O fenômeno …E o Vento Levou amealhou 8 Oscars na cerimônia de premiação de 1940. Foi o raro momento na história em que a Academia acertou em dar as estatuetas principais para um filme que marcaria para sempre o cinema, um trabalho revolucionário e hoje em dia considerado clássico. Entre os 8 prêmios, no entanto, o mais significativo provavelmente foi o de Hattie McDaniel, laureada como Melhor Atriz Coadjuvante por seu retrato de Mammy, a empregada de Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) no filme.
Hattie foi a primeira pessoa negra a vencer o prêmio da Academia, um movimento em direção a igualdade racial que foi visto com maus olhos por muita gente. Hattie foi obrigada a se sentar, com outros convidados negros, em uma mesa separada, no fundo do salão, de onde orgulhosamente se levantou para receber sua estatueta.
Após esse divisor de águas, a quantidade de indicados negros nos prêmios da Academia começou a crescer, acompanhando os tempos que permitiam uma maior entrada dos atores de cor nos filmes de Hollywood.
Sidney Poitier ganharia seu Oscar de Melhor Ator em 1963, por Uma Voz nas Sombras; seguido por Louis Gossett Jr. como Melhor Ator Coadjuvante em 1982, por A Força do Destino; Denzel Washington levou em 1989 como Coadjuvante por Tempo de Glória e em 2002 na categoria principal, por Dia de Treinamento; Whoopi Goldberg ganhou o seu em 1990, por Ghost; Cuba Gooding Jr. venceu em 1996 por Jerry Maguire; Halle Berry se tornou a primeira atriz negra a vencer como Melhor Atriz em 2002, por A Última Ceia; Jamie Foxx reinou soberano em 2004 por Ray; Morgan Freeman coletou seu prêmio no mesmo ano, por Menina de Ouro; Jennifer Hudson e sua arrasadora Effie levaram por Dreamgirls, em 2006; e Forest Whitaker também foi premiado no mesmo ano, por O Último Rei da Escócia; desde então, Mo’Nique (2009), Octavia Spencer (2011) e Lupina Nyong’o (2013) tiveram seus momentos na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante.
E é isso. Essa é a história completa de atores negros vencendo o Oscar. São 14 intérpretes em 88 edições do prêmio, e a situação nas outras categorias é ainda pior. Só três diretores negros foram indicados na sua categoria, nenhum deles mulher – John Singleton, Lee Daniels e Steve McQueen. Apenas um diretor de fotografia negro foi lembrado em sua categoria, e também só um editor. Seis produtores negros tiveram suas obras indicadas a Melhor Filme, e só um (o próprio Steve McQueen, por 12 Anos de Escravidão) venceu. Sete roteiristas foram nomeados por seus trabalhos juntando as duas categorias (Adaptado e Original), e só dois levaram para casa o prêmio. Sidney Poitier, James Earl Jones e Spike Lee seguem sendo os únicos artistas negros agraciados com o prêmio honorário pelo conjunto da carreira.
Não vale nem a pena contar quantos latinos ou nativo-americanos foram indicados ao prêmio, porque o número é ínfimo mesmo entre os descendentes dessas culturas que vivem e atuam no cinema dos EUA.
É flagrante que o cinemão americano tem um problema de diversidade, que age de forma mais profunda e insidiosa do que se pode imaginar: não é só que diretores de casting não escalam atores não-brancos, é que o padrão no qual muitos dos roteiristas foram criados é o de construir personagens descritos como brancos mesmo quando essa não é uma característica formativa do personagem ou útil para a história.
É sabido também que os estúdios estão mais inclinados a produzir filmes com histórias como as de Spotlight, O Regresso e Brooklyn (sem desmerecer o mérito desses filmes como arte), do que 12 Anos de Escravidão, Selma ou o recente The Birth of a Nation, que tomou Sundance de assalto. A história da cultura negra ainda incomoda muita gente em Hollywood e nos EUA, a tensão racial ainda é muito palpável, e produzir filmes que escancaram isso é um risco que os estúdios tem medo de correr.
Então sim, de alguma forma, a atriz Viola Davis estava certa quando, no seu discurso de vitória no Emmy do ano passado, disse que faltam oportunidade para intérpretes de cor em Hollywood. Mas se o coração do problema está fora das mãos da Academia, é preciso admitir que ela não tem sido parte da solução – os votantes, em sua maioria homens brancos na faixa dos 70 e poucos anos, não veem problema em dispensar um ou outro prêmio para artistas negros de vez em quando, mas não são abertos o bastante para indicar filmes como Beasts of No Nation, Tangerine, Um Deslize Perigoso e Straight Outta Compton, quatro dos grandes feitos cinematográficos do ano passado. Em um ano em que Eddie Redmayne está indicado por seu retrato de uma mulher transexual, Mya Taylor e Kitana Rodriguez, ambas trans e negras, foram ignoradas pelas suas celebradíssimas performances em Tangerine.
Por isso a declaração da presidente da Academia, Cheryl Boone Isaacs, frente a toda a polêmica do #OscarSoWhite e suas hashtags derivadas (#OscarSoStraight, etc), pareceu tão sincera. Ela escolheu as palavras certas para dizer o que as medidas de correção precisam arquivar, que é fazer com que a Academia volta a estar à frente e orgulhosamente apoiando movimentos de libertação de minorias e de representatividade, como estava em 1940, quando deu o Oscar para Hattie McDaniel. Em algum lugar no meio do caminho, a Academia perdeu o contato com a realidade da diversidade e das lutas sociais, e é improvável que isso mude radicalmente tão logo – mas é como diz aquela velha frase: toda jornada começa com um primeiro passo.
Academia cede à pressão e anuncia mudanças para aumento de diversidade