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Super Drags | Crítica - 1ª Temporada

A Netflix já produziu diversas séries que carregaram uma certa polêmica em seus lançamentos, mas Super Drags com certeza deve ficar marcada como uma das apostas mais ousadas da plataforma.

Digo ousada pois, por um lado, a série aborda temas vistos como impróprios para uma expressiva parcela do público. Por outro lado, no entanto, qualquer produtor de televisão seria capaz de reconhecer o potencial inexplorado que Super Drags consegue capitalizar com tanta eficiência. Essencialmente, o que temos é uma paródia dos típicos super sentais japoneses (“é hora de montar!”), e de séries como “As Panteras” e “Três Espiãs Demais”, repleta de elementos característicos da cultura desenvolvida pela comunidade LGBT.

E sua execução nunca se dispõe a ir além da total descontração. As personagens têm poderes especiais (com nomes próprios, assim como em desenhos japoneses) e até mesmo sua própria versão dos famosos “megazords” que almejam poder usar, tudo perfeitamente reconhecível para o público geral.

Tal proposta possui um apelo evidente para uma grande parte dos espectadores da Netflix, e ainda consegue ser reproduzida sem muitas dificuldades para a audiência internacional da plataforma, em uma animação simples com apenas cinco episódios de vinte e poucos minutos. Embora muitos encarem a produção de uma série como esta como um ato de “transgressão”, a verdade é que Super Drags é simplesmente um bom negócio, tal qual qualquer outra série que precisa ter um orçamento aprovado para ser produzida.

Seguirei o exemplo da Netflix, e ecoarei os vários avisos de que esta não é uma série destinada ao público infantil. Embora os traços do desenho possam parecem destinados à este público, é preciso lembrar que boa parte da geração atual (consumidora de séries) aprecia este tipo de visual lisérgico e espalhafatoso, principalmente em animações e comédias. A série se esforça para deixar bem claro que sua intenção é dialogar com um público jovem-adulto que se verá reconhecido nas situações e reações destes personagens, e deve conquistar seus objetivos sem muita dificuldade.

O lado “paródia” de Super Drags não é dos mais inventivos, e brinca com os principais aspectos de suas referências narrativas como se os riscasse de uma lista de afazeres. A grande distinção da série fica por conta do uso contínuo de gírias e figuras de linguagem que já são plenamente reconhecidas como parte do “dialeto” utilizado por diversos membros da comunidade LGBT, produzindo momentos cômicos que não costumam ser explorados adequadamente na televisão. O mesmo pode ser dito dos diferentes estereótipos que a série ironiza (como o personagem que acha difícil encontrar “homens gays que não dão pinta”), sempre de maneira pouco comprometida e cômica.

A ideia da série de tratar Drag Queens como super-heróis não é, nem de longe, tão abrupta quanto alguns poderiam pensar. Dentro de minhas limitadas referências (a maioria delas, vindas das várias temporadas de Ru Paul´s Drag Race), compreendo que estes artistas encaram suas personalidades fictícias como uma forma de expressar aquilo que é reprimido em suas “identidades secretas”, traçando diversos paralelos entre suas vidas-duplas e as rotinas dos típicos heróis de HQs. Explorar estes paralelos chega a ser uma ideia quase óbvia, tanto que um poderia dizer que Super Drags demorou até mais do que se esperaria para ser concebida.

Personagens homossexuais já foram retratados diversas vezes na televisão, mas geralmente trazem interpretações debochadas de estereótipos rasos. Super Drags procura abraçar até mesmo os traços cômicos mais exagerados de novas versões destes esteriótipos, mas sem o tom de deboche, e sim com as personagens auto-afirmando e enaltecendo suas personalidades. Esta deve ser a principal diferença que faz com que a série não apenas represente um lado pouco explorado da sociedade, como também dialogue com mais propriedade do que em outras representações cômicas.

A maneira como a série encara os principais debates e polêmicas que envolvem a comunidade LGBT procura encontrar sua descontração no exagero, e condiz perfeitamente com o pensamento de boa parte do público para o qual a série se propõe. Os membros da igreja que condenam homossexuais são tratados como retrógrados extremos, que declaram a era dos dinossauros como sendo o “mundo perfeito”, e o meteoro que os exterminou é que teria sido o responsável por trazer o suposto “vírus gay”. Tamanho exagero não tem espaço para ser interpretado como nada além de mera sátira, e ainda o faz com uma eficiência cômica que condiz, e muito, com a abordagem da série.

Ao mesmo tempo, Super Drags não deixa de aproveitar seu espaço para incluir algumas passagens de responsabilidade social em seus episódios, como críticas à “body-shaming” e mensagens de união. Seria muito difícil pensar que uma série tão voltada para este público específico não iria reproduzir os principais pensamentos desta comunidade, sempre marcada pela perseguição, pela intolerância e pelo preconceito. Os antagonistas da série representam enfaticamente os principais obstáculos enfrentados por aqueles que a série busca agradar, deixando de lado qualquer tentativa de ampliar seu público, ou conquistar críticos de sua proposta.

É importante notar que o humor da série depende quase completamente da compreensão que espectador tem da linguagem usada pelas personagens. Nesta que é uma produção brasileira, muitas das gírias e “piadas de internet” específicas ao nosso público nunca poderiam surtir os mesmos efeitos em audiências internacionais. Sendo assim, a série traz um elenco de drag-queens famosas nos EUA para dublar a animação em inglês, adaptando diálogos e garantindo que as intenções da série sejam preservadas fora do Brasil. Caso o espectador não tenha nenhum contato com estas figuras de linguagem, é pouco provável que consiga entender a graça por trás de várias pequenas falas.

Super Drags é uma série simples, sem grandes aspirações, feita para capitalizar em cima de aspectos sociais cuja representatividade costuma ser pobre ou, muitas vezes, equivocada. Para padrões midiáticos mais tradicionais, muito do que o universo de drag queens acaba trazendo poderia ser interpretado como vulgaridade gratuita, mas a evolução deste cenário vem mostrando que o verdadeiro conceito por trás destes artistas gira em torno da necessidade de ser feliz do seu próprio jeito, e não se deixar levar por opressões ou normas. Com certeza não é pra todo mundo, mas o catálogo da Netflix ficou um pouquinho mais colorido.

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