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Olhar Geek #6 | Precisamos falar sobre Michael Bay, diretor de Transformers

Bem-vindos de volta ao Olhar Geek, e o nosso assunto da semana é o diretor da franquia Transformers e produtor responsável por As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras, que chega aos cinemas nesta quinta, 16 de junho: Michael Bay.

Ele começou a fazer filmes em 1995, aos 30 anos de idade. Antes disso, o jovem nascido e criado em Los Angeles, casa do maior aglomerado da indústria cinematográfica mundial, dirigiu comerciais e venceu prêmios na área. Ainda antes disso, Bay era um mero estagiário na Lucasfilm, cujo primeiro trabalho foi revisar os storyboards de Caçadores da Arca Perdida, que ele achou, aliás, que seria terrível – até ver o resultado final nos cinemas.

Portanto, culpe George Lucas, o mercado publicitário e o produtor Jerry Bruckheimer, que deu a Bay o seu primeiro trabalho em um longa-metragem (que viria a ser Os Bad Boys, de 1995, com Will Smith e Martin Lawrence), pelas polêmicas em que o diretor e a estrela do seu Pearl Harbor (2001), Kate Beckinsale, se envolveram recentemente. Em uma entrevista descompromissada no programa humorístico The Graham Norton Show, da TV britânica, Beckinsale contou um “causo” controverso.

Segundo a atriz inglesa, quando Kate foi escalada para Pearl Harbor, o diretor a escolheu porque ela não era “bonita o bastante para irritar ou distrair as espectadoras femininas”, e seguiu repetindo esse motivo por todas as coletivas de imprensa do filme. Kate ainda contou que Bay exigiu que ela fizesse dieta e exercícios para emagrecer para o filme, algo que não é exatamente pertinente ou necessário ao papel de uma enfermeira na Segunda Guerra Mundial. Não só os padrões de beleza eram outros na época, como o trabalho de enfermeira não exatamente exigia um físico perfeito para se qualificar.

Kate Beckinsale em Pearl Harbor (2001)
Kate Beckinsale em Pearl Harbor (2001)

O diretor mais tarde postou em seu site pessoal a nota menos parecida com um pedido de desculpas de todos os tempos. Mostrando um pôster de Pearl Harbor estrelado por Beckinsale que ele “manteve pendurado em seu escritório nos últimos 15 anos”, o diretor disse que considera a atriz uma mulher linda, e que a mídia estourou a história contada por ela dizendo que os dois se odeiam – segundo Bay, sua relação com Beckinsale é “amigável”. Bay, que está prestes a começar filmagens de Transformers: The Last Knight, seu quinto filme na franquia, ainda disse que exige dietas e exercício para todos os seus atores, não importa os papeis que estão interpretando.

O motivo pelo qual a história contada por Beckinsale é ofensiva, e a resposta de Bay não ajudou nem um pouco, é óbvio. Não cabe a um diretor exigir emagrecimento, dieta ou exercício de um ator cujo papel não condiz com essas exigências – Christian Bale perdendo peso para fazer um viciado em drogas em O Vencedor faz sentido, Bekcinsale precisar perder peso para fazer Parl Harbor não faz. Isso sem contar que as declarações que Bay continuou fazendo nas coletivas de imprensa justificando a sua escalação de Beckinsale mostram uma visão machista e limitada tanto da profissional feminina quanto do público feminino.

A questão é que talvez não devesse ser tão surpreendente que Michael Bay tenha agido da forma como agiu. Seu histórico, sua filmografia, seu comportamento dentro e fora do set, tudo aponta para um padrão que se traduz, obviamente, na mensagem e na natureza de seus filmes. Com a cultura nerd/geek cada vez mais conectada com blockbusters hollywoodianos (pense não só nos filmes da Marvel, mas também em Transformers, outras adaptações de HQs e video-games), e Michael Bay ainda como o maior símbolo desse tipo de cinema, nós precisamos falar sério sobre o tipo de pessoa a quem estamos dando o comando de uma fatia enorme do nosso universo.

Megan Fox e Michael Bay

Não é só Kate Beckinsale

Em um recente artigo, o The Daily Beast se referiu à Michael Bay como “o Donald Trump dos diretores de Hollywood”. Se você não anda acompanhando de perto a eleição americana, aqui vai um rápido resumo: Trump, o atual candidato à presidência do partido republicado, formado pelos conservadores dos EUA, é um empresário e ex-astro de reality show que colocou sua candidatura para a presidência em cima de plataformas como a deportação de muçulmanos e latinos, o retrocesso absoluto das políticas de saúde pública do governo Obama, entre outras coisas. Os famosos discursos egocêntricos, xenofóbicos, homofóbicos e (atenção agora) misóginos de Trump incluem uma história de que o empresário “inspecionava” pessoalmente todas as candidatas de seu concurso de Miss EUA, eliminando ele mesmo as que achava “menos bonitas”.

Embora o Beast talvez tenha abusado da hipérbole ao comparar Bay com Trump, devido principalmente ao estrago social que cada um deles é capaz de fazer, há histórias no artigo que são de arrepiar os cabelos. As principais envolvem, é claro, Megan Fox. Fox, que foi “revelada” por Bay em seu primeiro filme da franquia Transformers, de 2007, teve seu primeiro trabalho com o diretor em Bad Boys II, de 2003. O filme foi lançado quando Megan estava prestes a completar 17 anos, e sua rápida participação como figurante filmada quando ela ainda não tinha feito 16. Quando a atriz se apresentou com o figurino que lhe foi dado – um biquíni com a bandeira americana e um chapéu de caubói vermelho, junto com saltos altos, e os produtores disseram a Bay que ela não poderia aparecer no bar ou com uma bebida nas mãos por conta da idade, o diretor a colocou para dançar embaixo de uma cachoeira artificial.

Megan em Transformers (2007)

O teste de elenco de Megan para Transformers, quatro anos mais tarde, não foi menos perturbador: recebendo a atriz em sua casa, Bay a pediu que lavasse sua Ferrari enquanto ele a filmava. O paradeiro desconhecido da fita é o de menos (a gente espera) – o problema aqui é a forma como Bay escolhe suas atrizes e, consequentemente, vê suas personagens. Um cinemão hollywoodiano que vê as mulheres como um objeto de desejo para ser filmado do jeito mais libidinoso possível, e só isso, não é um cinemão hollywoodiano saudável para ninguém. A impressão é mesmo que Bay incorpora alguns dos hábitos mais terríveis da indústria e os extrapola em uma espécie de persona que, não muito diferente de Trump, apela para muita gente.

E por “muita gente” entenda especificamente garotos em pleno processo de puberdade, dos 16 anos para baixo. Frequentemente descrito como apelativo exatamente para esse público, o segredo de Bay é que ele é um homem de 51 anos que ainda tem todos os instintos e a abordagem de sexualidade de um menino de 16. “Ele quer ser Hitler no set, e ele é. Ele é um pesadelo de se trabalhar, mas se você convive com ele fora do set, e ele não está operando no ‘modo diretor’, ele tem uma personalidade diferente. Ele é tão constrangido, com tudo. Ele não tem nenhuma habilidade social. É quase adorável”, descreveu Fox em uma de suas últimas entrevistas antes de ser reportadamente demitida por Bay da franquia Transformers.

Em suma, Michael Bay é como um garoto adolescente a quem foi dada uma câmera e milhões de dólares de orçamento, que sexualiza e tiraniza sua ideia de “mulher gostosa” em frente à câmera, mas é incapaz de lidar com uma garota por trás dela. Vendo seus filmes, não é tão surpreendente.

Mark Wahlberg, Dwayne Johnson e Anthony Mackie em Sem Dor, Sem Ganho (2013)

“Era melhor ter ido ver o filme do Pelé”

Muita gente aponta Sem Dor, Sem Ganho como o melhor filme de Bay desde A Rocha, de 1996. De fato, esses são provavelmente os únicos dois filmes de Bay pelos quais uma fatia da crítica nutre algum tipo de respeito, embora seja um respeito concedido à contra gosto. Escrito por Christopher Markus e Stephen McFreely, a mesma dupla que vem distorcendo o sonho americano na trilogia Capitão América, da Marvel, desde 2010, Sem Dor, Sem Ganho reproduz a história real de um grupo de assaltantes tão barulhento, tão irresponsável e tão simplesmente estúpido que mal dá para acreditar.

Dwayne Johnson, que é esperto o bastante para interpretar seu papel como uma espécie de paródia de si mesmo, se junta no elenco a Mark Wahlberg e Anthony Mackie, que são largamente incapazes de admitir que o público deveria estar rindo deles, e não com eles. A direção hiper-estilizada de Bay funciona aqui como uma extensão natural da trama, seu visual de cores saturadas e sua grandeza desproporcional ao que está acontecendo em tela se juntando à comédia ácida do roteiro quase que por acaso. Sem Dor, Sem Ganho é uma sátira de tudo o que Bay fez antes dele, uma condenação cheia de escárnio de um ideal “machão” e machista que é todo baseado em se achar maior, melhor e mais importante do que jamais será.

Como bem aponta o artigo do The Daily Beast, os bons filmes que Bay produziu até agora são sem exceção “prolongadas competições de medição de p**” entre dois ou mais homens. E quer saber o que mais? O diretor nem mesmo nega isso. Lá em 1996, ele disse ao The New York Times que as suas histórias seguiam sempre um mesmo modelo: “Todas as coisas que eu fiz desde meus dias de estudante sempre tiveram a ver com relacionamentos entre homens, as peculiaridades e a competitividade que existem nesse relacionamento. Para mim, em um filme de ação, a história sempre tem a ver com uma jornada de herói, e geralmente com um homem mais velho ensinando a um homem mais novo como ser um herói”.

Nessas histórias, as mulheres são ornamentos. Não lhes é permitido iniciativa, atitude, sequer personalidade – com talvez a honrosa exceção da personagem de Scarlett Johansson em A Ilha, as mulheres de Bay mal são permitidas terem uma história própria. Suas histórias são sempre conectadas às dos homens com quem se relacionam, e nunca ultrapassam esses relacionamentos. A elas não é permitido serem heroínas, mentoras, profissionais, nem mesmo vilãs, porque para isso seria necessário lhes dar motivação e apresenta-las como uma ameaça formidável. Exatamente como um garoto de 16 anos com uma câmera, Michael Bay, 51 primaveras nas costas, se sente ameaçado por mulheres assim, e as diminui o quanto pode quando está no comando das coisas.

Mantenha em mente: esses não são bons filmes, nem mesmo quando você desconsidera tudo isso (mas não deveríamos!). Bay não tem a mínima ideia de como manipular a linguagem cinematográfica, e segue dirigindo videoclipes em forma de longas-metragens, achando que mais é sempre melhor, planejando cada tomada para ter o maior choque visual possível, sem se preocupar com linguagem, significado, ambientação ou, aliás, sentido narrativo.

Blockbusters são melhores sem Bay

É claro que Furiosa, a espetacular personagem vivida por Charlize Theron em Mad Max: A Estrada da Fúria (US$400 milhões ao redor do mundo, 6 Oscar), é o principal exemplo de personagem feminina valiosa nos filmes do cinemão hollywoodiano recente. Sua parte na história nunca recorre à sexualização, nem mesmo sugerindo um possível relacionamento amoroso para ela, sua jornada emocional é própria e separada da do protagonista masculino (que está mais para coadjuvante), e iniciativa e excelência são o que não faltam para ela. Na pele de Theron, Furiosa é uma mulher formidável no comando de sua história, e assisti-la é muito melhor do que assistir qualquer um dos filmes de Bay – não só porque Mad Max é mais cinema, mas porque ela está nele.

Mas vale olhar também para Missão: Impossível – Nação Secreta (US$700 milhões ao redor do mundo), que apresentou a primeira personagem feminina forte e digna da franquia na pele da espetacular agente secreta feita por Rebecca Ferguson, finalmente alguém com o estômago e as habilidades para fazer par com o Ethan Hunt de Tom Cruise. Nenhum dos agentes ao redor dele se comparam a seu status de herói de ação, mas ela é talvez a única que poderia, se quisesse, derrota-lo. Ah é, e ela tira os saltos para correr (ouviu, Jurassic World?).

Entre os 10 filmes de maior bilheteria do ano passado, tem também Star Wars: O Despertar da Força (US$2 bilhões), o campeão de 2015, cuja protagonista feminina, Rey, é tudo menos uma donzela em perigo. Entre as coadjuvantes, a antes “Princesa” Leia ganhou título de General, com um exército todo a seu dispor e a mesma coragem de antes para lutar contra o governo tirânico que vê a sua frente. Daisy Ridley e Carrie Fisher praticamente fazem O Despertar da Força, e a história de Rey é a que conduz o filme, e inclusive incentiva um personagem masculino, Finn, a desistir de seus planos de fuga e partir para a luta.

Por fim, Katniss Everdeen chegou ao final de sua aventura em um gênero que, querendo ou não, tem dado mais atenção à protagonistas femininas que a média dos outros. Os filmes de young adult nos deram Katniss, Bella Swan (para o bem ou para o mal), Hermione Granger e mais uma galeria de personagens formidáveis. Katniss se destaca do pelotão porque brilha com a aura e o título de líder de uma rebelião, símbolo de uma nação que se revolta contra aqueles que a governam. Sua posição de poder é absoluta, e quando deixa de ser, ela o recupera. Nas mãos de Jennifer Lawrence, é uma tremenda jornada.

Filmes com mulheres no protagonismo fazem dinheiro, e são parte da cultura geek. Filmes com mulheres tão dignas e com histórias tão relevantes quanto a dos homens são melhores do que filmes em que elas não são representadas. Artistas de mais valor estão por trás deles, e o talento que essas mulheres trazem – talvez porque passaram por testes que não incluíam lavar uma Ferrari sensualmente enquanto o diretor as filmava – é imprescindível para o crescimento e a valorização da cultura nerd. Mulheres são vetores de histórias, não ornamentos para as histórias dos homens, e muito menos enfeites para o deleite do público pré-adolescente.

Nós não precisamos de Michael Bay. Nós precisamos de Furiosa.

O Olhar Geek volta na próxima quarta-feira (22).

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