Bem-vindos de volta ao Olhar Geek, a nossa coluna semanal sobre tudo o que move e chacoalha o mundo nerd. Nosso tema dessa semana não são as decisões criativas de uma das grandes marcas ou franquias que nos acostumamos a acompanhar, nem uma conversa filosófica/social sobre os significados escondidos por trás dos filmes do Michael Bay. No entanto, a discussão de hoje é uma que tem impacto direto no futuro de todas as séries, sagas e gêneros que fazem a nossa cabeça: bilheteria, e especialmente bilheteria americana.
O caso complicado de Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos mostra que nem sempre só de EUA vive, financeiramente, um filme – no entanto, é difícil contar demais com os números internacionais quando o estúdio planeja uma campanha de marketing e expansão de marca que é baseada essencialmente nos EUA. Como vale lembrar, um estúdio como a Universal, que bancou Warcraft, existe como parte ínfima de um conglomerado de mídia baseado em terras americanas. O filme de fantasia de Duncan Jones (Lunar) está fazendo pencas de dinheiro ao redor do mundo, acumulando quase US$ 400 milhões para o estúdio, mas a receita bem abaixo do esperado nos EUA não é um bom sinal para um filme que foi produzido no mercado americano.
O ponto, portanto, é que bilheteria americana ainda é um número supremamente importante. Os filmes que se tornam titãs do outro lado do Atlântico adicionam crédito a uma confiança que os estúdios ganham graças à performance do filme em terras americanas – existe um motivo pelo qual todos os grandes sites de bilheteria, como o Box Office Mojo, exibem primeiro as cifras ianques, e depois, somadas, as do resto do mundo. Da forma como está, Warcraft fez 90% de sua renda internacionalmente, o que deve ter garantido o dinheiro da Universal de volta, mas não a boa vontade para o anúncio de uma sequência, o que nos tempos atuais costuma acontecer logo depois (senão antes) do lançamento. E quem perde com isso, é claro, são os espectadores, e especialmente o público geek afeiçoado à franquia graças aos jogos World of Warcraft.
Em plena temporada de verão americana, com a maioria dos grandes filmes já passados ou prestes a estrear, 2016 não parece encaminhado para se tornar um dos grandes anos da indústria – o Box Office Mojo registra que todos os lançamentos cinematográficos dentro dos EUA esse ano (todos, dos menores aos blockbusters) arrecadaram um total de US$5 bilhões até o começo dessa semana. O número com o qual 2015 fechou a conta foi US$ 11 bilhões. Se 2016 fechar a conta abaixo dos US$ 10 bilhões, como pode acontecer, visto que a temporada de grandes filmes comerciais está caminhando para o seu final, será o primeiro ano a não alcançar o número desde 2008 – e isso é um grande problema.
“Sequelitis”, a maldição da sequência apressada
Quer procurar um culpado para esse problema todo? O nome que os jornalistas americanos deram é “sequelitis”, a doença das sequências, adaptações, reboots e prelúdios malsucedidos de Hollywood. E o motivo pelo qual tantas delas afundaram nas bilheterias esse ano é tão multifacetado que é impossível de ser analisado só por um ponto de vista – mas tem muito a ver com a febre em que os estúdios entraram após ver a bem-sucedida experiência da Disney com o universo cinematográfico Marvel.
Nós não estamos nem mesmo falando de quantos “universos cinematográficos” pipocaram por aí desde então. A exploração de um conceito bacana criado por outrem é sempre uma boa ideia quando esse conceito faz sentido para o seu empreendimento – mas será que alguém quer mesmo ver um universo estendido em que os monstros sobrenaturais do catálogo Universal interagem? Ou mesmo um em que Transformers, G.I. Joes e companhia dividem a tela? E o tal crossover entre Homens de Preto e Anjos da Lei? A impressão é que Hollywood esbarrou em uma ideia interessante e, de repente, acha que essa ideia funciona em qualquer contexto, com qualquer propriedade ou franquia. Desnecessário dizer que não é bem assim, e que toda história deveria ditar a própria forma pela qual deve ser contada, ao invés de seguir a última tendência do momento.
E essa nem é a única delicadeza artística sobre a qual a ansiedade para fazer dinheiro fácil da terra americana do cinema passou por cima. 2016 demonstrou especialmente que sequências apressadas, feitas “no susto” pela surpresa do sucesso do original, não funcionam com o público. Nostalgia dos anos 90 e o apelo natural da premissa levaram o Tartarugas Ninja de 2014 ao surpreendente número de quase US$ 500 milhões de bilheteria. Feita em pouco mais de um ano e meio, a continuação As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras atualmente está em US$ 142 milhões (menos que o filme de 1990 dos personagens), e não deve nem chegar perto do número do anterior. Custando US$ 10 milhões a mais que o primeiro, Fora das Sombras foi um tiro no pé da Paramount.
Em um mundo em que Harry Potter, Crepúsculo e Jogos Vorazes fizeram muito dinheiro soltando praticamente um filme por ano, a franquia Divergente, que de certa forma mira no mesmo público, caiu espetacularmente no terceiro capítulo com menos de US$ 200 milhões ao redor do mundo. Faltou controle de qualidade e sobrou confiança mal direcionada em uma marca que nunca teve a força dos outros títulos que citamos – o mesmo excesso de confiança, e o timing fortuito das denúncias de abuso doméstico contra Johnny Depp, afundaram Alice Através do Espelho, talvez a queda mais espetacular desse verão americano. O fenômeno de bilheteria anterior fez mais de US$ 1 bilhão de dólares mundialmente, enquanto essa continuação produzida seis anos depois está lutando para alcançar um terço desse valor.
O combo condenatório para o fracasso de uma sequência no amaldiçoado ano de 2016, portanto, é uma mistura de casos em que a continuação veio cedo demais (bote nessa conta, também, Vizinhos 2, que mal alcançou US$ 100 milhões nas bilheterias mundiais, um terço da arrecadação do filme anterior), ou bancou demais em uma marca que pode ter rendido um bom – ou espetacular – sucesso uma vez, mas não tem fôlego para garantir outros triunfos. Pode ser o caso também de Truque de Mestre 2, que deve ter sorte se chegar a US$ 200 milhões mundiais, enquanto o filme anterior arrecadou mais de US$ 350 milhões.
Os relativamente modestos US$ 500 milhões de X-Men: Apocalipse frente ao gigante que foi Dias de Um Futuro Esquecido, o desempenho risível de Deus Não Está Morto 2 (US$ 20 milhões contra US$ 60 do original), a queda considerável de O Caçador e a Rainha de Gelo (US$ 160 conta US$ 400 do antecessor). São todas indicações que a mania de Hollywood de tentar “tirar leite de pedra” e capitalizar rápido do sucesso de filmes originais ou marcas estabelecidas não funciona mais com o público. Os sucessos do original Zootopia, do remake Mogli – O Menino Lobo, e do longamente concebido e aguardado Deadpool mostram que queremos algo a mais.
Nostalgia vs Qualidade
Olhe para Independence Day: O Ressurgimento, por exemplo. Não é a toa que a Fox tenha decidido reviver seu mega-sucesso de 1996 agora, após várias tentativas abortadas de continuação, e mesmo sem Will Smith a bordo. Estamos na época do ressurgimento de franquias como Jurassic Park, que sinalizou que a nostalgia pelos anos 90 (a mesma que impulsionou o primeiro Tartarugas Ninja) pode oficialmente ser uma mina de ouro para estúdios espertos. Os US$ 2 bilhões de Jurassic World, no entanto, não devem ser refletidos no resultado de Independence Day.
Apesar dos mais de US$ 800 milhões do filme original, o seu impacto cultural se limita largamente a uma só geração, e ainda mais largamente a uma geração de americanos. Vinte anos se passaram entre 1996 e 2016, e é difícil conceber que muitos pais gostariam de levar seus filhos adolescentes para verem a continuação daquele blockbuster com Will Smith – nem todo título é um alvo bom para um reboot, porque nem todo título inspira nostalgia e a vontade de ir ao cinema. Atuais previsões de especialistas em bilheteria apontam que é melhor a Fox não esperar um repeteco do sucesso do Independence Day original.
A abertura do filme, marcada para o fim de semana do dia 24 de junho nos EUA (eles nem tiveram a decência de esperar o real dia da independência americana, 4 de julho, para efeito dramático), deve arrecadar em torno de US$ 75 milhões, senão menos. É um número ligeiramente maior do que o dos outros “fracassos” do nosso artigo, mas dramaticamente menor do que as arrecadações dos maiores filmes do ano, de Capitão América: Guerra Civil (US$ 179 milhões) à Mogli (US$ 103), Batman vs Superman (US$ 166) e Deadpool (US$ 132). Com bons reviews – que não recebeu – talvez fosse possível que Independence Day escalasse até um bom resultado, mas não espere uma Fox satisfeita e agendando sequências tão cedo.
Jurassic World funcionou porque apresentou-se como uma nova ótica sobre uma franquia que se manteve no inconsciente coletivo popular através de continuações e outros produtos que fizeram de Jurassic Park um gigante corporativo meramente adormecido. Independence Day: O Ressurgimento é mais um exemplo de como Hollywood procura encontrar brechas para aplicar estratégias de negócio em lugares em que elas simplesmente não cabem, e nos quais obviamente não vai funcionar.
Nostalgia é o que te leva ao cinema ver Procurando Dory, mas é também sua confiança na excelência da Pixar. Nostalgia não é o bastante, nem é a regra. Quando Independence Day chegar aos cinemas brasileiros nessa quinta-feira (23), não espere o público em massa correndo para o cinema pegar a sequência de um clássico amado de sua juventude, porque Independence Day não é o clássico amado da juventude de ninguém. É um blockbuster ultra-americano que, no máximo, é uma curiosidade da Sessão da Tarde – é mais Lagoa Azul e menos Jurassic Park, e por isso não vai funcionar.
A lição que Hollywood (não) vai aprender
Em recente entrevista à Variety, o vice-presidente da Paramount, a mesma que sepultou uma franquia pela pressa e confiança exagerada no potencial comercial dela com As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras, cravou: “O público está nos desafiando a fazer filmes excelentes. Ser parte de uma franquia não te tira essa obrigação. Você tem que elevar o jogo e fazer com que a história seja excitante, engajante e divertida”. E ele está certo! Ao mesmo tempo, é mais do que claro que Hollywood ainda não aprendeu a lição, nem vai aprender.
Tome o exemplo da franquia Divergente, por exemplo. Quais foram as providências da Lionsgate após o fracasso de Convergente esse ano? Atrasar a produção do próximo filme, para que o grupo criativo tenha mais tempo? Não. Considerar uma revisão do roteiro por um profissional diferente, de preferência com boas credenciais? Nem pensar. Ao invés disso, o estúdio simplesmente cortou a verba do quarto filme da série, a ser intitulado The Divergent Series: Ascendant, e manteve a data de estreia do dia 9 de junho de 2017, pouco mais de um ano depois de Convergente. O diretor Robert Schwentke até mesmo perdeu a posição para um novo nome (Lee Toland Krieger, de A Incrível História de Adaline) ao escolher passar um tempo descansando do trabalho, junto a sua família.
O pensamento predominante parece ser que a linha de produção tem que continuar, mesmo que dela saiam produtos de quinta categoria. A relativa boa fortuna de Invocação do Mal 2, que tem conquistado números bem parecidos com o ultra-bem-sucedido filme original, já rendeu frutos: a vilã do filme, uma fantasmagórica figura vestida de freira, vai ganhar “aventura” solo, como a boneca Annabelle do filme anterior – isso sem James Wan, o diretor dos dois Invocação, que é a alma e a razão da qualidade da franquia.
Enquanto isso, Procurando Dory nadou em direção aos cinemas 13 anos depois do sucesso monumental do primeiro filme, Procurando Nemo (2003), e arrancou o melhor fim de semana de estreia de uma animação da história. Os respeitáveis US$ 135 milhões devem conduzir o filme a se tornar um dos grandes sucessos do ano, e o segredo, revelado em uma matéria da Entertainment Weekly, é um que os outros estúdios de Hollywood poderiam muito bem aprender com a Pixar.
“A única vez que começamos a fazer um filme por razões comerciais, foi em Toy Story 2, e esse tiro quase saiu pela culatra para nós. Nós demos um jeito e fizemos um bom filme, mas começamos errado”, disse o diretor dos dois filmes da franquia marítima, Andrew Stanton. “Nós não deveríamos abordar qualquer filme, seja ele parte de uma franquia ou uma ideia original, dessa forma. Qualquer filme precisa ser originado de uma ideia para uma história, não de uma necessidade de continuar a franquia. Assim, colocaremos tudo de nós no filme para valer”.
Desde 1995, quando surgiu com Toy Story, a Pixar (e a Disney também, após a fusão das duas) tem se mostrado um dos poucos lugares em que sobrevive o espírito do cinema como uma forma de fazer arte, cujas decisões são fundamentalmente criativas e, depois, pensadas como comerciais. Anda funcionando para eles – três dos cinco filmes mais lucrativos do ano são da Disney –, e Hollywood precisa escutar e aprender antes que seja tarde demais.
O Olhar Geek volta excepcionalmente na sexta-feira que vem, dia 1º de julho.