Revelada a nova temporada de Punho de Ferro e, desta vez, espera-se que o punho energizado de chi do super-herói, seja capaz de derrubar paredes e inimigos, e não mais o espectador, de tédio. Seguindo os eventos após o final de Os Defensores, acompanhamos a vida em casal de Danny Rand e Colleen Wing, que remodelaram o dojo em um lar aconchegante. Danny, que recebeu o bastão de Matt Murdock como o novo protetor da cidade de Nova York, vive paranoico, ainda mais tentando equilibrar os negócios da empresa, auxiliado por Ward, que tem relação conturbada com Joy, que se uniu a Davos contra Danny.
Antes de entrarmos na segunda temporada de Punho de Ferro, vale recordar a desastrosa primeira temporada da série, lançada no começo de 2017. Sob o comando do criador Scott Buck, a produção da Netflix conseguiu desagradar público e crítica especializada. E não teria como ser diferente. Dentre tantas defasagens, e até equívocos, alguns se destacam negativamente em maior escala, como: as cenas de luta, na maioria bem frouxas, além de pobremente coreografadas, ainda mais prejudicadas por uma câmera confusa, mal posicionada e com excesso de cortes, tornando pouco marcante, chegando ao ponto de incomodar; o roteiro, paupérrimo, cheio de diálogos e situações muito previsíveis ao longo de treze episódios, também desconexo, quando não puramente canhestro, criando muita dificuldade para o elenco conseguir transformar qualquer frase, em algo minimamente verossímil; por final, seu protagonista interpretado por Finn Jones.
Uma série, assim como um filme, por vezes, consegue sobreviver com algumas poucas desigualdades. Mas, se existe algo central que é necessário para manter o espectador ligado a história sendo contada, é um protagonista que consiga carregar a narrativa nas costas, entretendo, instigando e atraindo. Finn Jones muito mal dirigido não consegue pontuar em nenhuma destas vias. É injusto apontar o dedo apenas para o ator. O falecido cineasta Sydney Pollack dizia que não havia atores ruins, mas sim, diretores que não sabem dirigir um elenco. Uma opinião polêmica, mas fundamentada se levarmos em consideração alguns exemplos deste século. O quão criticados foram os atores Robert Pattinson e Kristen Stewart, por seus papéis na saga Crepúsculo, e o quanto foram elogiados mais recentemente por suas performances, no caso de Pattinson em The Rover – A Caçada e Bom Comportamento, e Stewart em Acima das Nuvens e Personal Shopper, ambos filmes que a atriz foi dirigida pelo francês Olivier Assayas. Da mesma maneira, pode se transformar a carreira do ator de Punho de Ferro.
Assim, diante destes fatos, a pergunta que fica é: a segunda temporada de Punho de Ferro conseguiu fazer melhor que a primeira parte? Sim. Houve melhora, mas moderada. Agora, sob a tutela de M. Raven Metzner que substitui Buck, a série da Netflix fica bem menos rocambolesca, em todos os termos. Principalmente, pelo fato desta parecer ter definido com mais solidez o caminho que busca seguir, seja pelo tom da narrativa ou manejo fotográfico, a parte algumas cenas internas exageradamente escurecidas, como nos piores momentos dos filmes da DC.
Um dos que aproveita essa nova curva ascendente é o herói da história. Muito mais solto, e a vontade, além de ter diminuído boa parte dos tiques apresentados nos episódios do ano passado, como toda vez que ficava ansioso ou nervoso, mesmo que de leve, aumentava o ritmo de sua respiração de maneira quase histérica. Ainda pode evoluir mais, nas cenas de pancadaria, mas primordialmente, nas situações mais dramáticas, que se aproximam da catarse. Quem aproveita mais a oportunidade de um roteiro mais compacto que não fica atirando para todos os lados é a atriz Jessica Henwick, que após a primeira temporada, levantou a questão de quem se mostrou melhor protagonista: ela ou Finn Jones. Se, nos três primeiros episódios da atual temporada, que repetem os maiores defeitos da série, tanto a narrativa quanto a personagem Colleen Wing mostram-se cambaleando, quando chega o quarto episódio, há uma virada, de trama, e principalmente, ritmo. Interessante que, entre roteiristas e diretores desta segunda temporada, temos seis mulheres envolvidas no processo criativo da série. Não apenas uma manobra inclusiva que mostra inteligência emocional, mas acima disso, um direcionamento conceitual no enredo, que ficará claro no oitavo episódio.
Antes, mesmo as boas perspectivas de tratamento de algumas das personagens, ficavam perdidas no meio de tantos elementos desarmônicos, mas com um roteiro mais limpo e focado, como é o caso desta temporada, fica mais fácil apreciar, e fidelizar o espectador, afinal, séries se resumem a isto. A parte a personagem Misty Knight, interpretada de forma irregular por Simone Missick, o restante do elenco principal apresenta fluente desenvolvimento de tratamento. Danny Rand continua com seus questionamentos sobre o real propósito de seus ensinamentos e a lenda do Punho de Ferro, além da raiva contida que sente; Colleen Wing e seus medos, seja dos fantasmas do passado, ou de suas ações; Ward, herói improvável, com seus traumas e vícios; Joy e a confusão entre pensamentos e emoções, que a levaram ao ressentimento; além de Davos, o antagonista rigidamente disciplinado, preterido, que sofre de complexo de abandono. Aliás, assim como na primeira temporada com David Wenham, no papel de Harold Meachum, pai de Ward e Joy, a série continua a explorar o tema de relacionamentos abusivos entre pais e filhos, e as sequelas que perduram.
Mas, se pudermos indicar um elemento da história que aproveitou ao máximo sua presença, é a personagem Mary Walker, interpretada com muito vigor e talento pela atriz Alice Eve, provavelmente entregando sua melhor performance na carreira. Aqui, o maior acerto desta temporada supervisada por M. Raven Metzner. Em uma atuação, menos diversificada, mas similar a de James McAvoy em Fragmentado, a atriz assume o papel de maior imã da atração. No baralho, ela é como a carta coringa, que pode ser usada para tipos diferentes de jogadas, algo próximo a personagem Ilsa Faust da cinesérie Missão: Impossível. Da aparição da personagem, logo no primeiro episódio ao último, testemunhamos uma evolução estimulante, ou seja, começa bem e termina curiosamente especulativo. Se precisar de qualquer motivo, para continuar acompanhando a série da Netflix, daqui em diante, certamente Alice Eve proporcionou um montante destes.