Uma das primeiras séries originais da Netflix, Unbreakable Kimmy Schmidt chega ao fim com os últimos episódios da quarta temporada buscando trazer uma certa resolução para seus personagens, sem nunca deixar de lado o tom absurdo do universo que criou.
Unbreakable Kimmy Schmidt tinha um apelo considerável em sua estreia. Além de ter o nome de Tina Fey entre os criadores, a premissa da série sobre uma jovem otimista chamada Kimmy (Ellie Kemper) que passou anos presa em um abrigo de um maníaco, e agora finalmente pode experienciar o mundo atual, era uma proposta atrativa para o público. E a abordagem descontraída característica de Fey ajudou a executar muito bem a evolução desta personagem em meio as sátiras sobre os padrões do “novo mundo” (Para aqueles que não conhecem Tina Fey, ela também interpretou a psicóloga de Kimmy durante a série) .
Mas, convenhamos, esta proposta dificilmente conseguiria provar sua longevidade, e a “fascinante transição” de Kimmy para o mundo atual teria que ser concluída, de um jeito ou de outro. Na terceira temporada, já começamos a ver a série procurando reinventar as dinâmicas entre os personagens principais e produzindo novas tramas que pudessem agregar novas perspectivas à este universo paralelo absurdo que a série construiu. Mas eis que, então, a quarta temporada traz uma conclusão para o arco de Kimmy Schmidt e seus amigos nova-iorquinos que pode não ser das mais bem trabalhadas, mas é condizente com o tom que a série sempre manteve em cada episódio.
A quarta temporada inteira mostrou-se ativamente influenciada pelos escândalos de Hollywood dos últimos anos, citando os movimentos #MeToo e #TimesUp. E embora muito do que a série se propõe a retratar representa boa parte da mentalidade progressista que a indústria do entretenimento vem enaltecendo, Unbreakable Kimmy Schmidt soube trabalhar tópicos como “abuso sexual” e “igualdade de gênero” com um louvável discernimento, sem repetir discursos apenas por repeti-los, mas sim representando-os de forma cômica, leve (ainda que pontual) e, até mesmo, didática.
Muito desta abordagem descontraída da série só funciona com o máximo de seu potencial, por conta da interpretação marcante de Ellie Kemper como a protagonista inocente e moralmente admirável. Nós, os cínicos espectadores que entendem a hipocrisia e a futilidade do mundo representado na série, somos levados a rir de toda esta desgraça por conta da perspectiva que Kimmy acrescenta em cada situação. Assuntos tão sérios quanto o movimento #MeToo puderam ser trabalhados com uma certa isenção (ou liberdade) que poucas comédias conseguem alcançar, e ainda assim, apresentando argumentos relevantes sobre, por exemplo, gentrificação, mídias sociais, culto de personalidade, e por aí vai…
Este tipo de humor, tão comum às séries da NBC e aos talk-shows americanos, se manteve consistente durante toda a série, e esta última leva de episódios continua prezando o espaço que Unbreakable Kimmy Schmidt sempre proporcionou para exercícios de comédia. Tina Fey tem uma parte relevante de sua escrita vinda do modelo de esquetes que os americanos tanto adoram, e podemos perceber essa influência na maneira como cada episódio da série parece brincar com circunstâncias mirabolantes para gerar tramas completamente variadas (A série também foi criada por Robert Carlock, que não é, nem de longe, um novato no cenário das sitcoms).
Tivemos várias participações especiais nestes últimos episódios. Jon Bernthal, Zachary Quinto, Steve Buscemi são, talvez, os maiores destaques, mas vários outros atores que já apareceram na série retornam para se despedir. É sempre gratificante quando séries conseguem encerrar seus ciclos sem deixar de lado os personagens que tiveram grandes influências até aqui. Lilian (Carol Kane) precisava de um último momento com os “amores de sua vida” e Kimmy conversando com Xanthippe traz de volta a dinâmica da primeira temporada, brevementeeeee. Neste sentido, a conclusão torna-se mais válida.
No entanto, se a série ainda se mostra plenamente capaz de produzir suas sátiras, senti falta de arcos narrativos mais significantes para os personagens. Titus (Tituss Burgess) sempre foi egocêntrico, e muitas das suas enrascadas vinham deste defeito, mas não me parece que o personagem aprendeu muita coisa com esta trajetória. Lillian nunca queria mudar seus hábitos, e sua conclusão talvez seja a mais marcante. Jaqueline (Jane Krakowski) com sua futilidade e Kimmy com sua inocência, também não tiveram catarses realmente impactantes. Fico com a sensação de que estes últimos episódios encerram os arcos apenas por que era necessário, não apresentando muitos esforços em tentar produzir algo mais orgânico para os personagens.
Unbreakable Kimmy Schmidt conseguiu construir um espécie “presente alternativo”, onde as típicas piadas e subversões que costumamos ver em tramas que procuram prever o futuro com humor, são aplicadas de forma contemporânea. A tecnologia, o entretenimento e até a forma como as pessoas se relacionam na série é sempre reconhecível, porém estranha, peculiar. Este mais um aspecto da suspensão de realidade que tornam a produção tão aproveitável e distinta, além de (ao menos, em teoria) permitir que os roteiristas possam encerrar suas tramas de forma tão arbitrária.
Talvez esta fosse mesmo a melhor hora para Unbreakable Kimmy Schmidt ser concluída. O trauma da protagonista já estava ficando muito distante, precisando sempre ser retomado de formas criativas para que a série não acabasse se dispersando demais (o documentário “baladeiro” é um dos meus momentos favoritos da série). E com este final feliz para os personagens, pelo menos a série manteve-se fiel à sua perspectiva descontraída, sem reviravoltas muito mirabolantes, apenas deixando estes personagens irem embora satisfeitos.
Se o público ficará satisfeito, acredito que já é outra história. Com a tal suspensão de realidade tão bem estabelecida ao longo da série, o céu era o limite para todas as possibilidades que poderiam ser exploradas. E na Netflix, ainda por cima, até mesmo o formato da série não precisaria se manter o mesmo. Com uma abordagem tão eficiente para tratar de temas contemporâneos, creio que o melhor caminho seria trazer novos personagens e propor alguma série derivada que pudesse continuar esta exploração. Infelizmente, não foi esse o caso (mas a esperança é a última que morre…)
Espero ansiosamente pelo próximo projeto de Tina Fey, mas Unbreakable Kimmy Schmidt sempre ficará marcada entre as comédias da autora por ser, provavelmente, a sua mais peculiar e desinibida empreitada.