igreja cristã tentando influenciar ou mesmo guiar o comportamento e vida das mulheres na sociedade, um poder opressor que continua (!) deixando uma marca de sangue sob o feminino.
São muitas as produções que abordam os males do fanatismo religioso em nossa sociedade, ainda mais quando envolvemos com a parte política. Algo que assistiremos pelos oito episódios dessa primeira temporada de Vikings: Valhalla, que mostra a troca de interesses por um objetivo comum. Claro que uma vez bem sucedidos, não necessariamente teremos todos unidos em prol da mesma causa. Agora, aqueles que um dia foram parceiros ou sócios, tornaram-se rivais mortais.
Sabendo que política é a habilidade no relacionar-se com os outros, tendo em vista a obtenção de resultados desejados, apenas comprovamos que aqueles que detêm o poder, normalmente estão mais preocupados em ter seus caprichos cumpridos a qualquer custo, mesmo que isso mostre-se algo um tanto contraditório ou até incompreensível em certa medida.
Assim como na política brasileira, que de maneira padronizada, insiste nessa “troca de favores” em uma realidade onde nada vem de graça, porém, sabemos muito bem quem são os únicos que saem perdendo desse acordo entre “cavalheiros”.
Na política, todos são vikings bárbaros.