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The Terror | Crítica - Episódios 1 e 2

Por mais que não esteja no hall dos seriados que promete abocanhar o interesse de um público maior (e a própria recepção fria após este início de temporada parece anunciar isso), The Terror não é nenhuma série de pouco peso. Antes anunciada como minissérie e depois transformada em antologia, o show traz em sua produção nomes grandiosos como Ridley Scott, em sua segunda incursão na TV após a elogiada Taboo, e David Zucker, conhecido nome das comédias nos anos 80 e 90 que se aventura nesta mesclagem de histórias reais com toques de horror clássico.

Mas vale ressaltar que o próprio material base tomado pelos showrunners Dave Kajganich e Soo Hugh, neste caso o livro homônimo de Dan Simmons, também se permite a transformar em ficção a tão emblemática Expedição Franklin, comandada por Sir John Franklin em 1845, que zarpou da Inglaterra com dois navios, o Erus (comandado pelo próprio) e o The Terror, capitaneado por Francis Rawdon Moira Crozier, ambos no objetivo de cruzar a lendária Passagem Norte, que ligava o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico através da calota polar da Ártica. Na história real, ambos os navios desapareceram durante a expedição, com os destroços do Erebus tendo sido encontrados em 2014 e os do The Terror mais recentemente, em 2016. Simmons, então, aproveitou o mistério envolvendo os desaparecimentos dos navios para elaborar seu conto de horror.

E depois de toda a sua divulgação que anunciava a estreia da série para o dia 26 de março, qual não foi a surpresa quando, logo após o 8×13 de The Walking Dead, a AMC exibiu o piloto intitulado Go For Broke e, no dia seguinte, o reexibiu acompanhado do episódio seguinte, Gore. Opção acertada, diga-se, uma vez que estas duas primeiras partes entre os 10 episódios que irão compor a primeira temporada se complementam  com uma organicidade genuína entre o posicionar dos tabuleiros do piloto e a inserção do horror no segundo, ambos permeados por longas paisagens gélidas, frias, que parecem ter muito a esconder atrás de cada calota de gelo.

O que salta de imediato aos olhos em Go For Broke é a estrutura inicialmente não linear com que o diretor Edward Beager e o roteiro Kagjanich trabalham a estrutura narrativa, que se inicia no fim, quando a Expedição Franklin já está desaparecida há quatro anos, e depois nos ambienta já no início da mesma, quando o frio e o gelo já começam a dificultar a missão da expedição. Mas se engana, é claro, quem poderia pensar que Go For Broke se apressa nesta apresentação do cenário, e servindo-se de uma narrativa bastante pautada e contemplativa (reparem nas gigantes tomadas em meio aos cenários claustrofóbicos), não apenas o posicionamento dos personagens é bem definido neste piloto, como também a opressão que cercam os navios Erebus e The Terror, ressaltando também a hierarquia de classes que jamais é abandonada pelos oficiais e não-oficiais.

E nas mãos de atores competentes como Ciarán Hinds e Jared Harris, o embate de egos gigantes permeado entre John Franklin e Francis Cozier se faz ainda mais charmoso aos conflitos que prometem rodeia toda a temporada. O primeiro, um aristocrata, se faz de despreocupado e otimista com o destino da expedição, enquanto o segundo, racional e objetivo, chega ao ponto engolir seu orgulho e pedir que a tripulação da Erebus seja transferida para a The Terror quando o navio encontra dificuldades no funcionamento da hélice. Grande parte do foco de Go For Broke se faz no estabelecimento do embate entre estas formas de liderança tão distintas, o que para os desavisados, talvez não dê a ideia do tom de horror com que a série será levada adiante.

E quando digo que Gore se faz um complemento imprescindível para o que é apresentado em Go For Broke, isto se deve muito ao fato da atmosfera misteriosa, de fato, começar a se estabelecer à partir daí, o que torna ainda mais lógica a decisão da AMC por uma exibição dupla. Em Gore, o ranger dos navios e o sentimento de solidão são ainda mais complementares para compreendermos o que pode estar à espreita para a tripulação da expedição, e nisto auxilia a direção de arte que mergulha as locações numa escuridão azulada que contrasta com o branco do ambiente exterior, onde os navios já se encontram encalhados e não possuem nada a sua frente além do horizonte. Não há didatismos neste episódio sobre o quão temeroso é o clima que toma conta dos dois capitães e seus tripulantes, e muito é dito através dos olhares, posturas e respirações, além de uma aparição assustadora e que, possivelmente, tenha estabelecido o grande mistério da série, além de um cliffhanger assustador vindo de um dos esquimós que encontra o grupo em meio ao gelo.

E justificando ainda mais sua exibição dupla, com a apresentação de Go For Broke e a inserção dos plots misteriosos de Gore, The Terror se revela bastante competente nessa imersão e despertar da curiosidade já em suas primeiras investidas, algo não exatamente comum vindo da pouco criativa AMC. Mas é notável a preocupação pelo que se está contando em tela e o auxílio que o competente elenco, leadings ou coadjuvantes, dão ao roteiro bem delineado de Edward Berger. Mas diante de sua aparente narrativa metódica, que pode se estender até o derradeiro final, é de se questionar se The Terror irá manter o mesmo fôlego no que virá.

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