O romance O Lagosta, que está na Netflix foi exibido em primeira mão no Festival de Cannes em 2015.
A história é pra lá de bizarra: em um futuro distópico, as pessoas são proibidas de viverem sozinhas. Caso se tornem solteiras, são imediatamente encaminhadas a um hotel especial, onde podem permanecer por até 45 dias.
Durante este período, são incentivadas de todas as maneiras possíveis a encontrar um novo parceiro para a vida entre os próprios hóspedes. Caso não consigam, são transformadas em um animal — qualquer animal — que a própria pessoa escolhe e, a partir de então, vivem soltas na natureza.
A lagosta, do título original, é o animal escolhido pelo personagem de Colin Farrell, que acaba de chegar ao hotel. Farrell aparece fora de forma, com uma notável barriga e um semblante constantemente desanimado, reflexo de sua recente separação.
É a partir de sua experiência no lugar que o público tem a chance de conhecer as peculiaridades do funcionamento deste hotel. O processo começa com um questionário repleto de sarcasmo, estabelecendo o tom absurdo e irônico que permeia todo o filme.
O filme é recheado de situações absurdas que, por mais que surpreendam, possuem uma certa lógica dentro deste universo rigorosamente controlado e, às vezes, politicamente incorreto. A narrativa oscila entre o humor duvidoso e a crítica social, abordando de maneira incisiva temas como a pressão social para estar em um relacionamento e a desumanização dos indivíduos solteiros.
É neste ponto específico que brilha o trabalho de Yorgos Lanthimos e Efthymis Filippou, a dupla de roteiristas que criou este mundo estranho e criativo. O roteiro inteligente e a direção habilidosa de Lanthimos transformam essa premissa bizarra em uma reflexão profunda sobre a natureza das relações humanas e as expectativas sociais impostas sobre nós.
O filme provoca o espectador a questionar as normas e convenções que muitas vezes aceitamos sem questionar. A atuação de Colin Farrell e Rachel Weisz junto com um elenco talentoso, traz uma profundidade emocional ao filme que equilibra perfeitamente o tom satírico e surreal da história.
Humor seco e direto
No entanto, mais do que simplesmente divertir – o que consegue principalmente no primeiro terço – O Lagosta aborda com profundidade a questão do livre arbítrio nos relacionamentos amorosos.
É interessante notar que, apesar das várias atividades de incentivo entre os hóspedes do hotel, todas parecem extremamente artificiais. Mesmo os novos casais nunca alcançam uma normalidade genuína, devido às condições impostas para sua formação.
O filme exalta a artificialidade, contrastando-a com a punição da naturalidade não tanto pela liberdade de escolha dos parceiros, mas pela minimização dos riscos ao controlar os sentimentos. Este tema é particularmente fascinante em um futuro totalmente controlado.
Apesar de toda sua criatividade e acidez, O Lagosta sofre uma queda de ritmo no segundo ato, quando o personagem de Farrell precisa mudar de ambiente. Apenas quando Rachel Weisz finalmente deixa a narração em off para assumir um papel na tela é que o filme recupera seu fôlego. Apesar dessa instabilidade, é um filme que merece ser visto pelo seu humor seco e direto, que frequentemente reflete paralelos com nossa vida cotidiana.
Assista ao trailer de O Lagosta da Netflix: