É difícil para qualquer série se encontrar logo na primeira temporada. Custa tempo até a narrativa ser refinada, até a voz ser encontrada e Os Anéis de Poder não é exceção. Enquanto o primeiro ano da série do Prime Video não foi a desgraça que muitos fãs puristas pintam por aí, ela ainda era pedra bruta, longe de ser joia preciosa. O brilho que somente ocasionalmente aparecia então, felizmente, já captura nosso olhar nessa 2ª temporada.
A obra baseada em O Senhor dos Anéis – e outros escritos de J.R.R. Tolkien – começa de onde fomos deixados há dois anos. Os três anéis dos elfos foram criados por Celebrimbor (Charles Edwards) e geraram uma sombra sobre a amizade de Elrond (Robert Aramayo) e Galadriel (Morfydd Clark). Enquanto o futuro senhor de Valfenda desconfia desses artefatos, ela quer usar para salvar seu povo, cuja luz desvanece a cada dia que se passa. Essa desconfiança, infundada ou não, permeia toda a narrativa da 2ª temporada.
Enquanto o primeiro ano da série basicamente girava em torno da pergunta “quem é Sauron?”, esse segundo foca na influência dele sobre a Terra-média e, dessa forma, a narrativa soa menos fragmentada, visto que ele é o elemento que une as diferentes subtramas, desde os elfos, passando pelos humanos em Númenor, o Estranho (Daniel Weyman) e Nori (Markella Kavenagh) em Rhûn, até os anãos em Khazad-dûm.
É bastante evidente que Os Anéis de Poder aprendeu como trabalhar tantos personagens desde sua primeira temporada. Para tal, os episódios sabem focar no que importa, dando mais destaque para um núcleo em detrimento de outro – por vezes, ficamos sem ver alguns personagens em certos capítulos. Ou seja, é uma série que sabe utilizar sua narrativa capitular, dispensando uma narrativa extremamente fragmentada, que muitas vezes faz soar como se saísse do nada, com destino a lugar nenhum.
Nessa segunda temporada, vemos o total oposto disso. O status quo da Terra-média é completamente alterado, com eventos que, sinceramente, esperávamos ver somente em anos posteriores, mas que, felizmente, já se transpassaram logo cedo. Com isso, os showrunners Patrick McKay e John D. Payne valorizam o tempo do espectador, mas sem fazer tudo soar apressado, visto que há muito destaque nas relações interpessoais, que provam ser o grande trunfo da série, até mais que cenas épicas (e essas estão, sim, presentes aqui).
A força de Os Anéis de Poder está em seu lado dramático
Os Anéis de Poder reluz de verdade quando assume seu lado mais dramático. Algumas das maiores tragédias dos escritos de Tolkien ocorrem na Segunda Era e a série precisa capitalizar em cima delas, oferecendo a visão, a dor dos personagens ao presenciá-las. Felizmente, isso acontece aqui, com direito a algumas cenas, que mesmo dias após termos assistido a temporada completa, continuam a causar aquele aperto no peito.
Esses momentos, e alguns que dão verdadeiros arrepios, ou fazem lágrimas escorrerem, não apenas colocam essa temporada um patamar acima da anterior, como, curiosamente, aumentam nosso apreço pelos livros de Tolkien. Muito do que foi deixado pelo autor acerca desse período específico são fragmentos, ou passam apenas por cima de eventos importantes – vê-los ilustrados de forma tão emocionante aqui é um presente para qualquer fã.
Evidente que grande parte do trunfo vem das atuações do elenco – claramente mais à vontade que no primeiro ano da série. Charles Edwards e Charlie Vickers, como Celebrimbor e Sauron, respectivamente, merecem o devido destaque, fazendo com que ansiemos pelas cenas dos dois juntos – há muitas delas, felizmente. Sem dúvidas, essas são as figuras centrais desta temporada e se você não achava Vickers ameaçador, com certeza vai enxergá-lo de outra forma nesses novos episódios.
Outro aspecto digno de nota é como Os Anéis de Poder sabe ilustrar bem os efeitos mágicos dos artefatos titulares. Aqui não vamos adentrar no que eles fazem – mas teremos matérias sobre isso nas próximas semanas -, mas certamente fãs que tinham dúvida sobre eles, sairão com maior esclarecimento dessa segunda temporada. Há até algumas belas referências que vão colocar sorrisos nos rostos de quem já leu, ou assistiu outras obras desse universo.
Defeitos da temporada não ofuscam seus acertos
Não podemos dizer, no entanto, que essa é uma temporada perfeita. Apesar da figura de Sauron, como dito antes, funcionar como ponto de convergência, alguns dos arcos ainda soam desconexos demais, especialmente o núcleo de Númenor e o de Isildur (Maxim Baldry). Eles ainda são engajantes, com tramas que envolvem o espectador e caminham para um dos eventos mais importantes da Segunda Era, mas ainda soam distantes do que estamos vendo no restante da série.
Até o Estranho e Nori parecem mais diretamente ligados ao que estamos vendo do lado dos elfos e dos anãos, ainda que alguns pontos dessa história pareçam ter sido deixados soltos demais.
Além disso, a série de fantasia do Prime Video ainda não acertou completamente em como retrata suas cenas de batalha, por mais que estejam muito superiores ao do primeiro ano. Como apontado acima, a série acerta quando foca no lado dramático e dentro dos conflitos, é esse foco que salva diversas sequências. Não é para dizer que sejam ruins, muito pelo contrário, mas não atingiram o nível que vemos na trilogia de O Senhor dos Anéis de Peter Jackson – mas é muito difícil replicar o que vemos em As Duas Torres.
Tais deslizes, contudo, não detraem da qualidade geral dessa temporada, que melhora praticamente tudo do que vimos no ano anterior. Recebemos diversos núcleos, com resoluções que, de fato, deixam claro que capítulos importantes foram encerrados. Essa é uma temporada que mata a sede de quem quer mais J.R.R. Tolkien, de quem quer mais fantasia.
Com início, meio e fim bem definidos, ela deixa o espectador – e o fã – mais que satisfeito e, ao mesmo tempo, ansiando por mais. Os Anéis de Poder definitivamente encontrou sua voz e seu brilho.
O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder está disponível no Prime Video.