O Mundo Sombrio de Sabrina chega a Netflix prometendo reinventar a proposta da antiga série de comédia estrelada por Melissa Joan Hart, ao mesmo tempo em que replica elementos de grande sucesso da série-irmã Riverdale.
A nova produção traz nomes familiares aos fãs de séries do canal americano CW, como Carl Ogawa e Greg Berlanti, responsáveis por produções capazes de agradarem o seu público com notável eficiência (vide Arrowverse), neste cenário atual da televisão. Riverdale tornou-se um “guilty-pleasure” recorrente entre jovens adultos que abraçaram a proposta da série de misturar suspense melodramático com visuais mais expressivos e atraentes do que era comum para séries semelhantes, até então. O Mundo Sombrio de Sabrina representa um passo além nesta proposta, mais baseada no gênero de terror, e menos focada nos constantes romances adolescentes que preenchem episódios com tanta facilidade.
O motivo para as comparações imediatas gastarem tanto tempo com tramas românticas está na necessidade destas produções de conseguir engajar seu amplo público ao longo de extensas temporadas, com mais de vinte episódios. O Mundo Sombrio de Sabrina não se distancia completamente desta abordagem, ainda consciente de sua eficácia, mas apresenta uma melhor distribuição entre suas tramas, deixando que os aspectos sobrenaturais tomem o foco principal dos episódios, ao invés de serem usados como mero “cenário” para os dramas adolescentes mais familiares ao público.
A série desenvolve o romance de Sabrina com seu namorado de maneira orgânica e coerente, longe de buscar os mesmos apelos luxuriosos que tornam Riverdale tão atrativa ao público. Ainda assim, há diversos momentos em que o comportamento sedutor de personagens típicos das séries da CW, ganha seu espaço por aqui, mesmo que pontualmente.
O Mundo Sombrio de Sabrina reserva momentos distintos de terror grotesco e choque visual para cada um de seus episódios, muitos deles executados de maneira instigante para, até mesmo, o espectador que estiver acostumado com produções propriamente aterrorizantes. A caracterização de diversos demônios e criaturas maléficas que são introduzidos nesta primeira temporada é digna de nota, e deve proporcionar momentos de tensão (ou repulsa) o suficiente para manter o espectador interessado.
A maneira como a série compõe sua mitologia não apresenta muitos traços propriamente originais, mas esta é, pelo menos, vasta o suficiente para entreter qualquer fã de fantasias macabras (a magia é proferida em latim, satanismo fantasioso, possessões, goblins, necromancia…), Estes elementos sobrenaturais são, muitas vezes, retratados de uma forma exuberante (ou, até mesmo espalhafatosa), que realçam o tom e atmosfera propostos pela série.
O elenco, por sua vez, é composto por atores que trazem o mesmo apelo estético de todas as outras séries típicas da CW, mas seus personagens possuem trajetórias menos dispersivas do que poderia se esperar, abrindo espaço para atuações mais consistentes e, ainda assim, tão cativantes quanto.
Kiernan Shipka interpreta a protagonista com traços meigos e delicados, o que só torna ainda mais envolvente assistir aos momentos de assertividade da personagem, quando esta resolve questionar as tradições e convenções à sua volta. Sabrina é uma “personagem forte”, mas retém uma personalidade particular, perante tantos outros exemplos que deixam-se cair nos estereótipos perpetuados por diversas produções atuais. Seus dilemas, por mais juvenis que possam parecer, são retratados com convicção o suficiente para que não se tornem entediantes.
MIchelle Gomez, interprete da antagonista Sra. Wardwell, também merece destaque em meio ao elenco. A atriz já havia demonstrado uma versatilidade memorável em Doctor Who, onde conquistou boa parte dos fãs da série com sua interpretação excêntrica, e repete esta eficiência em O Mundo Sombrio de Sabrina ao produzir boa parte do sentimento de insegurança que sua personagem precisa impor ao espectador, enquanto adiciona uma postura distinta à sua interpretação.
Embora os primeiros episódios da série tragam uma narrativa mais contínua do que poderia se esperar, por exemplo, na tv aberta, os episódios seguintes apresentam histórias mais contidas, sempre focadas em eventos específicos que atormentam Sabrina em seu novo “status quo”, estabelecido após o julgamento do terceiro episódio.
Tais episódios podem demonstrar como a série lidaria com uma temporada mais extensa, e embora não sejam tão engajantes quanto a trama mais abrangente que vinha sendo construída até então, não caem na redundância, ou soam descartáveis, com o ritmo da história sendo retomado plenamente na reta final. Esta estrutura acaba tornando a série melhor adequada ao consumo episódico (também, por conta da longa duração de seus episódios), ainda que seus mistérios principais instiguem o espectador a consumí-la em uma única sessão.
Não há como negar que as tramas envolvendo o “mundo bruxo” são muito mais interessantes que qualquer umas das tramas secundárias. Estas são, geralmente, protagonizadas por seus amigos, que compõem seu “mundo humano”, e embora o contraste de ambos os cenários funcione para o desenvolvimento adequado da protagonista (perante seus dilemas), não deixam de ser as partes mais arrastadas e menos motivantes de cada episódio. Ao menos, quando chegamos ao último episódio, todos os personagem acabam tendo seus momentos de destaque, montando uma épica defesa para se protegerem da grande ameaça que os assola, em um clímax digno da construção atmosférica que a série conseguiu produzir durante esta primeira temporada.
E por fim, temos uma protagonista cuja jornada não pareceu forçada, ainda que caia nas conveniências de um roteiro pouco criativo, porém bem executado. Sabrina se mostra alterada pelos eventos desta primeira temporada, e o último episódio ainda faz questão de enaltecer estas mudanças, nos dando um pequeno vislumbre das condições em que podemos esperar a personagem, no próximo ano. Ao mesmo tempo, até mesmo os amigos de Sabrina já não são mais tão “mundanos” assim, e prometem ter um envolvimento mais próximo dos temas principais da série, nas histórias que ainda estão por vir.
Um ótimo começo para uma proposta bem executada, esta primeira temporada de O Mundo Sombrio de Sabrina consegue produzir todos os apelos necessários para cativar o seu público-alvo mais imediato (fãs de RIverdale), e ainda tem entretenimento de sobra para agradar à espectadores casuais que possam encontrá-la descompromissadamente. Com a segunda temporada já confirmada pela Netflix, a série demonstra ter potencial para ser um sucesso instantâneo. (E como bônus, ainda tem uma das aberturas mais legais que vi nos últimos anos )