Bem-vindos de volta ao Olhar Geek. Cá estamos, meus queridos. Conforme chegamos à nossa quase décima edição, alcançamos também o meio do ano de 2016, um que guardou talvez maiores glórias do que quaisquer outros na história para a comunidade geek. E como é interessante frisar, metade ainda é muito pouco: o ano ainda nos guarda Caça-Fantasmas (14 de julho), Jason Bourne (28 de julho), Esquadrão Suicida (4 de agosto), Doutor Estranho (3 de novembro) e mais algumas delícias nerds pelo caminho.
As melhores estreias do mês de julho nos cinemas
A marca de seis meses do ano, no entanto, é oportunidade para olhar para trás e lembrar os filmes que marcaram essa trajetória, e trouxeram toda a glória da capacidade humana de contar histórias para o cinema. Como é tradição, vale fazer uma listinha dos 10 melhores filmes do ano até agora, incluindo todos os que você esperava ver por aqui (e alguns que talvez não esperasse, mas que podem te surpreender se você deixar).
Para não deixar a coisa modorrenta demais, ao invés de revelar a lista em ordem crescente ou decrescente, dividimos a nossa retrospectiva cinematográfica em alguns pontos básicos que vão nos permitir refletir sobre o ano e o que ele nos trouxe de melhor e pior. A lista completa, organizadinha, você encontra no final dessa edição do Olhar Geek. Aproveite:
Os indies
O Festival de Sundance veio e passou, mas a maioria dos filmes independentes exibidos por lá ainda não chegaram às mãos dos famintos cinéfilos brasileiros, então nossa seleção de filmes de fora do circuito principal hollywoodiano acabou com três outras obras surpreendentes, que vem de dois gêneros que tem prosperado no ambiente indie: terror e ficção científica.
Em uma edição anterior do Olhar Geek, destacamos o quanto o cinema de terror tem passado por uma excelente fase nos últimos anos, e não só por conta dos Invocação do Mal e A Entidade da vida. Os principais responsáveis por isso são os jovens cineastas independentes que vem se mostrando verdadeiros heróis do resgate da excelência, criatividade e vitalidade do gênero: David Robert Mitchell (Corrente do Mal), Ti West (A Casa do Diabo), Adam Wingard (Você é o Próximo), Jennifer Kent (O Babadook)… e agora Robert Eggers, diretor de A Bruxa.
O espetacular terror do diretor/roteirista estreante em longas-metragens casa uma interpretação explosiva da jovem Anya Taylor-Joy com um senso de desespero e horror que é muito mais existencial e profundo do que na maioria dos exemplares do gênero. A Bruxa é absurdamente bem fotografado, tem uma trilha-sonora tensa e inclemente, direção artesanal e roteiro que tira os mais rebuscados significados de uma história essencialmente simples. É um filme sobre a culpa que vem das opressões da religião e do machismo, e um aterrorizante conto sobre o nascimento de uma bruxa.
O segundo terror da nossa lista vem de outro mago do gênero que começou a surgir há pouco tempo, o diretor Mike Flanagan. Três anos após ascender ao estrelato com o seu O Espelho (2013), Flanagan entregou uma gema independente antes de embarcar no sistema dos grandes estúdios. Hush: A Morte Ouve (2016), que inclusive já está disponível na Netflix, é um tenso estudo das possibilidades de uma premissa simples, não estendendo demais a paciência do espectador nem se encaminhando demais para o terreno do improvável ou inacreditável. Kate Siegel entrega uma performance e tanto como a garota surda perseguida por um assassino (John Gallagher Jr, em ótima, e odiável, forma).
O diretor/roteirista/editor Flanagan, que ainda esse ano lança o mais super-produzido O Sono da Morte (14 de julho), é um talento para o qual vale a pena ficar atento, um habilidoso artesão do gênero que consegue brincar com convenções e provocar genuína tensão ao mesmo tempo.
Embora tenha uma carreira um pouco mais eclética, o mesmo pode ser dito de Jeff Nichols, que entregou o seu Midnight Special esse ano para uma audiência que sem dúvida se maravilhou. Da interpretação centrada do jovem Jaeden Lieberher, passando pela espetacularmente imaginativa trama e a forma progressiva e fascinante com a qual ela se desenrola, Midnight Special é uma ficção científica para ninguém botar defeito, um filme feito com pleno domínio narrativo e cinematográfico por um jovem diretor em franco processo de amadurecimento. Poucos filmes encantaram mais em 2016.
Os super-heróis
Quatro grandes filmes de super-heróis aportaram nos cinemas esse ano, e muita polêmica se fez em torno deles, de suas bilheterias, de sua qualidade. O interessante é que, do ponto de vista deste que vos fala, o fato de que esses quatro filmes de super-heróis são bastante diferentes não significa que eles não sejam, os quatro, excelentes. O ranking em que colocamos cada um deles tem a ver com preferência pessoal, mas há uma noção muito positiva de que, em 2016, o cinema de super-heróis amadureceu para se tornar uma forma de arte pop interessante, vital, que reflete problemas e questões reais e legítimas.
Através de Deadpool, começamos a desconstruir o mito do super-herói da melhor forma possível: com um filme extremamente divertido. O mercenário feito por Ryan Reynolds é uma paródia de si mesmo tanto quanto é uma paródia de todos os filmes do gênero que o precederam, e o mais bacana é que o roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick nunca perde de vista o fato de que Deadpool é também muito arquetípico em sua construção de uma história de origem – o fato de que ela funciona e entretém não é por querer fugir da convenção do super-herói, mas por se ater a ela enquanto brinca e distorce a noção de tempo, estruturação narrativa, e com os limites do cinema comercial.
Pouco depois de Deadpool, Batman vs Superman chegou aos cinemas com um contraste absurdo: se levando absolutamente a sério, o filme de Zack Snyder é uma meditação profunda das consequências emocionais e políticas do mito do super-herói. Em seu retrato do Superman como um garoto com brinquedos demais nas mãos, que está começando a aprender a ser responsável com eles, Snyder conjura um embate de heróis falhos que é 2/3 filme de terror, com a sensação de pânico dominando sobre a excitação no combate final entre os heróis, e 1/3 partida de videogame, subitamente se lembrando de que precisa dar espaço para a criação de uma franquia. São dois filmes desconjuntados, mas unidos pelo senso narrativo agudo do roteirista Chris Terrio e pelo trabalho espetacular dos efeitos especiais e de departamentos técnicos como fotografia, figurino e design de produção.
A reflexão de Capitão América: Guerra Civil acontece sobre uma tela mais colorida e iluminada, com uma noção mais aguda de seu status como blockbuster de verão. Isso não significa que o filme é menos profundo, no entanto – tem mais discussão política a fazer do que Batman vs Superman, refletindo sobre controle governamental, colocando uma visão ambígua sobre a ação dos super-heróis no universo cinematográfico da Marvel.
Como os Irmãos Russo frisaram, é um filme que não te deixa escolher um lado sem pensar bastante antes, e um em que nenhum dos dois lados está exatamente certo (justamente como acontece, na maioria das vezes, na política do mundo real). Belamente editado e coreografado, apresentando personagens novos com habilidade ímpar e trazendo a melhor atuação de Robert Downey Jr como Tony Stark em anos, Guerra Civil é uma experiência emocional intensa e um filme de verão que provoca o cérebro – produto raro que precisa ser valorizado.
Para finalizar, ainda tivemos X-Men: Apocalipse, o peso-pena dessa turma de super-heróis de 2016 na bilheteria, mas definitivamente um peso-pesado em termos de qualidade. As críticas de fãs aos filmes de Bryan Singer na franquia costumam ser mesquinhas e voltadas para detalhes, porque o diretor acerta em cheio no visual, no espírito e no conceito da aventura dos mutantes – X-Men: Apocalipse reflete sobre os cantos nos quais o preconceito se esconde quando o mundo se livra das manifestações mais óbvias dele, traz retratos diversos e interessantes da raiva e da complacência que inspiram a luta ativista, e tem pelo menos uma grande atuação em Michael Fassbender como Magneto.
Singer injeta vitalidade ao visual, criando efeitos especiais e personagens que são únicos e deslumbrantes para qualquer olho não-treinado para repudiar tudo que não se iguala à massa do CGI hollywoodiano. X-Men: Apocalipse é um filme importante, que não merece ser esquecido em meio à massa excepcional de filmes de heróis que tivemos em 2016.
A Disney
Nossos três últimos títulos da lista pertencem a um mesmo estúdio: a Disney. A campeã absoluta das bilheterias esse ano emplacou em nosso coração a continuação Procurando Dory, a animação original Zootopia, e o remake em live-action de Mogli: O Menino Lobo. São três filmes excepcionais, feitos com o senso de encantamento que sempre foi inerente à Disney, mas também com uma consciência e propósito narrativo que só vieram na era pós-Pixar, comandada pela mente genial de John Lasseter.
Treze anos depois de Procurando Nemo, a fábrica nada apressada da Pixar deu luz à Procurando Dory, e esse processo laborioso e atencioso é o grande culpado pelo filme ser tão bom, e parecer tão necessário. Saudado como uma história vitoriosa e sensível sobre doença mental, Procurando Dory é uma engraçada, triste, adorável e excitante aventura que reflete em temas parecidos com o filme original, mas não se deixa repetir. O tempo que a Pixar esperou, dando espaço para a história e a ideia respirarem e amadurecerem na cabeça desse cineasta genial chamado Andrew Stanton, também responsável por Wall-e (2008), é um exemplo que a maioria dos outros estúdios em Hollywood, com seus planos imediatos para enormes franquias e “universos compartilhados”, precisa urgentemente aprender.
Zootopia, por sua vez, mostra que a Disney (sem a Pixar) ainda tem fôlego para histórias originais fora de sua linha de princesas. Ultrapassando a marca de US$1 bilhão de dólares na bilheteria mundial, Zootopia é um filme infinitamente inventivo, em que um universo é construído com cuidado e detalhismo para nos contar uma história com paralelos fascinantes sobre o nosso tratamento de minorias e a nossa mania de estereotipar comportamentos através de características que nada tem a ver com eles. Outro filme de 2016 que inteligentemente examina um mundo que se considera “evoluído” para além de preconceitos, mas que se deteriora em formas mais sutis de opressão, Zootopia deixa uma lição positiva, personagens memoráveis, e um belo legado.
Por fim, em Mogli – O Menino Lobo, a Disney mostra que seu processo de adaptações live-action de clássicos do catálogo animado do estúdio continua impecável. Nas mãos do diretor Jon Favreau, que regozija na oportunidade de testar efeitos inovadores e deslumbrantes, o filme tem um senso de admiração e assombro frente à natureza que está no coração do Mogli original. Ao mesmo tempo, segue sendo uma história de amadurecimento adorável, conduzida por personagens marcantes com os quais é fácil se relacionar – um orgasmo estético que desperta boas memórias em “crianças” crescidas nostálgicas, Mogli é irresistível, e colocou meio mundo sob seu feitiço hipnotizante. A serpente Kaa ficaria orgulhosa.
Filmes de 2016 que ainda não conseguimos ver no Brasil:
• Everybody Wants Some, do diretor Richard Linklater (Boyhood)
• Love and Friendship, comédia de humor negro de época com Kate Beckinsale
• The Birth of a Nation, filme sobre racismo vencedor do Festival de Sundance
• Sing Street, filme adolescente sobre a música dos anos 80
• Sala Verde, intenso suspense com o falecido Anton Yelchin
• High-Rise, suspense com Tom Hiddleston, do diretor Ben Wheatley (Kill List)
• Demolition, drama com Jake Gyllenhaal e Naomi Watts
Lista final:
• A Bruxa
• Capitão América: Guerra Civil
• Procurando Dory
• X-Men: Apocalipse
• Midnight Special
• Batman vs Superman: A Origem da Justiça
• Zootopia
• Mogli – O Menino Lobo
• Deadpool
• Hush: A Morte Ouve