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The Sinner | Crítica - 2ª Temporada

A segunda temporada de The Sinner tem a difícil tarefa de produzir novas tramas tão bem-elaboradas quanto no primeiro ano (estrelado por Jessica Biel), e demonstra plena capacidade de perpetuar seus temas principais, ainda que com focos distintos.

A primeira temporada, focada na trajetória da personagem Cora, intrigava o espectador através de desenvolvimentos mirabolantes que alteravam completamente a interpretação sobre o caso em questão. Meros detalhes acabavam questionando os motivos por trás das ações da personagem, e a estrutura não-linear da trama conseguia preencher as lacunas da história de maneira envolvente, sempre mantendo o andamento da investigação de uma forma acessível para que o público pudesse solucionar o mistério no mesmo ritmo do detetive Harry Ambrose (interpretado por Bill Pullman).

Este novo ano acaba comprovando ainda mais a eficiência da primeira temporada, no que diz respeito à construção de seus personagens e da exposição de seus temas, sempre voltados para a moralidade e os impulsos do ser humano. Embora a protagonista da história fosse Cora, com sua trajetória envolvendo uma forte pressão religiosa, o título da série (O Pecador) também poderia ser perfeitamente atribuído à Ambrose, e suas compulsões. O detetive assume o protagonismo inquestionável desta segunda temporada, e retoma o arco de redenção (ou resigno) que o personagem deixou em aberto no fim do primeiro ano.

Desta vez, o caso envolve o jovem Julian, que confessa ter envenenado seus supostos pais durante uma viagem de férias. Tal qual na primeira temporada, o evento acaba sendo apenas a porta de entrada para um caso muito mais complexo e abrangente, envolvendo uma seita religiosa com métodos questionáveis e novas perspectivas sobre esta eterna busca do ser humano por resolução. Mesmo que não tenhamos toda a intriga que a memória falha de Cora trazia anteriormente, a série ainda demonstra ter plena capacidade de expandir suas reflexões através da observação parcial de Ambrose.

Embora o ritmo desta nova temporada tenha sofrido um pouco com a necessidade de se manter a estrutura não-linear, os novos personagens são substanciais o suficiente para complementar a nova trajetória do detetive, com perspectivas relevantes que não soam artificiais perante a necessidade do roteiro de gerar novos confrontos, em um novo cenário. Poucas séries seriam capazes de conseguir manter as mesmas propostas temáticas e narrativas sem apelarem para tramas derivativas ou um simples aumento de escala, mas The Sinner demonstra ter mais o que dizer, e consegue entreter o público ao mesmo tempo em que retoma seus pensamentos originais.

Obras de mistério costumam trazer uma destas três abordagens: Podemos acompanhar a investigação tentando descobrir quem cometeu o crime (“whodunnit”, como costumam chamar em inglês), porque cometeu o crime, ou como cometeu o crime. The Sinner abraça a segunda abordagem, e não esconde a identidade de seus personagens centrais, preferindo explorar as circunstâncias e motivações por trás de atos inicialmente incompressíveis. A maneira como a série consegue elevar estas circunstâncias para proporções impactantes é o principal fator pelo qual o espectador se sente cada vez mais intrigado pela resolução do crime, criando uma progressão com notável dinâmica e versatilidade.

Como em truques de mágica, uma história de mistério precisa afastar a atenção do público para longe de onde o truque realmente está acontecendo, e redirecionar o interesse para os aspectos que precisam ser enaltecidos, construindo a expectativa necessária para que as revelações possam ter o impacto almejado. Tal qual na primeira temporada, esta nova trama traz um contexto que se expande com fluidez, e faz com que o mistério não pareça ter sido resolvido por mera conveniência.

Cada episódio é cuidadosamente pensado para progredir a compreensão do caso em questão, com diversos “cliffhangers” eficientes, que podem deixar o espectador plenamente satisfeito em uma maratona, ou manter o engajamento semana após semana. Mesmo neste cenário televisivo atual, onde serviços de streaming só ganham cada vez mais popularidade, é importante ressaltar as séries que conseguem cumprir seu papel “seriado” tanto quanto agradam o público mais disposto à consumi-las em uma única sessão.

Parte dos resultados positivos desta temporada também podem ser atribuídos à atuação de Bill Pullman, que interpreta este estereótipo do velho detetive frustrado com uma personalidade menos clichê do que poderia se esperar. O protagonista é amigável, ainda que apresente falhas e receios o suficiente para que o espectador fique intrigado com suas ações e reações. Carrie Coon também tem grande destaque nesta temporada, e não deveria ser deixada de lado na época de premiações.

The sinner dedica muito tempo ao aprofundamento de seus personagens, e os coloca em meio à situações complexas que exigem reações impulsivas e emocionalmente expressivas, gerando um grande potencial para que o elenco da série possa entregar interpretações memoráveis. O jovem Elisha Henig, que interpreta Julian, é um ator mirim que merece atenção, responsável por momentos cujo empenho emocional é essencial para cena, e que consegue transparecer os dilemas deste difícil personagem infantil sem parecer caricato ou superficial.

“Quando deixamos de ser culpados? Quando isso acaba?”

A visão que The Sinner tem sobre seus aspectos religiosos produz diversos momentos interessantes para o espectador que dedica uma certa reflexão ao temas tratados pela série. Afinal, o que constitui um pecado? Esta definição seria ditada por instituições e ensinamentos, ou ela poderia vir de dentro? Nossa “bússola moral” é válida para julgar nossas ações dentro de cada trajetória pessoal, ou estaríamos fadados às circunstâncias, sem nenhum controle sobre nossas reações? AInda que estas divagações nem sempre sejam o principal foco da série, elas estão espalhadas por todos os episódios em pequenas representações, e são o principal motivo pelo qual futuras temporadas seriam muito bem-vindas.

Em sua conclusão, esta segunda temporada se despede com reviravoltas tão impactantes quanto vimos no primeiro ano, e embora o apego que Cora conquistou no espectador possa fazer falta, The Sinner demonstra que possui plena capacidade de construir personagens tão complexos quanto antes, compostos por falhas e receios intrigantes, e equilibrados com traços familiares e empáticos o suficiente para que o público não possa simplesmente dispensá-los como “bons” ou “maus”. Ambrose continua sua busca por uma redenção que não é mais considerada essencial. Ao invés disso, o personagem se apresenta compelido a, simplesmente, buscar compreensão, e sua jornada ainda tem muito para se explorar.

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