O melhor filme de 2015 é Mad Max: Estrada da Fúria. Essa opinião, embora absolutamente pessoal deste que vos escreve e de vários outros críticos brasileiros e americanos (e você pode discordar dela, é claro), não muda nem um pouco com o final da cerimônia do Oscar apresentada por Chris Rock neste domingo, 28, em Los Angeles.
A vitória de Spotlight: Segredos Revelados, um drama tremendamente importante e bem-realizado, não mancha o histórico da Academia (que já está bem sujinho no final das contas), nem a concessão de Melhor Diretor para o trabalho espetacular de Alejandro González Iñárritu em O Regresso. Mas o filme que mudou o jeito que vemos e fazemos cinema esse ano foi Mad Max.
Por um momento, no comecinho da cerimônia, parecia que a Academia concordava comigo. Nos prêmios técnicos, Mad Max levou tudo: Melhor Edição (Margaret Sixel), Melhor Figurino (Jenny Bevan, que brilhou com uma jaqueta de couro e um cachecol em meio aos vestidos de gala da noite), Melhor Cabelo & Maquiagem, Melhor Mixagem de Som, Melhor Edição de Som, Melhor Design de Produção. Essas seis estatuetas, incontestáveis para qualquer um que assistiu ao filme, são uma bela recompensa para cada um desses profissionais que trabalharam para criar o mundo absurdamente inventivo e interminavelmente interessante de Estrada da Fúria.
São também a recompensa de quem se esforçou para quebrar o paradigma de que arrasa-quarteirões hollywoodianos precisam todos parecerem iguais, como que numa linha de produção. O título “vencedor de 6 Oscar” na capa dos futuros DVDs e Blu-Rays de Mad Max vai ficar bonito, mas não o bastante. Mais uma vez, nas categorias principais, a Academia escolheu premiar um bom trabalho ao invés de um trabalho revolucionário.
O restante dos prêmios foi bem pulverizado. O grande vencedor de Melhor Filme, Spotlight, só levou mais um: Melhor Roteiro Original, reconhecimento merecido ao trabalho de Josh Singer e Tom McCarthy. O Regresso saiu da festa com três estatuetas: Melhor Direção para Iñárritu, que se torna só o terceiro cineasta a vencer dois Oscars seguidos; Melhor Ator para Leonardo DiCaprio (para o delírio da internet); e Melhor Fotografia para Emmanuel Lubezki, que vence pelo terceiro ano seguido, depois de vitórias por Gravidade e Birdman. A Grande Aposta levou Melhor Roteiro Adaptado; A Garota Dinamarquesa faturou Melhor Atriz Coadjuvante (Alicia Vikander); O Quarto de Jack ganhou Melhor Atriz (Brie Larson); Ponte de Espiões foi lembrado em Melhor Ator Coadjuvante (Mark Rylance); e Os Oito Odiados levou Melhor Trilha Sonora (Ennio Morricone).
Rylance deixou a internet em polvorosa por “roubar” o prêmio de Sylvester Stallone, e Morricone é uma lenda viva do cinema, o italiano responsável por muito da identidade do faroeste americano, que vence o seu primeiro Oscar em seis indicações, já tendo levado um honorário em 2007. Na categoria de Canção Original, a polêmica foi outra: ganhando por “Wiriting’s On the Wall”, sua composição para 007 Contra Spectre, o britânico Sam Smith tirou o prêmio de Lady Gaga e sua “Til It Happens to You”, do documentário The Hunting Ground. A performance poderosa da cantora, logo antes da apresentação da categoria, não deixou ninguém esquecer o peso social de sua composição e do filme que ela representa, com sobreviventes de abuso sexual se juntando à Gaga no palco para entoar a música.
Veja a comovente apresentação de Lady Gaga
Com o assunto mais em pauta do que nunca graças ao julgamento da cantora Kesha, que processa o produtor Dr. Luke por estupro (#FreeKesha), e a excelência inegável da música, seria um momento de ouro para premiar “Til It Happens to You” e The Hunting Ground, que lida com a epidemia de estupros nas universidades americanas. Ao invés disso (e não encarem isso como uma crítica a Sam Smith, por favor), a Academia deu o prêmio à música de um filme estrelado por um personagem notadamente misógino, patrocinado pela Sony, mesma empresa que se diz incapaz de liberar Kesha de seu contrato, que a obriga a trabalhar com o homem que a estuprou.
É esse, basicamente, o sentimento que o Oscar 2016 deixou em quem assistiu com o senso crítico mais aguçado. Com Chris Rock apresentando (com piadas que, em sua maioria, atingiram o alvo) e convidados como Angela Bassett, Whoopi Goldberg, Common, John Legend e Louis Gossett Jr, o Oscar tentou apaziguar as polêmicas do #OscarSoWhite (OscarTãoBranco) e trouxe a presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, para dar um testemunho sincero sobre a vontade de mudar o corpo de votantes e refletir melhor a gama de talentos que vemos no cinema.
No entanto, a verdade ainda permanece: pelo menos por enquanto, o Oscar é uma premiação elitista e avessa à polêmicas e diversidades. É um prêmio tão falho quanto a indústria que representa, e não escapa de nenhuma das acusações que poderiam ser feitas contra ela.
Em suma: muitas palavras, poucas ações. Vamos esperar os próximos anos para ver se a coisa muda de figura.